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A metodologia utilizada nesta Dissertação de Mestrado baseia-se no mapeamento de todos os pronomes oblíquos clíticos (acusativos, dativos e reflexivos) presentes nas cem primeiras CSM; na classificação desses elementos quanto à forma de cliticização; na verificação dos casos em que há material linguístico, ou seja, uma ou mais palavras, entre o pronome e o verbo e na descrição desse material interveniente.64

No primeiro momento de análise, focalizamos todos os pronomes oblíquos clíticos presentes em todas as cantigas em análise e os grifamos de amarelo:

(3.1)

Atal Sennor dev' ome muit' amar,

que de todo mal o pode guardar; (CSM 10; 9-10)65

(3.2)

E ar todavia

sempr' estás lidando por nos a perfia o dem' arrancando, que, sossacando, nos vai tentando

64 No Apêndice, seguem as análises das cem primeiras CSM. Para melhor ilustrar nosso mapeamento optamos por grifar de amarelo o pronome oblíquo clítico; em azul, logo abaixo do verso no qual há um pronome analisado, estão especificados o tipo de cliticização (próclise, ênclise ou mesóclise) e a natureza do pronome, se acusativo, dativo ou reflexivo, e, finalmente, em verde, temos a palavra à qual o clítico está subordinado (em nossa análise sempre será o verbo) e a descrição do material interveniente (quando este existe) entre o verbo e o clítco.

65 Entre parênteses, o número que segue a abreviatura CSM refere-se às cantigas, já os números após o sinal de ponto e vírgula referem-se aos versos ou às estrofes.

con sabores rafeces; mas tu guardando e anparando

nos vas, poi-lo couseces.

Virga de Jessé... (CSM 20; 3ª estrofe)

(3.3)

Muito valvera mais, se Deus m' anpar, que non fossemos nados,

se nos non désse Deus a que rogar

vai por nossos pecados. (CSM 30; refrão)

Depois do levantamento desses pronomes, verificamos a forma de cliticização a que eles estão sujeitos. É importante destacar que o mapeamento e a decorrente classificação dos pronomes clíticos quanto à sua posição em relação ao verbo seguiram a tradição gramatical, a exemplo do que faz Mattos e Silva (2006, p. 192):

Seguiremos a tradição na análise da colocação do pronome complemento átono [...] que toma como ponto de referência o verbo da frase e considera

enclítico o pronome sucedendo e adjacente ao verbo; proclítico, o pronome

antecedendo o verbo e mesoclítico, ou no interior do verbo, estrutura possível apenas com o futuro do presente e do pretérito [...].

Por meio desse procedimento de localizar o pronome clítico e assim classificar sua forma de cliticização, verificamos que, nas CSM, os pronomes oblíquos átonos podem aparecer em próclise, ênclise e mesóclise, assim como vimos na afirmação de Mattos e Silva (2006).

(3.4) lles diss' a mui grandes vozes: | «Falssoss, maos e encreus,

Æ próclise – pronome oblíquo dativo lhes (CSM 35; 72)

(3.5) Tornou-ss' o angeo logo; | e atan toste que viron

Æ ênclise – pronome oblíquo reflexivo se (CSM 45; 81) (3.6) dar-ch-á y consello un fol trosquiado.»

Æ mesóclise – pronome oblíquo dativo / verbo (dará) (CSM 65; 73)

Em relação ao uso da próclise, notamos que ela é predominante em situações em que há elementos atrativos. A este respeito Mattos e Silva (2006, p. 193) afirma que ela é “categórica nas frases negativas, quer subordinadas, principais ou coordenadas”. Este dado pode ser observado com grande recorrência nas cantigas analisadas; a seguir temos alguns

exemplos, transcritos em (3.7), (3.8), (3.9) e (3.10), em que a presença de formas negativas (grifadas de azul) determina a realização da próclise dos pronomes oblíquos (grifados de amarelo).

