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CAPÍTULO II INFÂNCIA CONTEMPORÂNEA E MÍDIA

2.2. Socialização e as mídias

Para avançarmos no estudo das relações entre meios de comunicação e infância é necessário compreendermos a importância do papel socializador dos meios nas sociedades contemporâneas. Processo de socialização, para nós, significa o processo de educação, num sentido amplo e informal, através do qual é transmitida, de geração a geração, a cultura – códigos, crenças, valores, representações -e o saber de uma sociedade. Como ocorre geralmente de maneira informal e muitas vezes não intencionalmente, este processo se desenvolve através de imagens e modelos idealizados. Nas sociedades modernas, as instituições que tradicionalmente desempenhavam o papel de agências socializadoras eram principalmente a família, a escola e a igreja. A partir das mudanças que promoveram uma reconfiguração das sociedades contemporâneas, fortemente mediatizadas por tecnologias cada vez mais sofisticadas, cresceu a importância das instâncias de comunicação como agências socializadoras e o papel orientador da criança passa para instâncias mundiais, produtoras dos múltiplos discursos que são veiculados pelos meios de comunicação.

As novas tecnologias, organizadas e dirigidas por corporações mundiais, passaram a ocupar um espaço cada vez mais amplo na construção do imaginário coletivo, influindo diretamente sobre a consciência pessoal de cada indivíduo, sobre seus níveis de aspiração, sobre seus gostos, comportamentos, consumos, chegando a construir, em larga medida, a sua identidade.

Mais que qualquer outro meio, cabe destacar, neste contexto, a televisão, que tem papel mais preponderante no surgimento de culturas mundiais mediatizadas na medida em que, sendo importante fonte de informações sobre a realidade e de representações relativas ao imaginário, contribui fortemente para a construção, entre as crianças em particular, de determinadas representações do mundo.

Os diversos agentes de socialização da criança atuam em sentidos diferentes, criando heterogeneidades ou massificando. Como afirma Belloni, enquanto o meio social, a família, a classe social, em suas especificidades atuam, em certa medida, como fatores de diferenciação das crianças, a escola e a mídia funcionam como fatores de unificação, na medida em que difundem os valores e as normas consideradas comuns a todos em uma sociedade.

A televisão tem um papel muito importante também na dimensão semântica do processo de socialização na medida em que ela fornece as significações (mitos, símbolos, representações), preenchendo o universo simbólico das crianças com imagens irreais (representando significações inexistentes no mundo vivido). Além disso, ela transmite também o saber acumulado e informações sobre a atualidade, fornecendo aos jovens uma certa representação do mundo. Ela apresenta, ainda, as normas da integração social, o que é evidente nas telenovelas e desenhos animados infantis, por exemplo, onde a “moral da história” é muitas vezes explícita e recorrente. As significações transmitidas pela televisão são apropriadas e reelaboradas pelas crianças a partir de suas experiências e integram-se ao mundo vivido no decorrer de novas experiências. (BELLONI, 2001, p.33/34)

Sobre o processo de identificação operado pelas novas Tecnologias da Informação e da Comunicação, Muniz Sodré em A máquina de Narciso explica que a mídia funcionaria como um espelho, o lugar onde a identidade original do sujeito dá lugar à imagem, ao simulacro. O indivíduo, ao identificar-se com sua imagem especular (mito de Narciso), é também suscetível de se identificar com o semelhante a si no “espelho” televisivo e, mais ainda, se identifica com ideais e modelos.

Segundo o autor, esse processo de identificação teria nas crianças os seus melhores agentes. Estas teriam uma facilidade toda especial para imitar os comportamentos e atitudes vistos no vídeo, como se a representação televisiva da presença física desencadeasse um processo equivalente ao efeito da presença real.

