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Sobre o professor da Educação Infantil: elementos constitutivos do fazer

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CAPITULO III A FORMAÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS NA

3. A Escolarização na Educação Infantil: significados e desafios

3.1. Sobre o professor da Educação Infantil: elementos constitutivos do fazer

A professora, colaboradora da pesquisa, se mostrou bastante receptiva a proposta. Encontros semanais eram realizados com o intuito de estudar, avaliar e planejar. Sua dedicação foi um dos fatores que contribuiu para o desenvolvimento do trabalho.

Sua atitude de observação e escuta, muitas vezes, fizeram com que os caminhos planejados fossem redimensionados, segundo a necessidade e a recepção das crianças.

A real preocupação com o desenvolvimento das crianças é um ponto a ser destacado em relação ao seu trabalho. Isto não significa que sua prática pedagógica seja perfeita, dentre os aspectos que precisam ser revistos estão o direcionamento um pouco excessivo das atividades e a subordinação à pressão dos pais em relação à alfabetização. Mas reconhecemos que a postura de investigação da própria prática foi desenvolvida.

Vários desafios, também, se fizeram presentes naquele contexto: a infra-estrutura da instituição que contava apenas com uma sala; a área externa um tanto suja e quase que constantemente exposta ao sol; o barulho e o movimento da rua – que colocava as crianças em relativo perigo; as mesinhas inadequadas e velhas, a falta de segurança da instituição (qualquer pessoa pode entrar diretamente na sala); a ausência de uma coordenadora ou diretora, ficando a cargo da professora a resolução de problemas relacionados à gestão; os poucos recursos pedagógicos... Para se ter uma ideia, para a realização dos jogos, as mesas tinham que ser amontoadas e, para demarcação de raias, gude e amarelinhas fitas crepes eram utilizadas. É verdade, que com criatividade e boa vontade, o experimento didático foi realizado, mas a realidade não pode ser percebida acriticamente. Da leitura da realidade

emerge a situação política em relação ao descaso com a criança, pois a apropriação do espaço é essencial para o desenvolvimento integral, direito que lhe é legitimado pelo artigo 29 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei nº 9394/96. Sobre a importância do espaço Lima (1995, p. 187) adverte que

para o ser humano, o espaço, além de ser um elemento potencialmente mensurável, é o lugar de reconhecimento de si e dos outros, porque é no espaço que ele se movimenta, realiza atividades, estabelece relações sociais. O espaço é também o território demarcado pelo poder em todos os sentidos. Não é por acaso que a distribuição das habitações, dos serviços e dos equipamentos ocorre desigualmente na cidade, em sociedades desiguais, assim como não surpreende a demarcação virtual de espaço, do centro para a periferia, do grupo dos maiores para o grupo dos menores e os mais fracos cedem os melhores lugares para os maiores ou os mais fortes, confirmando que homens e animais continuam a aplicar a cruel lei do mais forte.

Por outro lado, é preciso enfatizar que a participação das crianças era buscada constantemente. Ouvi-las em suas aflições, em seus pequenos conflitos emocionais era uma atitude de acolhimento vivenciado pela professora, como ilustra o exemplo abaixo:

Hoje a professora teve que dar uma atenção individualizada para o Fábio, pois ele chegou à instituição chorando. Ela entrou na sala com ele, enquanto as crianças sozinhas davam continuidade à atividade sob a coordenação dos ajudantes do dia. Comentário – Posteriormente a professora me contou o que havia acontecido. O Fábio estava chorando porque a mãe dele lavou o seu tênis e não ele não enxugou. Então, ele teve que calçar um sapato que julgava feio. A professora disse para ele que com ela tinha acontecido a mesma coisa. E que por isto ela também estava com uma sandália que ela não gostava... Combinou com ele que se ele não contasse que ela estava calçada com aquela sandália, ela também não contaria para ninguém sobre seu sapato. Assim, ninguém não ia nem perceber. Confesso que as saídas encontradas pela professora me encantam, pois ele saiu da sala alegre e confiante. As crianças também não perguntaram nada sobre o ocorrido para professora. (Observação: 28/05/2009).

E ainda:

Denis contou para a professora que o cachorrinho dele morreu porque engoliu uma lagartixa.

Comentário - A professora sempre está disposta a ouvir as crianças, principalmente ao que se refere as suas dores. Para criança a perda do animal de estimação é uma dor considerável. A professora ouve, consola e o abraça. Assume uma postura generosa e solidária. (Observação: 19/08/2009).

A firme atitude de não aceitar qualquer forma de discriminação também é louvável. Várias foram às vezes em que ela problematizou a questão para a turma ou se posicionou quanto ao tema. Como, por exemplo, no caso da escolha da menina negra para ser uma das princesas da dramatização da Rosa Juvenil e um menino não quis aceitá-la. Daí decorreu a mudança de príncipe. Diante do reconhecimento do preconceito, organizou algumas

atividades como a narração da história “Menina Bonita do Laço de Fita” de Ana Maria Machado, para que todos tivessem novas referências de beleza além do modelo europeu. Esse fato foi narrado à pesquisadora pela própria professora. Outro exemplo, durante o desenvolvimento do experimento didático, em um dos momentos livres, os meninos decidiram jogar futebol, a Andréia quis jogar também. Os meninos começaram a questionar se mulher podia jogar futebol, a professora, que também estava jogando disse que ela era mulher e adorava jogar futebol. As crianças acharam graça e aceitaram a argumentação.