(3.7) a seu irmão foi e da Emperadriz non s'espedyu; (CSM 5; 49) (3.8) fazer vosqu', e non vos seja greu, (CSM 15; 172) (3.9) que a per poucas dos pees | os dedos non lle queimou; (CSM 53; 16) (3.10) mente e non te coites; | ca certo che dizemos (CSM 71; 48)

Assim como a forma negativa non, observamos que outras partículas também podem implicar o uso proclítico dos pronomes oblíquos átonos, uma vez que há a possibilidade de esse tipo de partícula atrair o pronome para próximo de si, favorecendo, dessa forma, o maior uso da próclise em relação às outras duas formas de colocação pronominal.66 Estas formas podem ser: pronomes relativos, pronomes interrogativos ou indefinidos; conjunções, etc. Observamos que a conjunção nen também pode atrair o pronome para perto de si,

instituindo, desse modo, a próclise do pronome, como podemos observar no exemplo abaixo em que nen (grifado de azul), possivelmente, condiciona a proclitização do pronome vos (grifado de amarelo).

(3.11)

E dormid' agora, pois canssad' andades; mais pois que for noite, nada non dormiades nen vos espantedes por ren que vejades, mais jazed' en este lugar mui calado.»

A creer devemos que todo pecado... (CSM 65; 145 - 149)

No exemplo a seguir, podemos verificar que há a possibilidade de o pronome relativo

que (grifado de azul) exercer influência sobre os pronomes oblíquos clíticos (grifados de

amarelo), fazendo com que eles se realizem procliticamente em relação aos verbos aos quais estão subordinados.

(3.12)

Porend' a Sant' Escritura, | que non mente nen erra, nos conta un gran miragre | que fez en Engraterra a Virgen Santa Maria, | con que judeus an gran guerra porque naceu Jesu-Cristo | dela, que os reprende.

66 Veremos na seção de análise dos dados que o uso da próclise é predominante, seguido da ênclise e por último a mesóclise.

A que do bon rei Davi... (CSM 6; 2ª estrofe)

Também a conjunção que parece exercer uma atração sobre os pronomes clíticos, favorecendo a próclise.

(3.13)

De mi por que te partiste | e fuste fillar moller? Mal te nenbrou a sortella | que me dést'; ond' á mester que a leixes e te vaas | comigo a como quer,

se non, daqui adeante | averás coyta mortal.»

A Virgen mui groriosa... (CSM 42; 14ª estrofe)

(3.14) Ca non á tan arrizado

de vos que possa cantar se muit' ouver jajũado, nen ss' aas oras levar, se comer non lle for dado que o faça esfoçar;

porend' eu d' aqui ir-m-ei.»

Quen servir a Madre do gran Rei... (CSM 88; 6ª estrofe)

Já nos exemplos transcritos a seguir, possivelmente, o pronome indefinido quanto (a) (grifado de azul) pode fazer com que os pronomes oblíquos clíticos (grifados de amarelo) se cliticizem procliticamente ao verbo a que estão subordinados.

(3.15) Tan fremosa, que enton

quantos la catavan a Virgen, de coraçon chorando, loavan, a qual

é dos coitados espital.

Par Deus, tal ssenor muito val... (CSM 81; última estrofe)

(3.16) Ben enpregou el seus ditos, com' achamos en verdade, e os seus bõos escritos que fez da virgĩidade daquesta Sennor mui santa, per que sa loor tornada foi en Espanna de quanta a end' avian deytada judeus e a eregia.

Além do pronome relativo que, da conjunção que e do indefinido quanto e suas

variantes, foram encontrados outros pronomes que, provavelmente, exercem influência no posicionamento do clítico, favorecendo o uso da próclise. Como exemplo, citamos o pronome indefinido todo e suas variantes, que são outras formas que podem favorecer a próclise devido ao seu caráter atrativo. No exemplo (3.17), apontamos que o pronome oblíquo acusativo a está proclítico ao verbo loar, pois, é atraído pelo pronome indefinido todos.

