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A Sociolinguística Variacionista, também conhecida como Teoria da Variação e Mudança, teve seus primeiros estudos durante a década de 60 em reação ao Gerativismo de Chomsky, que, segundo Pontes (2012), propunha um estudo a partir da competência de um falante/ouvinte ideal em uma comunidade linguística homogênea. Ora, sabe-se que a

Sociolinguística surgiu em defesa da influência de fatores linguísticos e extralinguísticos nos fenômenos de variação e mudança inerentes às línguas, negando, assim, o caráter homogêneo e autônomo da língua, tão largamente defendido por Ferdinand de Saussure, conhecido como precursor da ciência linguística no século XX, que definiu a língua como objeto único e legítimo de estudo: “considerada em si mesma e por si mesma”.

Em 1964, William Bright organizou um congresso, no qual o termo Sociolinguística se fixou. O livro do congresso, Sociolinguistics, foi lançado em 1966 e, somente a partir dos estudos individuais de Labov (1972a) e dos postulados de Weinreich, Labov e Herzog (1968), doravante WLH, a Sociolinguística desenvolveu-se e ganhou notoriedade, pois passou a ter como objetivo descrever a variação e a mudança linguística, levando em conta o contexto social de produção, observando o uso da língua dentro da comunidade de fala, e utilizando um método de análise quantitativa dos dados obtidos a partir da fala dos indivíduos, fornecidos pelas já mencionadas comunidades de fala, rompendo, assim, com as correntes anteriores (estruturalismo e gerativismo), que analisavam a língua como uma estrutura homogênea, resultante da aplicação de regras categóricas, estudadas fora de seu contexto social.

A Sociolinguística, ao mostrar a variação de forma sistemática e motivada por fatores sociais e linguísticos, trouxe uma nova abordagem, sobretudo por postular que é na heterogeneidade da língua que se devem buscar a estrutura e o funcionamento do sistema. Foi através desse novo olhar que se passou a analisar e descrever o uso de variáveis linguísticas por indivíduos de uma comunidade de fala, assim como a se perceber que a presença de heterogeneidade sistematizada por regras variáveis permite ao sistema linguístico manter-se em funcionamento, mesmo nos contextos de mudança linguística, pois a ausência de heterogeneidade estruturada na língua seria tida como disfuncional (conforme Weinreich, Labov & Herzog, 1968, p.101).

Dessa forma, WLH (1968) defendem ser necessário aprender a ver a linguagem do ponto de vista diacrônico e/ou sincrônico, como um objeto possuidor de heterogeneidade sistemática. A variação é, pois, inerente ao sistema linguístico, e como tal pode ser analisada, descrita e explicada em correlação com o contexto social e linguístico.

Levando em conta a Sociolinguística Quantitativa, percebe-se que seu objetivo é o de descrever e explicar o processo de variação e mudança, através do controle de fatores sociais (classe social, sexo, idade, escolaridade, etc.) e de fatores linguísticos (variáveis internas da língua), com vistas a identificar os fatores que influenciam a escolha de uma ou de

outra forma variante, mostrando que a regularidade da variação é sistemática e governada por um conjunto de regras, não categóricas, e sim variáveis.

Em 1966, William Labov apresenta o conceito de regra variável em substituição à noção estruturalista de variação livre, no qual defende que toda variação é condicionada. Para tanto, alega que uma regra variável deve apresentar frequência expressiva de uso e modelar-se à interferência de fatores linguísticos e extralinguísticos. Para o autor, as variantes constituem os diversos modos de dizer a mesma coisa em um contexto de interação verbal. Em seus primeiros trabalhos, referentes às analises em Fonologia, Labov (1972) assevera que as variações são motivadas por fatores sociais ou estilísticos. Tais trabalhos resultaram em outros tantos acerca da variação linguística nesse e nos demais níveis linguísticos. Entretanto, o uso desse modelo, em outros campos diferentes do fonológico, gerou críticas e discussões referentes à manutenção do mesmo significado das formas variantes, como a que foi travada entre Labov e Lavandera.

