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O casamento teórico entre a Sociolinguística Variacionista e o Funcionalismo resultou no Sociofuncionalismo, painel teórico que conduz os trabalhos provenientes desta pesquisa. Conforme dito anteriormente, nos apoiamos nos pressupostos funcionalistas para a formulação das hipóteses e descrição dos contextos de uso das formas aspectuais imperfectivas de passado e na Sociolinguística Variacionista para analisar as motivações das formas imperfectivas de passado em variação, considerando frequência das formas em cada função e motivações de uso de uma ou outra variante.

Este estudo é, pois, situado na interface da sociolinguística variacionista e do funcionalismo linguístico, conciliação teórica que, nos últimos anos, vem ganhando força no Brasil (SILVA e SCHERRE, 1996; NARO e BRAGA, 2000; TAVARES, 2003; GORSKI e TAVARES, 2008; PONTES 2012).

Contudo, o casamento das duas teorias requer alguns cuidados metodológicos, visto que não se trata simplesmente de somá-las. Há pressupostos teóricos de uma e de outra que vão a direções diferentes e isto implica uma decisão dentro da pesquisa, pois não se pode assumir uma postura absolutamente neutra.

Nesse sentido, Tavares (2003, p. 132) aponta que a associação entre tais teorias é possível e satisfatória, desde que se trace um mapa das convergências entre os postulados da teoria variacionista e da teoria funcionalista, o que equivale a uma perspectiva teórica distinta

das originais, já que não pode haver uma mera junção. Diante disso, Tavares (2003) realiza uma discussão bastante aprofundada e uma proposta de conciliação teórica, conforme se apresenta, a seguir, de forma resumida, reforçando alguns aspectos básicos dessa convergência:

a) ainda que na perspectiva laboviana a mudança decorra da variação e na perspectiva funcionalista da gramaticalização, no sociofuncionalismo defende-se que a variação é que decorre da mudança. Ambas as abordagens consideram a existência de formas em variação e de mudança linguística, assim como o caráter gradual da mudança. O diferencial é o foco central de cada perspectiva teórica, pois enquanto a primeira se ocupa basicamente de formas variantes para um mesmo significado e da possibilidade da mudança ocorrer em função da extinção de uma das formas, a segunda trata basicamente da trajetória de uma forma e as múltiplas funções que vai adquirindo, podendo tal forma, em um determinado estágio, competir com outras formas para o desempenho de uma função específica. Nesta pesquisa, buscar-se-á esse casamento, na medida em que se pretende investigar a variação linguística de duas formas imperfectivas de passado, bem como as múltiplas funções que tais formas podem adquirir em contextos de variação.

b) A noção laboviana de variável linguística aproxima-se da noção de domínio funcional: em termos variacionistas, duas ou mais variantes (formas em competição) constituem uma variável linguística. Em termos funcionalistas, duas ou mais camadas podem coexistir num domínio funcional, ou seja, Tavares (2003) afirma que uma convergência possível entre as duas teorias, nesse sentido, consiste no fato de que uma mesma função pode ser codificada por várias formas – camadas/variantes.

c) Quanto à resolução da variação/estratificação: em ambas as abordagens prevê- se a solução da variação: i) variacionista – regras variáveis tendem a se tornar categóricas; ou ii) gramaticalização – situações em que uma função é desempenhada por duas ou mais formas tendem a mudar para uma em que haja correlação entre uma forma e uma função. Como se dá a solução da variação?

Hopper (1991) prevê a especialização como capaz de suavizar ou mesmo extinguir uma situação de estratificação funcional. Uma das camadas sofreria abstração e generalização, passando a se sobrepor às demais. Desse modo, poderia assumir a totalidade ou grande parte dos papéis abarcados pelo domínio, o que levaria à diminuição do uso ou mesmo eliminação das concorrentes. Além da especialização por generalização, há também a possibilidade de especialização por especificação, em que cada camada adquiriria significados específicos e/ou preponderaria em contextos sociolinguísticos distintos, o que também acarretaria o fim da competição. (GÖRSKI; TAVARES, 2008).

Dessa forma, Tavares (2003), conforme já dito, confronta pressupostos de ambas as teorias, relacionando aqueles que convergem sem maiores problemas, aqueles que necessitam de uma tradução e, finalmente, aqueles cujos princípios são naturalmente opostos e obrigam estudiosos a fazer escolhas. Em resumo, dentre os tópicos oriundos do funcionalismo e da sociolinguística variacionista que convergem, ficam as seguintes noções:

[...] a língua em uso, cuja natureza heterogênea abriga a variação e a mudança; as situações de comunicação real em que falantes reais interagem; o destaque à mudança linguística, entendida como processo contínuo e gradual; a mudança é disseminada ao longo do âmbito linguístico e do âmbito social, com alterações contínuas e em termos de frequência; a complementaridade entre dados sincrônicos e diacrônicos; a maioria das inovações é passageira, apenas algumas são repetidamente re-utilizadas e, caso aceitas pela comunidade de fala, podem ser cada vez mais difundidas. (TAVARES, 2003, p. 127)

Repassados os pontos comuns entre as duas teorias, apontam-se aqueles em que a possibilidade de associação é mais difícil, configurando-se, verdadeiramente, como divergências.