(3.17)

A Virgen Santa Maria todos a loar devemos, cantand' e con alegria,

quantos seu ben atendemos. (CSM 8; refrão)

Logo abaixo, serão expostos casos em que o advérbio (grifado em azul) exerce influência sobre o pronome oblíquo (grifado de amarelo), fazendo com que ele se realize procliticamente.

(3.18) dizendo: «Tol-t', astroso, | e logo te desfaz.» (CSM 47; 40) (3.19) que nunca mais las poderon aver. (CSM 52; 33)

Em (3.20), nota-se que a próclise do pronome nos (grifado de amarelo), possivelmente, pode estar condicionada ao fato de a oração em que o clítico está ser subordinada de gerúndio (em negrito).

(3.20) ca non nos escaeces, e, contendendo, nos defendendo do demo, que sterreces.

Virga de Jessé... (CSM 36; 16 - 18)

Em (3.21) e (3.22), podemos sugerir que, possivelmente, as orações subordinadas, iniciadas pela conjunção subordinativa quando (grifado de azul), tenham atraído os pronomes (grifados de amarelo).

(3.21)

Santa Maria pod’ enfermos guarir

(3.22)

Mas en aquel mõesteiro | ponto d'agua non avia se non quant' o cavaleiro | da fonte lles dar queria, por que os monges lle davan | sa renta da abadia; e quando lla non conprian, | eran dela perdidosos.

Tanto son da Groriosa | seus feitos mui piadosos... (CSM 48; 4ª estrofe)

Em relação à ênclise, assim como afirma Mattos e Silva (2006, p. 194), observamos que seu uso é recorrente se o verbo está em posição inicial absoluta, como pode ser observado nos exemplos abaixo:

(3.23)

O Conde, poi-la livrou dos vilãos, disse-lhe: “Senner dizede-m’ ora quen sodes ou dond’.” Ela repôs: “Moller

sõo mui pobre e coitada, e de vosso ben ei mester.” (CSM 5; 75-77)

(3.24)

Pois a dona foi ferida mal daquel, peyor que tafur e non vĩia quen lla das mãos sacasse de nenllur senon a Condessa, que lla fillou, mas esto muit' adur;

ũus dizian: «Quéimena!» e outros: «Moira con segur!» (CSM 5; 103-106) Ainda versando sobre a ênclise dos pronomes clíticos ao verbo, Mattos e Silva (2006, 194) considera-a predominante em frases coordenadas, quando não há nenhum material gramatical entre o verbo e os coordenantes: e, mais e pero. Em nossas análises encontramos casos como esses; a seguir temos transcritos alguns deles:

(3.25)

Pero avẽo-ll' atal que ali u sãava,

cada un nembro per si mui de rig' estalava, (CSM 77; 35-36) (3.26)

E tomou log' un coitelo, | con que tallavan o pan,

e deu-se con el no peito | hũa ferida atan

grande que, sen outra cousa, | morreu logo manaman. (CSM 84; 46-48) (3.27)

De cossarios que fazian | en aquel mar mal assaz. Mas pois o sennor da nave | os viu, disse: «Non me praz con estes que aqui vẽen; | mais paremo-nos en az, e ponnamos as relicas | alt' u as possan veeer»

Sobre as formas de cliticização, resta-nos discorrer sobre a mesóclise. Como pode ser observado no Apêndice, ela é recorrente com os verbos no futuro do presente e do pretérito (MATTOS e SILVA; 2006, p. 195), mas ela não é necessariamente obrigatória, como podemos observar no exemplo abaixo em que ocorre a ênclise.

(3.28)

Enton vẽo voz de ceo, que lle disse: «Tol

tas mãos dela, se non, farey-te perecer.» (CSM 5; 114-115)

(3.29)

Pois diss': «Ai, Santa Maria, | Sennor, tu que es porto u ar[r]iban os coytados, | dá-me meu fillo morto

ou viv' ou qual quer que seja; | se non, farás-me gran torto, e direi que mui mal erra | queno teu ben atende.»