Essa questão debatida entre os dois estudiosos ocorreu a partir do trabalho de Weiner & Labov (1977), sobre as estruturas ativa e passiva do inglês, uma variável de natureza sintática. Nesse trabalho, os autores tratam a construção ativa e passiva sem agente como variantes linguísticas, ou seja, como possuindo o mesmo significado representacional.

Para Lavandera (1977), é difícil afirmar que haja variação em unidades de níveis acima do fonológico, como as de morfema, de um item lexical ou de uma construção sintática, que não podem ser substituídas por outras se alegando o mesmo valor de verdade, uma vez que tais formas possuem por definição um significado próprio. Daí propor que a noção de regra variável da sociolinguística não seja aplicável aos outros níveis que não seja o fonológico. Assim, Lavandera (1977) propõe substituir o conceito de equivalência semântica pelo de “comparabilidade funcional”, ou seja, que se deixe a concepção de que variantes sintáticas possuem o mesmo significado, e que se adote um estudo de condições de igualdade funcional entre as formas sintáticas alternantes.

Diante de tal proposição de Lavandera, Labov (1978) rebate afirmando que se duas sentenças se referem ao mesmo estado de coisas, têm o mesmo valor de verdade, reforçando, assim, o princípio da equivalência semântica e defendendo que são formas variantes aquelas que apresentam o mesmo significado referencial, sem que, necessariamente, possuam o mesmo significado, mas sim, que apresentam, em dado contexto, a mesma intenção comunicativa, como variantes de uma regra variável.

Outro questionamento levantado por Lavandera refere-se a não influência dos fatores sociais na variação, fora do campo fonológico, pois, para a autora, a Sociolinguística

deve estudar, necessariamente, a influência dos fatores sociais nos usos da língua. Fato que é rebatido por Labov (1978), ao defender que o que é analisado no fenômeno da variação não são somente fatores sociais, que podem sim influenciar, mas que não são, necessariamente, os condicionadores da variação. Completa, ainda, afirmando que por ser o objeto de estudo da Linguística a língua, todo linguista já é (sócio)linguista, não só porque lida com fatores estilísticos e sociais, mas porque analisa a língua como componente social, uma vez que a língua só existe para uso social. Se assim não o fosse, a Sociolinguística seria algo à parte da Linguística. Labov (1978), também, afirma que a Sociolinguística, mais do que medir o peso dos fatores sociais, busca predizer a distribuição provável, na língua, de informação nos níveis fonológico, prosódico, morfológico, sintático etc., preocupa-se em obter um retrato da estrutura gramatical da língua enquanto componente social.

É a partir daí que se abre espaço para as análises variacionistas, nos diferentes níveis gramaticais, e para a possibilidade de se descrever e explicar um fenômeno variável com base em fatores condicionantes estruturais (linguísticos), além dos fatores sociais e estilísticos (nem sempre relevantes), conforme se propõe com esta pesquisa: analisar a intercambialidade entre as formas imperfectivas de passado (imperfeito do indicativo e perífrase imperfectiva).

Contudo, vale lembrar que, segundo a regra variável, para que formas linguísticas alternantes sejam chamadas de variantes, faz-se necessário que haja manutenção do significado referencial e possibilidade de ocorrência em um mesmo contexto (LABOV, 1978). Com base nessa premissa, é que nesta pesquisa apontam-se as formas imperfeito do indicativo e perífrases imperfectivas de passado como sendo variantes de uma mesma variável, pois, em um mesmo contexto, podem se apresentar com a mesma função/significado. Entretanto, nem sempre essas formas imperfectivas são intercambiáveis, daí a importância dos testes feitos, nesta pesquisa, em todas as ocorrências de imperfeito do indicativo e de perífrases imperfectivas de passado, com vistas a observar a possibilidade de intercambialidade, sendo descartados os dados que não atendem a tal premissa da regra variável.