Dá-se o fenômeno psicológico do role-taking, ou seja, a capacidade de se assumir existencialmente a perspectiva consciente de um outro. Diferentemente da empatia (que designa apenas a aceitação efetiva de uma perspectiva alheia), o role-taking implica incorporar aptidões perceptivas e cognitivas, às vezes além da capacidade suposta para a faixa etária de uma determinada criança. O discurso televisivo, enquanto fonte de energia efetiva no interior da casa, é mobilizador de role-taking. Através desse processo, o superego infantil é pressionado com incitações heróicas (fantasias prontas e acabadas, sem margem para a recriação fantasiosa em nível individual puramente estimulativas. Para as crianças, os modelos normativos ou heróicos veiculados podem colocar-se como objetos ideais, referentes a um eu ideal, em concorrência com as figuras parentais.... Trata-se, na verdade, de um espelhamento organizacional,... que concorre com a modelização tradicional (os pais) na constituição da identidade do sujeito (SODRÉ, 1884, p. 63).

Para Liliane Lurçat, autora que estuda a socialização realizada pela televisão, esta desencadeia dois tipos de efeitos opostos. Ela tem um “efeito de abertura”, na medida em que alimenta o imaginário, pelos contatos que possibilita com diferentes lugares, acontecimentos e pessoas. Para as crianças, isto significa que, antes mesmo da aprendizagem da leitura, elas são

O efeito oposto, de fechamento, provém do fato de que a televisão produz uma situação de imobilização através da fascinação que exerce sobre os sujeitos, e também pela maneira repetitiva em que propõe seus temas. Mais além, o conhecimento que se obtém sobre o outro é um conhecimento mediatizado, sem troca, sem interação.

A aprendizagem na tevê ocorre, segundo Lurçat, por impregnação. A impregnação é uma forma de aprendizagem muito poderosa caracterizada pelo fato de que a pessoa aprende sem saber que aprende. Exemplos de impregnação são os processos inconscientes de aprendizagem da língua materna, de costumes e valores de uma determinada sociedade.

Ao tratar do caráter massificador6 dos meios, Lurçat aponta para os aspectos da linguagem televisiva que se referem mais à emoção do que aos aspectos racionais. As emoções permitiriam, por sua capacidade de contágio, os fenômenos de massificação: “através das emoções o indivíduo pertence a seu meio antes de pertencer a si mesmo.”7 Então,

“Para compreender a criança de hoje, suas relações com sua família, com a escola, com os outros, deve-se considerar a modelagem individual e coletiva que a televisão exerce sobre as atitudes. Por trás das formulações das crianças se revelam aspectos entre os mais perturbadores do mundo atual. A maneira como as crianças se adaptaram à televisão, se inseriram nos modelos que ela impõe, são os maiores testemunhos do poder das mídias como fator de massificação” (LURÇAT, 1984, p. 86, minha tradução).

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Embora a idéia de sociedade de massa e a discussão de sua relação mais geral com a sociedade possa ser localizada já no século XIX, na esteira dos efeitos da industrialização capitalista sobre a vida das classes populares (BARBERO, 2001 Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia,RJ, UFRJ) é a partir dos anos 40 que a questão da massificação operada pelos meios de comunicação é estudada, de maneira original, pelos pensadores da Escola de Frankfurt que, analisando a relação entre a produção de cultura e os meios de comunicação criam o conceito de indústria cultural. Por meio de um modo industrial de produção – os mesmos princípios da produção econômica em geral – obtém-se uma cultura de massa cujos produtos carregam em si a marca da indústria cultural: serialização-padronização-divisão do trabalho (MATTELARD, 2002). Como conseqüência da produção destes objetos culturais surge uma cultura de massa, na qual o indivíduo perde sua especificidade e desaparece.

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Ao listar as críticas mais freqüentes aos meios de comunicação de massa, Humberto Eco discute o aspecto irracional da recepção de suas mensagens: “os mass media tendem a provocar emoções intensas e não mediatas; em outros termos, ao invés de simbolizarem uma emoção, de representá-la, provocam-na; ao invés de a sugerirem, entregam-na já confeccionada. Típico, neste sentido, é o papel da imagem em relação ao conceito; ou então da música, como estímulo de sensações mais do que como forma contemplável.” (ECO, 2001, p.40)

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