A que do bon rei Davi... (CSM 6; 12º estrofe)

De acordo com o que postula Mattos e Silva (2006, p. 192-196) sobre o posicionamento do complemento nominal átono no PA, obervamos nas cantigas que o pronome clítico pode não depender unicamente do verbo do ponto de vista sintático. Assim como afirma Mattos e Silva (2006, p. 192-196), também foi possível verificar nas CSM que, a partir de um ponto de vista fonológico, os clíticos parecem ter uma maior autonomia para se adjungir a outras categorias gramaticais, ou, de um ponto de vista sintático, não estarem imediatamente adjacentes ao verbo, apresentando algum tipo de material linguístico (uma classe gramatical que não seja o verbo) entre o pronome e o verbo. Para ter um controle da possibilidade de adjunção prosódica dos pronomes clíticos no PA a outras categorias sintáticas, procurou-se, na análise desenvolvida (ver Apêndice), sempre marcar a posição do verbo em relação ao clítico e a presença de material linguístico interveniente, quando pertinente. A seguir temos alguns exemplos em que, em negrito, temos tal material entre o pronome e o verbo.

(3.30) o que ll' a Virgen nomeou (CSM 87; 44) (3.31) que lle seu lume cobrar fez (CSM 92; 50) (3.32) que ll' end' a verdade descobriu, (CSM 97; 79)

Assim como já foi abordado no trabalho de Amaral (2009), outro ponto que merece destaque diz respeito às outras categorias gramaticais às quais os clíticos se subordinam.

No início das análises, esse fato gerou um pouco de dúvida no momento da classificação, pois esta poderia ser feita de um ponto de vista sintático ou de um ponto de vista fonológico, mas, assim como já foi feito no trabalho de Amaral (2009), optou-se por anotar sempre a posição do verbo em relação ao clítico, ou seja, nosso critério foi, pois, igualmente sintático e fonológico. Como exemplo para tais casos podemos destacar os momentos em que os pronomes oblíquos acusativos aparecem grafados como enclítcos à conjunção pois.

(3.33) O Conde, poi-la livrou dos vilãos, disse-lle: «Senner, (CSM 5; 98) (3.34) poi-la levou dessa vez, (CSM 94; 52) (3.35) nos vas, poi-lo couseces. (CSM 20; 28)

Do ponto de vista exclusivamente da posição do verbo e da inexistência de material interposto entre este e o clítico, os pronomes acusativos estão proclíticos aos seus respectivos verbos, portanto subordinados a eles. Mas, se levarmos em consideração os estudos de Mattos e Silva (2006) e de Leão (2007), para quem os pronomes podem se adjungir a categorias distintas do verbo, de um ponto de vista fonológico, teríamos a ênclise dos pronomes à conjunção poi(s). É importante mencionar que a utilização do hífen foi uma escolha feita pelo editor das cantigas (METTMANN, 1986, p. 57). No entanto, em se considerando que a escrita da época não utilizava o hífen (que foi introduzido pelo editor, uma vez que não consta nos manuscritos) como índice de cliticização, pode ser formulada a hipótese de que, nesses casos, os pronomes talvez estivessem se adjungindo encliticamente à conjunção.

Há casos, como já apontado por Amaral (2009), em que o hífen não é utilizado pelo editor, pois não é costumeiro colocá-lo quando há amálgama de preposição e artigo (o amálgama de preposição e pronome é mais raro). Nesses casos, também nos deparamos com a possibilidade de duas interpretações, quanto à adjunção do clítico. Deste modo, do ponto de vista exclusivamente da posição do clítico e do verbo, pode-se considerar a possibilidade de próclise do clítico ao verbo, sendo o amálgama entre a preposição e o pronome um fenômeno de sândi pós-lexical (portanto, pós-sintático); no entanto, fonologicamente, há que se observar que o pronome está unido à preposição por (por +

lo/la = polo/pola), formando uma unidade acentual com esta, atuando como sílaba átona, em relação à sílaba tônica po.67

(3.36) andou tanto pola fazer errar (CSM 58; 16) (3.37) polo comer, mais o ome deu-ll' a carta (CSM 65; 137)

Leão (2007, p.154) classifica os usos descritos acima unicamente como ênclise do pronome à conjunção/preposição, descartando uma possível análise desses casos como próclise do pronome ao verbo. Menciona, ainda, que se trata de um uso diferenciado da ênclise, se comparado com o português atual.