Segundo Pontes (2012), sabendo-se que variação linguística realmente se faz presente na comunicação, tendo em vista ser a língua um dinâmico meio de identidade social, é inevitável a ocorrência de mudanças em todos os âmbitos da linguagem verbal. Mas vale salientar que nem toda variação gera mudança, entretanto a mudança é precedida por estágios de variação, segundo Labov (1982). Foi através de Weinreich, Labov e Herzog (1968) que emergiram numerosos estudos acerca da mudança linguística, pois a partir de seus postulados surgiram várias propostas sobre a estrutura do fenômeno de variação e mudança linguística.

Labov (1994) propõe, para melhor compreensão do processo de mudança linguística, que seu estudo aconteça sob dois métodos de observação: mudança em tempo aparente e mudança em tempo real, buscando uma observação da mudança em dois estados da língua: no tempo aparente, analisando-se como um grupo de diferentes gerações, em determinado tempo, comporta-se linguisticamente, por exemplo, como os jovens utilizam algumas formas mais do que os adultos e os idosos; no tempo real, confrontando-se os usos de determinadas formas em dois ou mais períodos discretos de tempo.

De acordo com Labov (1994), para o estudo de mudança aparente, os dados atuais são coletados e relacionados às idades dos informantes, levando-se em conta que a aquisição da língua é concluída até o final da adolescência, mantendo-se intacta no decorrer da vida.21 Assim, de posse do uso atual, o pesquisador pode inferir o uso no passado e projetar os possíveis usos no futuro. Esta visão acerca da estabilidade do falante após a puberdade está diretamente ligada a da instabilidade da comunidade de fala com o decorrer das décadas.

Essa proposta de Labov parte do pressuposto de que é possível captar mudanças através da análise distribucional-quantitativa de variáveis em diferentes faixas etárias, análise essa que se convencionou chamar de mudança em tempo aparente. As formas das curvas de distribuição dariam a indicação de uma variação estável ou de uma mudança em curso e, nesse caso, implementação ou perda de um processo. Essa distribuição, no entanto, por faixas etárias, pode ser apenas aparente e não representar mudanças na comunidade, vindo a constituir um padrão característico de gradação etária que se repete a cada geração. Dessa forma, a fim de solucionar os problemas decorrentes da interpretação dos dados em tempo aparente, deve basear-se nas observações feitas em tempo real, isto é, na observação e confronto de determinados usos em dois ou mais períodos discretos de tempo. Assim, a combinação de observações em tempo aparente e em tempo real constitui o método fundamental de análise da mudança em curso.

21

De acordo com os estudos da Terceira Onda, Eckert (1997) defende que o comportamento linguístico dos indivíduos muda no decorrer da vida, considerando as comunidades de prática a que pertencem. Entendendo-se comunidades de prática como o conjunto de pessoas que se envolve em algum empreendimento comum, desenvolvendo estratégias para a realização de práticas necessárias à empreitada, mediante compartilhamento de orientações comuns em relação ao mundo. Segundo Eckert e McConnel-Ginet (2010, p. 102), “uma comunidade de prática pode ser constituída por pessoas trabalhando juntas em uma fábrica, habitués de um bar, companheiros de brincadeira em uma vizinhança, a família nuclear, parceiros policiais e seu etnógrafo, a Suprema Corte etc.”

Para a obtenção de dados em tempo real de curta duração há duas possibilidades básicas de abordagem: 1. o recontato dos mesmos falantes em posterior período - caracterizado como estudo em painel – ou 2. a composição de nova amostra representativa (caracterizada como estudo de tendências). O estudo em painel permite identificar, através do comportamento estável ou instável do mesmo indivíduo, em dois momentos distintos, se estamos diante de uma mudança geracional ou de uma gradação etária. Caso o indivíduo de uma determinada faixa etária reproduz, ao passar para outra, em certa medida, o comportamento linguístico de falantes da mesma geração na amostra anterior, tem-se um indicativo de ser a variação característica daquela faixa etária. Se, no entanto, ao mudar de faixa etária, reproduz o seu próprio comportamento na faixa anterior, tem-se um indício não de característica etária, mas sim de mudança geracional. Porém esse estudo, per se, não distingue gradação etária de mudança comunitária ou estabilidade de mudança geracional, uma vez que só se pode ter uma visão da comunidade através do comportamento dos mesmos indivíduos. Por outro lado, o estudo de tendências, em que se realiza o confronto de duas amostras, em dois períodos de tempo discretos, com indivíduos distintos, também nos permite perceber o comportamento da comunidade. A combinação desses dois tipos de estudo produz quatro padrões distintos de mudança no indivíduo e na comunidade (LABOV, 1994, p.83), conforme ilustra o quadro abaixo.

