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Sobre a punição e as penas alternativas

CAPÍTULO III – PENAS ALTERNATIVAS OU O GOVERNO DAS PESSOAS PELA

3.1 Sobre a punição e as penas alternativas

O aumento da população carcerária nas últimas quatro décadas, um fenômeno global e em ritmo constante, e a tendência pelo endurecimento da legislação penal suscitam a discussão sobre a punição e suas formas de privação ou constrangimento impostos pela lei. Assim, o encarceramento em massa tem despertado questões sobre a natureza da punição, a sua imposição e a sua justificativa dentro do campo da penologia. Segundo Shichor (2000, p. 3), a partir da década de 1970, o princípio dominante da reabilitação deixou de ser hegemônico no campo penal dos Estados Unidos e tornou-se concorrente com outras abor agens penais co o a “incapacitação”16 ou o “na a unciona”17. Para o autor, a reabilitação permanece como característica constitutiva do pensamento penal, porém revisita a e justi ica a por eio e u “neorretributivismo”, u retorno às i eias a criminologia clássica – a medida da punição deve ser correspondente à gravidade da infração penal. Foi nesse cenário que a substituição da pena de privação de liberdade por penas alternativas à prisão, justificadas como sanções penais retributivistas e utilitárias para a prevenção de crimes, emergiu como um novo modelo penal de reabilitação (WEISSMAN, 2009; SEVDIREN, 2011; CULLEN; GENDREAU, 2000).

Desde então, as penas alternativas, também referidas como alternativas à prisão, alternativas penais, sanções na comunidade, sanções intermediárias ou sanções não custodiais têm ocupado espaço na penologia como uma estratégia, mais do que uma política criminal, para redução da população carcerária no cenário internacional. Frequentemente, o termo “alternativas” é usado para descrever uma ampla variedade de sanções penais, incluindo a prestação de serviços à comunidade, uma intensiva supervisão pela justiça criminal, a suspenção ou permutabilidade das penas, a mediação de conflitos, os campos de treinamento, a obrigatoriedade de participação de centros terapêuticos e/ou programas cognitivo-

16Resumidamente, a incapitação é uma orientação penal que toma o encarceramento dos infratores como

principal objetivo da punição, e a sua principal justificativa é a proteção da sociedade. O argumento é que os infratores segregados por um determinado período de tempo estarão incapazes de cometer novas infrações, assim, a incapacitação possui uma abordagem utilitarista e função preventiva.

17 Nothing Works é a orientação penal que se opõe à reabilitação e preconiza como o fundamento da punição a

retribuição ao mal causado, e a dissuasão como sua justificativa. Ainda, que as causas da criminalidade são estruturais.

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comportamentais. Então, as penas alternativas tornaram-se um termo genérico, cujo elemento comum está no fato de não se constituírem como uma medida penal tradicional, a privação da liberdade (JACKSON et al., 1995; BROCATO; WAGNER, 2008).

O próprio termo “alternativas” suscita a iscussão sobre qual a medida para punição, u a vez que a “alternativa” sugere a prisão co o u a e i a e punição substitu a por outras modalidades punitivas. O problema com esse tipo de definição é que nem todas as "alternativas" têm essa relação com a pena de prisão claramente definida. Morris e Tonry (1991, p. 4) argumentam que a prisão não é a norma punitiva para toda e qualquer infração penal, seja no presente ou no passado. Para os autores, o encarceramento em massa como resposta monolítica e generalizada dentro da justiça criminal em muitos países é algo relativamente recente. E é nesse contexto temporal, na passagem do século XX para o XXI, que o desenvolvimento das penas alternativas emergiu como proposta de política penal, seja por meio da promulgação de legislações específicas sobre a sua execução ou pelo crescimento do seu uso. O estabelecimento institucional e político das penas alternativas dentro da justiça criminal, como um modelo correcional, representa o reconhecimento das diferenças entre as infrações e também entre os infratores. As penas alternativas trazem à discussão quais seriam as medidas e justificativas para a punição (MORRIS; TONRY, 1991).

Outra abor age sobre o uso o ter o “alternativas” re lete a crença na al ncia o sistema prisional e que a expansão das penas alternativas necessariamente implicaria a redução do encarceramento como modalidade punitiva. Harris (1983, p. 164) justifica tal apelo argumentativo como uma ação pragmática, necessária e compreensível, como uma proposta para resolver os problemas da superpopulação carcerária nos Estados Unidos no final da década de 1970. Por consequência, incialmente as penas alternativas foram – e ainda são – discutidas à sombra da prisão. Como resultado, pode-se destacar sua incapacidade de articular e promover seus valores e filosofias para orientar o seu desenvolvimento como uma “nova” penalidade sem se valer da referência à prisão. A consolidação das penas alternativas como modalidade punitiva ocorreu pelo seu reconhecimento em contraposição à prisão, porém como uma pena igualmente consternadora, retributiva e dissuasiva.

Apesar da difusão e internacionalização das penas alternativas como execução penal ao longo das últimas três décadas, o seu arcabouço conceitual enquanto política penal permanece fundamentalmente apoiado na polarização entre as “alternativas” e a superação da prisão. A ideia generalizada e que circunscreve as penas alternativas é a combinação da proporcionalidade e permutabilidade da punição na comunidade. Assim, a punição/pena

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dentro de certos limites pode ser substituída por outra, menos intrusiva, e ainda promover e conservar a ordem político-social. Sobretudo, as penas alternativas se constituiriam num efetivo sistema de graduação punitiva, no qual as penas são aplicadas de acordo com a gravidade da infração. Em outras palavras, as penas podem diferir tanto qualitativamente, enquanto punição legal, como quantitativamente, na sua intensidade, e serem executadas por meio de formas comunitárias de justiça (PATCHIN; KEVELES, 2004).

A participação da comunidade é um componente essencial na definição das penas alternativas, representaria a superação da prisão como modalidade punitiva para restauração das relações entre a sociedade e aqueles que violaram a lei. Como modalidade punitiva, as penas alternativas permitiriam o atendimento às necessidades dos infratores, das vítimas e da comunidade. Outro ponto distintivo das penas alternativas enquanto um modelo correcional está na atribuição da responsabilidade pela reabilitação ao infrator, por meio de diferentes formas de gestão do infrator no cumprimento da sua pena. Assim, as penas alternativas não diferem significativamente da lógica punitiva e correcional do sistema de justiça criminal, marcado por uma intensa supervisão (TONRY, 1999; PHILLIPS, 2010).

Dessa forma, a contínua expansão das penas alternativas, dentro do sistema de justiça criminal, deve-se ao estabelecimento de diferentes programas de supervisão do infrator na comunidade. Para Shichor (2000, p. 9), uma característica desse desenvolvimento “ oi o envolvi ento e vários ‘especialistas’ no processo de execução da justiça criminal, que seriam responsáveis em tomar decisões relativas à seleção dos clientes que poderiam se beneficiar desses programas.”