Um dos fatos que chamam a atenção do leitor das Cantigas de Santa

Maria, desde a primeira leitura, é o problema dos clíticos em posição de

ênclise, que difere frontalmente da situação atual, no português. Hoje, somente os pronomes pessoais oblíquos se ligam encliticamente ao final dos verbos ou de um elemento fossilizado como eis. E isso, apenas na língua escrita, em registro bastante formal. Nas Cantigas de Santa Maria, entretanto, tanto podiam ser enclíticos alguns pronomes oblíquos (principalmente os da 3ª pessoa -o, -lo, -no), quanto os artigos definidos e o pronome demonstrativo neutro. O fato é de certo modo explicável, pois são formas homófonas, com um étimo comum (< illum, illam), sujeitas aos mesmos processos fonológicos, tanto intra- quanto extra-vocabulares. Quanto ao suporte fonético-fonológico da forma enclítica, no galego- português, tanto podia ser um verbo, quanto um pronome substantivo, quanto um quantificador, quanto um advérbio de negação.

Amaral (2009) destaca outro caso em que o hífen não é utilizado pelo editor como possível índice de cliticização. São casos em que pronomes acusativos são grafados juntos à forma negativa non, amalgamados devido ao processo de sândi pós-lexical.

(3.38) nono quiseron receber (CSM 24; 25)

Outro levantamento relevante feito durante as análises diz respeito aos pronomes

mi, ti, si, nos e vos. Durante a realização das análises, eles geraram uma dúvida

fundamental: quando considerá-los clíticos? No caso dos pronomes mi, ti e si, a grafia empregada para eles pode corresponder, por um lado, ao pronome dativo não regido por preposição (átono) ou, por outro, ao pronome dativo regido por preposição (tônico). No

67 De acordo com Massini-Cagliari (2005) e Costa (2010), a preposição por é acentuada no nível lexical no PA, por corresponder a um monossílabo pesado.

caso dos pronomes nos e vos ocorre o mesmo, com o acréscimo de que eles também podem corresponder ao pronome nominativo (tônico).

Ao longo das análises, observamos que tais pronomes, quando precedidos de preposição, não são clíticos, uma vez que se trata de elementos tônicos subordinantes, nucleares, do ponto de vista prosódico, ou seja, nesses casos a preposição é que será considerada a partícula clítica, subordinada a tais pronomes, já que, com relação ao estabelecimento do jogo de proeminências entre acentos no nível do enunciado prosódico, no PA, segundo Massini-Cagliari (1999, p. 167-168), o mais à direita (o mais ao final do enunciado) é sempre mais forte. Portanto, como já foi afirmado por Amaral (2009, p. 32- 35), apesar de, do ponto de vista sintático, tais pronomes se subordinarem à preposição, isso não acontece do ponto de vista prosódico, em que a relação de proeminência se inverte, cabendo ao pronome a função de núcleo subordinante da preposição. Temos, portanto, nesses casos, monossílabos pesados que são tônicos e, portanto, não clíticos. A seguir temos alguns exemplos:

(3.39) Vẽo con gran conpannia

desses que están ante Deus e todavia

por nos rogarán

que el de mal nos defenda. (CSM 66; 17-21)

(3.40) Santa Maria guardar

me quis por merecimentos non meus, mas por vos mostrar

que quen per ela fiar, (CSM 33; 65-68)

(3.41) Como dizen que andou

pera o mundo salvar; mas se de quant' el mostrou

foss' a mi que quer mostrar, (CSM 46; 52-55)

(3.42) Ca veer faze-los errados

que perder foran per pecados entender de que mui culpados son; mais per ti son perdõados da ousadia

que lles fazia fazer folia

mais que non deveria.