Quadro 4- Padrões de mudança no indivíduo e na comunidade

Padrões de mudança Indivíduo Comunidade

1. Estabilidade Estável Estável

2. Gradação etária Instável Estável

3. Mudança geracional Estável Instável

4. Mudança comunitária Instável Instável

A interpretação dos dois primeiros padrões nos diz que, se o comportamento dos indivíduos é estável durante toda a sua vida e a comunidade se mantém também estável, não há variação a analisar e tem-se estabilidade; se os indivíduos mudam seu comportamento linguístico durante suas vidas, mas a comunidade como um todo permanece a mesma, o padrão pode ser caracterizado como gradação etária. Na mudança geracional, os indivíduos apresentam uma frequência característica para uma variante particular, mantendo-a durante toda a sua vida. Aumentos regulares, porém, dessas frequências individuais durante várias gerações podem levar a uma mudança comunitária. Na mudança da comunidade, todos os membros da comunidade alteram conjuntamente suas frequências ou adquirem simultaneamente novas formas. Segundo Labov (1994), este seria o padrão característico da

mudança lexical e sintática, enquanto a mudança geracional seria típica da mudança sonora e morfológica.

Contudo Labov, considerando objetivo primeiro da Sociolinguística, que é o de observar e analisar o comportamento linguístico dos falantes dentro de uma comunidade de fala, e percebendo que mais importante do que saber por que as línguas mudam é perceber os fatores que propiciam as mudanças, propõe que se considerem, para efeito e análise da mudança, os fatores sociais que envolvem os falantes, uma vez que esses interferem diretamente no desenvolvimento da mudança linguística, destacando também a importância dos fatores culturais e cognitivos como motivadores no processo de mudança linguística. Os fatores culturais relacionam-se aos aspectos sociais, enquanto que os fatores cognitivos influenciam a aquisição do sistema linguístico e a percepção do contexto. Dessa forma, os fatores culturais e cognitivos auxiliam-no na compreensão linguística da comunidade de fala.

Isso nos remete ao que já foi dito anteriormente: a língua não é homogênea, mas sim de um sistema heterogêneo, motivado por fatores estruturais, sociais e cognitivos. Tais fatores configuram-se como variáveis independentes, no sentido de que os usos de estruturas linguísticas são motivados e as alternâncias se apresentam de forma sistemática e estatisticamente previsível. É exatamente nessa previsibilidade e regularidade linguística que se descarta a ideia de que a variação possa acontecer de forma aleatória, arbitrária, ao bel prazer do falante. Embora havendo variações, o sistema obedece a padrões estruturais e linguísticos, o que leva as línguas a exibirem unidade em meio à heterogeneidade.

Nesta pesquisa, adotamos a análise de uma categoria que está acima do nível fonológico, tendo em vista que a variável em estudo é verbal, o que leva a crer que fatores sociais não exerçam tanta influência sobre a escolha por uma das formas imperfectivas de passado. Contudo, a ampliação do modelo variacionista para níveis além da Fonologia, a partir dos questionamentos de Lavandera, abriu as portas à incorporação de hipóteses funcionalistas, que respaldam a ocorrência de motivações, principalmente, no interior da estrutura da língua para variações morfossintáticas.

Para tratar de uma variável morfossintática, como as formas aspectuais imperfectivas de passado, cujos condicionadores podem ser de natureza linguística, além de social, lançamos mão da abordagem funcionalista, para orientar a formulação das hipóteses e a descrição dos contextos de uso das variantes em questão.