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4.2 A PARTICIPAÇÃO DO JUDICIÁRIO NA GARANTIA DO DIREITO À VIDA E À

4.2.2 Alguns parâmetros do Supremo Tribunal Federal sobre o acesso a medicamentos

4.2.2.1 Sobre a necessidade do medicamento para vida do cidadão

A defesa da vida é critério balizador da proteção do Judiciário aos demandantes contra o Estado, na busca de receber medicamentos gratuitos de que necessitam, como se depreende do seguinte julgado do STF (BRASIL, 2011a):

O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Isso por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional.

No mesmo sentido, direcionam-se as decisões do AI 553.712-AgR (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 19-5-2009, Primeira Turma, DJE de 5-6-2009) e do AI 604.949-AgR (Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 24-10-2006, Segunda Turma).

Em recente decisão da Primeira Turma do STF (BRASIL, 2012), essa premissa foi reiterada: “SAÚDE – PROMOÇÃO – MEDICAMENTOS. O preceito do artigo 196 da Constituição Federal assegura aos necessitados o fornecimento, pelo Estado, dos medicamentos indispensáveis ao restabelecimento da saúde”.

Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio asseverou:

O preceito do artigo 196 da Carta da República, de eficácia imediata, revela que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. Reclamam-se do Estado (gênero) as atividades que lhe são precípuas, nos campos da educação, da saúde e da segurança pública, cobertos, em termos de receita, pelos próprios impostos pagos pelos cidadãos. É hora de atentar-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária segura e com o mínimo de conforto suficiente a atender ao valor maior atinente à preservação da dignidade do homem. (grifo do autor).

Portanto, há julgados da Suprema Corte que caminham no sentido de que o Estado deve fornecer os medicamentos sempre que necessários à cura e à preservação da vida, como meio de atender ao superior princípio da dignidade da pessoa humana e de proporcionar o bem-estar do indivíduo.

No entanto, no próprio STF, não há sedimentação por uma determinada linha. A tendência inicial de sempre reconhecer o direito aos medicamentos foi abrandada diante das questões orçamentárias e da necessidade de se privilegiar o coletivo, embora sem afastar o direito individual. Nesse sentido, assinalam Leal Junior e Shimamura (2011):

O Supremo Tribunal Federal, ao ser provocado em ordem a emitir posição sobre o tema, vinha defendendo a irrestrita prevalência do direito à saúde sobre qualquer outro valor com ele em tensão. Aos poucos, porém, a problemática da “reserva do possível”, relativa à limitação de recursos estatais passou a ser levada em consideração nas decisões, de forma que passaram a ser vistas, no Supremo Tribunal Federal, decisões denegando a concretização individual do direito.

Na atualidade, de qualquer forma, o pretório excelso apresenta certa tendência voltada à vertente substancialista, uma vez que reconhece ser possível concretizar individualmente o direito à saúde pela via judicial. Contudo, prega-se a necessidade de análise casuística sobre o tema, e não de forma abstrata e genérica: valoriza-se a ponderação de valores em jogo, com a aplicação do princípio da proporcionalidade para a busca da melhor solução.

No Pedido de Suspensão de Tutela Antecipada nº 91, na condição de Presidente do STF, a Ministra Ellen Gracie, ao suspender parcialmente a tutela antecipada, asseverou:

Entendo que a norma do art. 196 da Constituição da República, que assegura o direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não a situações individualizadas. A responsabilidade do Estado em fornecer os recursos necessários à reabilitação da saúde de seus cidadãos não pode vir a inviabilizar o sistema público de saúde. No presente caso, ao se conceder os efeitos da antecipação da tutela para determinar que o Estado forneça os medicamentos relacionados "(...) e outros medicamentos necessários para o tratamento (...)" (fl. 26) dos associados, está-se diminuindo a possibilidade de serem oferecidos serviços de saúde básicos ao restante da coletividade. (BRASIL, 2007a, grifo do autor).

Contudo, tratava-se de caso de pedido de fornecimento de medicamentos para uma determinada coletividade, ou seja, não era um caso individualizado.

A mesma medida foi adotada pelo STF no Pedido de Suspensão de Tutela Antecipada nº 185 (BRASIL, 2007b). Todavia, nessa decisão de 10/12/2007, a Ministra Ellen Gracie ressaltou que as decisões proferidas em pedido de suspensão ficam restritas ao caso específico analisado, sem representar posição genérica aplicável a outros casos:

Assevere-se, inicialmente, que os pedidos de contracautela formulados em situações relacionadas ao pagamento de tratamentos, cirurgias e medicamentos a pacientes têm sido analisados por esta Presidência, caso a caso, de forma concreta, e não de forma abstrata e genérica, certo, ainda, que as decisões proferidas em pedido de suspensão, nesses casos, restringem-se ao caso específico analisado, não se estendendo os seus efeitos e as suas razões a outros casos, por se tratar de medida tópica, pontual.

Nota-se que há preocupação com o exame das circunstâncias de cada caso concreto, sem que a posição em um caso seja interpretado como automaticamente aplicável a outros casos. Na decisão de 18.09.2009 do STF, no Pedido de Suspensão de Tutela

Antecipada nº 175, o Ministro Gilmar Mendes ressaltou a necessidade de instrução caso a caso das demandas (BRASIL, 2009a):

Portanto, independentemente da hipótese levada à consideração do Poder Judiciário, as premissas analisadas deixam clara a necessidade de instrução das demandas de saúde para que não ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que, muitas vezes, não contemplam as especificidades do caso concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde.

De todo modo, vem prevalecendo a tese de que o direito fundamental à vida e à saúde assegura ao indivíduo o direito aos medicamentos necessários, segundo as circunstâncias de cada caso concreto.