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III Sobre o gesto do corpo no espaço

Espaço do corpo – o corpo. Corpo do espaço – o espaço. Entre estes espaça- mentos é possível criar um espaço no corpo e em contrapartida, um corpo no espaço?

Todo o processo de criação de Penetrar até aqui evidenciado compreende a intenção do ato fotográfico e do gesto na tentativa visual de unir tais referentes. No entanto, o conceito de espaço aqui proposto não se direciona mais ao processo. Afastando-se das escolhas de recorte espaciais, o termo espaço se refere ao lugar

apresentado na fotografia enquanto materialidade.

Como já apontado no texto, considerando uma separação entre os referentes fotográficos de Penetrar, divido em 1-o corpo e 2-o lugar que o circunda. Analiso a possibilidade e os modos em que o lugar se dissipa no corpo, este se expandindo em direção ao espaço que o envolve. Considerando essas possibilidades, a união entre corpo-lugar é visual e adentra a possibilidade de um procedimento realizado através de uma colagem fotográfica.

Como sabemos, uma colagem consiste na utilização da cola, fitas, grampos ou outros modos de colar diversos fragmentos sobre alguma superfície. De um modo geral, a colagem trabalha com partes, sobreposições e a composições feitas com os mesmos. Analisando estes fragmentos, Krauss afirma que:

O elemento colado, por sua imperiosa condição de fragmento, chama a atenção para esta qualidade de ausência presente, por assim dizer, e reve- la a verdadeira natureza da representação, que não passa de aparência, re- dução, substituta, signo. Com a colagem, o “real” entra no campo da repre- sentação enquanto fragmento, e fragmenta a realidade da representação 77.

O surgimento da colagem para utilização no campo fotográfico foi direcionado primeiramente à fotomontagem. Entretanto, este procedimento pode se relacionar a um âmbito mais conceitual, ou como Krauss define: colagem conceitual. Através da análise dos estudos de nus de Irving Penn 78, realizados entre 1949 e 1950, a autora traça uma aproximação das fotografias do artista com um procedimento de colagem. Krauss determina que essas fotografias de Penn são como colagens, ou seja, são como “texturas que pertencem ao mundo parecendo isoladas, como naufragadas na

77. KRAUSS, Rosalind. O fotográfico, 2010. P. 167. 78. Irving Penn foi um fotógrafo norte-americano que iniciou sua carreira na fotogra- fia em meados da década de 1940. Trabalhou para a revista Vogue, fotografando inúmeros artista como Truman Capote, Pablo Picasso e Kate Moss. No entanto, além da fotografia de moda, em 1949 realizou uma série de nus femininos que causaram estranhamento e notoriedade para o artista na época. Cf. KEANEY, Mag- dalene; NAIRNE, Sandy. Irving Penn

Portraits, 2010.

79. KRAUSS, Rosalind. O

A fotografia é quem fala melhor a linguagem da colagem, (...) ela sempre chega até nós como fragmento: as diversas texturas reunidas no campo da imagem captam nosso olhar pela sua densidade e tendem a se separar umas das outras, de forma que, no mais das vezes, lemos as fotografias pedaço por pedaço, elemento por elemento. Além do mais, na medida em que cada fotografia traduz uma cena ou um objeto que existiu realmente em dado lugar e em dado momento a “presença” da imagem fotográfica sempre é modificada pelo seu estatuto de testemunha, traço, vestígio. 80

Desta maneira, a criação fotográfica pode se configurar como colagem en- quanto fragmentos, texturas e vestígios que se colam frente à câmera no ato fotográ- fico reverberam na materialidade. No entanto, a colagem conceitual não acontece em qualquer fotografia, caso contrário, o ato fotográfico seria sempre um procedimento de colagem conceitual. Desta forma, a aproximação conceitual entre colagem e fo- tografia se coloca na medida em que a colagem evidencia os fragmentos e a possi- bilidade de representar o real. É importante lembrar que a colagem está imbricada a fragmentos muitas vezes desprovidos de seus contextos, e que se direcionam a uma relação de ausência/presença, problematizando a representação pela ausência (seja de volume, proporção, textura).

Desta forma, a colagem se aproxima da fotografia em um movimento de relação dos recortes sobre o lugar de seus referentes. Entre um fragmento e outro, Krauss define que o conceito de colagem conceitual advém através de recortes foto- gráficos e de uma associação entre a presença/ausência de partes.

Avanço uma possibilidade de que em Penetrar haja uma construção fotográfi- ca através da colagem conceitual. Para abarcar esse campo de possibilidade, analiso mais atentamente as quatro primeiras fotografias da série, já que em Penetrar V e VI não observo este procedimento de criação.

Em Penetrar I, II, III e IV atento que o corpo é abordado somente em partes fragmentadas que se sobressaem sobre o lugar que o circunda. Observando estas

fotografias, visualizo que corpos se sobrepõem ao espaço enquanto estranhamen- to, uma vez que parecem problematizar sua relação com o mesmo. Percebo que a construção fotográfica isola visualmente o corpo para colocá-lo no espaço. Seria então uma colagem conceitual? Afasto-me de uma relação intrínseca com a colagem proposta por Krauss. Destarte, compreendo que o processo de Penetrar se aproxima de um procedimento de colagem conceitual que parte de referentes separados para uni-los no ato fotográfico em relação à intencionalidade. Atento que esta tentativa de unir o corpo ao espaço acarreta uma visão isolada do corpo para colá-lo no espaço pelo gesto fotográfico. São corpos isolados de seus contextos, e que em sua condição fragmentária são problematizados pela posição e dobras sobre si mesmos. Aposição do corpo se sobrepõe a um ponto de vista que destina colocar esse corpo como algo estranho. Desta forma, a textura corporal e as formas não habituais nos remetem a um corpo humano e uma representação outra do mesmo – uma alteridade. Entre- tanto, através deste procedimento, os corpos se aproximam do lugar que os envolve como uma extensão ou continuidade. Visto pelo viés da psicastenia, poder-se-ia dizer que compartilham o próprio estranhamento com o espaço. Desta forma, o corpo se expande ao lugar, problematizando sua presença inquietante e estranha também em relação ao espaço que o envolve.