Outro episódio que ilustra bem a postura da professora é apresentado a seguir:

Quando as crianças voltaram da atividade de higienização, cantaram e rezaram. A professora chamou atenção porque o Fábio espirrou na hora da higienização e as crianças ficaram falando “que nojo” e “eco”. A professora conversou que para eles percebessem que isto acontece e que a gente não pode ficar falando isto para o coleguinha. Explicou também que quando a pessoa está doente, ela pode até fazer coco na roupa e que o importante é cuidar. (Observação 13/05/2009).

A disposição em ouvir, em descobrir o raciocínio da criança também é uma marca de sua ação pedagógica:

Durante a conversa, a Letícia disse que tatu e tatuagem eram iguais. As crianças se sentiram interessadas pelo assunto. Vários falaram que conheciam tatu.

Comentário- Fiquei intrigada porque tatu e tatuagem não são iguais. Depois fiquei sabendo, pela professora, que a sua irmã estava sendo alfabetizada e que a Letícia havia descoberto que o registro de parte dessas duas palavras apresenta similaridade. (Observação: 20/05/2009).

Em sua dinâmica docente, a criança tem voz:

Comentário – A Roda de Conversa sobre o que aconteceu no final de semana é uma atividade que faz parte da prática pedagógica da segunda feira, mas como o Fábio havia faltado, ele solicitou este momento na terça feira. A professora acredita que a Roda de Conversa sobre o final de semana contribuiu para que a criança se organize mentalmente no tempo e espaço. Além disso, segundo ela, a criança aprende a esperar a sua vez, a ouvir, a exercitar a memória voluntária, a organizar seu pensamento e a falar de modo que os outros a entendam. (Observação: 11/08/2009). Para o desenvolvimento do plano de ensino isso foi crucial, uma vez que era necessário estimular a verbalização dos raciocínios formulados pelas crianças e acompanhar o processo evolutivo - coletivo e individual -, no entanto, se esta prática não fizesse parte da forma de gestão da professora, não seria profícuo. De fato, o ambiente afetivo criado pela docente foi fundamental, pois a afetividade é um dos elementos inerentes ao processo de apropriação de conceitos. De acordo com Núñez (2009, p. 33)

Vygotsky mostra que em toda idéia existe, reelaborada, uma relação afetiva do homem com a realidade representada nessa idéia e que permite descobrir o movimento direto que vai da necessidade, dos impulsos do homem a uma determinada direção de seu pensamento. Do mesmo modo, o movimento contrário, a dinâmica do pensamento vai em direção à dinâmica do comportamento e da atividade concreta da pessoa.

Outro aspecto a ser ressaltado é conhecimento do contexto social de cada criança, sua família, as condições em que vivem e a busca constante em estabelecer parcerias com as mães. A invenção/confecção do sapo numérico (o Sapo Dourado) foi apenas um dos meios que a professora elaborou para a criança pudesse partilhar seus conhecimentos em casa e envolver os pais.

Havia também a preocupação de avançar quanto à apropriação das funções psicológicas superiores, isto é percebido em vários momentos, por exemplo, quando solicitava que cantassem parte da música no pensamento, quando recordassem a sequencia dos passos da quadrinha, a sequencia dos gestos da dramatização, a organização da exposição oral, a execução cálculos mentais.

Neste sentido, pode-se afirmar que a professora tem um posicionamento claro diante do papel da escola infantil, o que foi revelado, diversas vezes, nas conversas informais e na entrevista:

Professora: A matemática é um conhecimento histórico presente no contexto social, mas é justamente na escola que o conhecimento deve ser sistematizado e ampliado. [Quando questionada quanto ao papel do professor, ela afirmar que o professor assume: O papel de organizador das atividades, mas no caso da Educação Infantil, essas atividades poderão ser organizadas através de brincadeiras, mas não assim de brincadeiras soltas. Brincar por brincar. É uma brincadeira sistematizada. Ela deve ter objetivos. Na brincadeira deve ter o cuidado de estar sempre retomando aquilo que foi realizado para que a partir da brincadeira a criança possa raciocinar sobre seu próprio pensamento. Como se dá esse raciocínio. (Entrevista: 20/05/2010).

Outro aspecto emerge da sua fala: a consciência de que o conhecimento tem historicidade e que está presente no meio em que a criança vive, sendo apropriado em seu cotidiano de forma espontânea (conceitos cotidianos) e que cabe a escola, sistematizar o conhecimento prévio da criança, atuar para que ele seja sistematizado e ampliando, prosseguindo para a apropriação do conhecimento científico.

Quanto à consideração da Atividade Principal das crianças com as quais trabalha, sua conduta encontra consonância em Giardinetto e Mariani (2007, p. 186) quando afirmam que:

É importante saber trabalhar conteúdos inerentes ao jogo, aos brinquedos e às brincadeiras, que favoreçam a formação/apropriação de conceitos. Por exemplo, o professor poderá descobrir nesses recursos didáticos possibilidades de desenvolver

situações-problema, conceitos de operações, estimativas e cálculo mental, além de poder considerá-los um suporte para representações e ações.

A clareza quanto aos objetivos também contribuiu para o estabelecimento de ações e operações que viabilizam o trabalho:

Pesquisadora: Qual o nosso objetivo principal no desenvolvimento do experimento didático?

Professora: A gente queria que a partir de um bom planejamento, um planejamento sistematizado, a criança se apropriasse dos números. (Entrevista: 20/05/2010). Dentre os elementos constitutivos da prática pedagógica na Educação Infantil desta professora, ou melhor, de seu profissionalismo pode-se citar: acolhimento, ética, estudo, observação, acompanhamento, posicionamento político-pedagógico. Sem os quais o desenvolvimento do experimento didático-formativo estaria comprometido.

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