Santa Maria... (CSM 100; 2ª estrofe)

É relevante ressaltar que a tonicidade dos pronomes mi, ti e si (sugerida por Massini-Cagliari, 2005) pode ser confirmada, pois tais pronomes, muitas vezes, aparecem em posição de proeminência principal do verso, o que lhes garante sua força, do ponto de vista rítmico.

Em muitos dos versos, apenas a última palavra (ou a sílaba proeminente da última palavra) recebe o acento, isto é, constitui o único acento do verso. Em outros, várias palavras recebem o acento. No entanto, o último acento do verso é sempre mais forte do que os outros. (MASSINI- CAGLIARI, 1995, p. 204)

É importante destacar que os versos utilizados para exemplificar as dificuldades encontradas na classificação efetuada não são os únicos que apresentam as especificidades relatadas acima; por isso, é importante comentar que, nas análises, há outros exemplos dos mesmos casos descritos. Somente alguns exemplos foram selecionados para que se pudesse mostrar as dificuldades encontradas quanto à classificação dos clíticos.

Após essa primeira etapa das análises, passamos para a fase de levantamento dos dados em que os clíticos aparecem em posição de acento poético e os casos em que estão sujeitos aos processos de sândi. Para essa segunda fase das análises, destacamos a importância da metodologia inaugurada por Massini-Cagliari (1995), que será tratada na próxima subseção. É relevante destacar que não foi feito um levantamento quantitativo dos dados referentes à tonicidade poética dos clíticos e nem dos casos em que estão sujeitos aos processos de sândi, uma vez que o que importa para esta Dissertação são os resultados qualitativos.

Veremos, na seção 5, que os casos em que os pronomes átonos analisados estão em posição de acento poético dentro do verso só são possíveis de serem observados a partir da escanção em sílabas métrico-poéticas. Como não foi feita a escanção de todos os versos das 100 cantigas, pois seria incongruente com a proposta do presente trabalho, o que fizemos foi uma seleção de casos que a nossos olhos, pareciam propícios à busca em questão e os analisamos, conseguindo assim verificar se se tratava de um pronome clítico que portava acento poético ou não.

Já em relação ao reconhecimento do tipo de processo de sândi, tomemos, para fins de exemplificação, o trabalho de Massini-Cagliari (2005, p. 220), no qual a autora aborda os três processos possíveis para o sândi, dizendo que, dentro de um contexto intervocabular, as definições de ditongo e de hiato são semelhantes às utilizadas nos estudos dos mesmos fenômenos no nível lexical. Levando em consideração a metrificação, Massini-Cagliari (2005, p. 111) destaca o exemplo (transcrito em 3.43), em que a palavra

Deus não é dividida em duas sílabas poéticas nos versos 3 e 5 da mesma estrofe. De acordo

com a autora, a referida palavra “por estar posicionada no meio do verso, indiscutivelmente deve ter a seqüência eu classificada como ditongo, já que, caso fosse um hiato, o verso fugiria ao padrão métrico da cantiga: versos octossílabos agudos”. Ainda sobre o mesmo exemplo, a pesquisadora afirma que, pelo mesmo motivo, “devem ser consideradas ditongo decrescente a seqüência eu do primeiro verso do exemplo, ditongo crescente a seqüência ia do primeiro verso, e hiatos, as seqüências ia, do sexto verso, e oe, do último” (MASSINI-CAGLIARI, 2005, p. 111). Além destes casos, também podemos destacar os hiatos e as elisões intervocabulares (em negrito), ou seja, casos em que temos a ocorrência de hiato e elisões entre dois vocábulos distintos. O hiato ocorre no quinto verso, entre a conjunção e e a preposição a; já a elisão se dá nos demais exemplos grifados. É importante salientar que a escrita das cantigas tem uma notação especial para os casos de elisão, suprimindo graficamente a vogal que deve ser “apagada”. Esta peculiaridade pode ser vista no exemplo abaixo (marcada com um apóstrofo, na edição de Mettmann, 1986, das CSM; nos manuscritos, a vogal elidida é simplesmente suprimida, sendo que a união

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