A primeira questão diz respeito ao modo como a mudança é vista: para o Funcionalismo, a variação decorre da mudança; já para a Sociolinguística, a mudança decorre da variação. Tavares (2003) ainda reforça o papel atribuído por cada modelo teórico para a forma e para a função. Nesse sentido, o Funcionalismo concebe a gramática como um processo, cuja construção decorre de pressões do uso, atribuindo um papel central à função, pois o uso de uma determinada forma linguística é motivado. Já a Sociolinguística concebe a gramática como um sistema de regras variáveis, defendendo a noção de regra variável e dos condicionamentos para o uso de determinada forma.

Outra diferença elencada por Tavares (2003) e destacada em Pontes (2012) diz respeito ao tratamento dos dados no tocante à análise estatística, pois o Funcionalismo não possui um instrumento estatístico específico, valendo-se para tanto de frequência, ou seja, os fatores decorrem da noção de continuum. Nessa teoria, a frequência de uso é um dos fatores essenciais à mudança: quanto mais frequente é uma forma linguística, mais sujeita está a transformações fonéticas, morfossintáticas, semânticas e pragmáticas. Dessa forma, Pontes (2012) ainda defende que com a Sociolinguística, além de se contar com esse aparato, trabalha-se com pesos relativos para controlar os grupos de fatores que atuam como variáveis independentes, obtidos através de um avançado programa computacional que trabalha como um instrumento estatístico: o GOLDVARB, que realiza uma análise multivariada (GUY E ZILLES, 2007).

Diante de todos os aspectos divergentes e convergentes elencados entre as duas teorias: Funcionalismo da vertente norte-americana e Sociolinguística variacionista, ressalta- se a necessidade de se considerar as possíveis inter-relações entre os pressupostos cabíveis da cada uma delas para a realização desta pesquisa, com vistas ao seu casamento teórico, o Sociofuncionalismo.

Considerações finais do capítulo

Neste capítulo, tratamos das bases teóricas que guiaram a análise do aspecto imperfectivo: a Sociolinguística variacionista e o Funcionalismo linguístico norte-americano, convergindo no ajuste teórico intitulado Sociofuncionalismo. Essa opção é perfeitamente adequada ao que se propõe a pesquisa: analisar formas em variação no domínio funcional da imperfectividade. Assim, observamos, a partir do enfoque sociofuncionalista, se as formas imperfectivas de passado salientam tempo, aspecto ou modalidade, se todas são variáveis ou se há contexto de restrição, quais as motivações e de que natureza, qual o papel da frequência e quais princípios funcionalistas justificam as escolhas, destacando-se o da marcação e o da expressividade.

Dessa forma, para análise das formas imperfectivas de passado variantes, buscaremos salientar os fatores motivadores da variação linguística, interpretando os resultados à luz dos princípios funcionalistas da marcação e da expressividade. Para tanto, alguns procedimentos metodológicos, apresentados no capítulo seguinte, foram adotados, permitindo um tratamento científico do fenômeno sob análise.

6 METODOLOGIA

Não basta dar os passos que nos devem levar um dia ao objetivo, cada passo deve ser ele próprio um objetivo em si mesmo, ao mesmo tempo que nos leva para diante.

Johann Goethe

O conhecimento científico distingue-se dos demais por apresentar veracidade dos fatos analisados, mediante suas verificabilidades. Para tanto, utiliza-se de método(s) específico(s) à natureza da pesquisa. Nesse sentido, método consiste em um caminho delineado para se chegar a um determinado fim (GIL, 1987), devendo, pois, relacionar-se ao objeto de estudo, bem como aos objetivos definidos.

Dessa forma, tendo em vista que esta pesquisa busca analisar variação e multifuncionalidade no uso do imperfeito do indicativo e de perífrases imperfectivas de passado, em memórias literárias produzidas, em 2010 e 2012, por alunos do 7o e do 8o anos finalistas da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, compreende-se ser necessária a adoção de um método científico que, conforme Gil (1987, p.27), define-se “[...] como o conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados para se atingir o conhecimento”.

Diante disso, com vista a uma melhor explicitação dessa pesquisa, passa-se a discorrer, nas subseções seguintes, acerca da abordagem metodológica e demais aspectos referentes ao estudo, tais como a caracterização da pesquisa, os sujeitos, o contexto, os instrumentos e os procedimentos de geração e análise de dados.