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No século XX, vários estudos foram desenvolvidos sobre a ciência como prática social e fenômeno cultural, político e econômico. Destacam-se aqui alguns dos teóricos que abordaram o tema, tais como: Mannheim (1976) e a sociologia do conhecimento, Merton (1957, 1972) e a sociologia da ciência, Kuhn (2001) e o paradigma, e Bourdieu (1983, 2004) e o campo científico.

A sociologia do conhecimento originou-se no século XX em três países: França, Estados Unidos da América (EUA) e Alemanha. Na França, Comte já havia tornado objeto de discussão a história social do conhecimento, assim como Durkheim e seus seguidores, que estudaram de forma sistemática as representações coletivas.

Nos EUA, Veblen também se interessou pela sociologia do conhecimento, ou sociologia da verdade, se preocupando com as relações estabelecidas entre determinados grupos sociais e instituições. Veblen escreveu sobre o lugar da ciência na civilização moderna (culto à ciência), a visão que os acadêmicos têm de si e de seus pares (guardiões da verdade universal) e a superioridade intelectual dos judeus no início do século XX (inovadores intelectuais) (BURKE, 2003).

Na Alemanha, os estudos de Weber sobre a ética protestante e a burocracia contribuíram para a sociologia do conhecimento, apesar de não serem apresentados como tal. Além de Weber, distingue-se Mannheim (1976), cuja produção intelectual escrita entre 1921 e 1931 argumenta que as ideias se formam por estilos de pensamento e são socialmente situadas em determinados períodos, nações, gerações e classes sociais e a

comparação entre estes estilos diferentes seria impossível (BURKE, 2003). Estes estilos de pensamento produziriam estágios, ou fases, com vocações conflitantes: ora conservadoras as ideologias; ora favoráveis às mudanças, às utopias (MANNHEIM, 1976).

Com a intenção de abalar a coletividade, os alemães nomearam os estudos produzidos por Mannheim de sociologia do conhecimento. “O que é mais perturbador é a ideia de uma sociologia do conhecimento, uma vez que conhecer é algo que os filósofos chamam de ‘um verbo positivo’: o que conhecemos por oposição a aquilo em que acreditamos, é verdade por definição” (BURKE, 2003, p. 15).

Para Mannheim (1976), reconhecido como fundador da sociologia do conhecimento, os intelectuais são um fenômeno social moderno e um estrato social com relativa independência, característica esta que lhes permite perceber as tendências sociais com mais clareza que os demais. Ao criticar as orientações filosóficas e sociológicas da sua época, a ideia básica de Mannheim se refere ao condicionamento histórico do conhecimento (FERREIRA; BRITTO, 1994).

No entendimento de Mannheim (1976, p. 70 e 105), “as várias posições intelectuais e estilos de pensamento estão enraizados numa realidade histórico-social subjacente”, havendo, inclusive, “determinadas esferas de pensamento nas quais é impossível conceber a verdade absoluta existindo, independentemente, dos valores do sujeito e do contexto social”.

Portanto, a sociologia do conhecimento de Mannheim estuda as determinantes do pensamento e o contexto social em que ele se desenvolve, definindo, assim, sua natureza e seu alcance, possibilitando também conhecer os fatores históricos que condicionam as visões de mundo das diferentes sociedades, evitando, nesta análise, o conhecimento não científico, militante ou fundamentalista, objeto de análise da teoria da ideologia (RODRIGUES JÚNIOR, 2002).

Mannheim (1976) sistematizou a sociologia do conhecimento em dois aspectos: um teórico e outro metodológico. O aspecto teórico visa a analisar a relação conhecimento/existência e carece delinear critérios para mostrar a relação entre pensamento/ação. Necessita também desenvolver uma teoria da significação para os fatores não teóricos determinantes do conhecimento, encontrar as proposições metafísicas ocultas e revelar os estratos sociais que compõem o estrato intelectual. O outro aspecto da sociologia do conhecimento, o metodológico, visa a descrever as formas estabelecidas por estas relações no desenvolvimento intelectual do homem (FERREIRA; BRITTO, 1994).

Mannheim considerava, entre os fatores determinantes da produção do conhecimento, elementos de natureza não teórica provenientes da vida social. Para ele “[...] a tarefa da sociologia do conhecimento é evidenciar o condicionamento social a que está submetida de modo irredutível toda forma de pensamento” (FERREIRA; BRITTO, 1994, p.

138). Apesar do impacto que a teoria de Mannheim produziu à época, nas décadas de 40 e 50 do século passado, a sociologia do conhecimento se torna silenciosa.

O assunto foi retomado por Merton (1957, 1972), “[...] reconhecido como fundador da sociologia da ciência, [que] aponta inúmeras contradições de natureza teórica e deficiências metodológicas no pensamento sociológico de Mannheim” (FERREIRA; BRITTO, 1994, p. 134).

Merton, entre outros autores, além de criticar o trabalho de Mannheim, analisa a atividade científica em uma perspectiva institucional como uma atividade social, facilitada ou dificultada por valores, ideias e crenças de cada sociedade, se ocupando da dependência recíproca existente entre a estrutura social e a ciência (RODRIGUES JÚNIOR, 2002).

Destacam-se nas pesquisas de Merton as questões acerca da interação entre ciência e cultura, a dependência da ciência em relação a outras instituições sociais e a influência das instituições sociais e da cultura na ciência em tempos e lugares diferentes. Identifica-se em sua obra que a reciprocidade entre a ciência e as esferas culturais e sociais é mais forte nos momentos iniciais; entretanto, este processo de afirmação social da ciência não ocorre de forma simples ou linear. Percebe-se neste tópico certa semelhança acerca do processo de amadurecimento de uma disciplina abordados nos estudos mertonianos com a argumentação de Kuhn (2001) sobre a ciência normal (LIMA, 1994).

Nos anos 70 do século passado, Merton também pesquisou sobre os sujeitos do conhecimento e sobre as perspectivas excludentes dos insiders e outsiders neste processo, tais como estudos de raça e gênero (MERTON, 1972). Entretanto, o texto mais conhecido de Merton “[...] é o que aborda o ethos da ciência, objeto de crítica acirrada por ser percebido como uma idealização da atividade científica que nada diz sobre aquilo que realmente os cientistas fazem” (LIMA, 1994, p. 155).

De acordo com Merton (1957, tradução nossa), se a ciência colocar grande valor na originalidade, os cientistas atribuem ainda mais importância para o reconhecimento da prioridade. Mas este valor é apenas um de um conjunto complexo que forma o ethos da ciência: desapego material, universalidade, ceticismo sistemático, compartilhamento da propriedade intelectual e humildade.

Targino (2000) detalha quatro dos padrões de comportamento peculiares ao

ethos descritos por Merton. O desapego material é evidenciado no amor à ciência e pelo

desejo de contribuir com o progresso científico, acima dos interesses pessoais. A universalidade se caracteriza por permitir que toda a contribuição científica seja avaliada por critérios rigorosos, objetivos e impessoais, independentemente da raça, nacionalidade, religião, estratificação social, titulação ou renome do pesquisador. No ceticismo sistemático, em um exame livre de preconceitos, pretende-se verificar continuamente o conhecimento científico em busca de erros, inconsistências e fragilidades. Por fim, no compartilhamento da

propriedade intelectual, pressupõe-se que os direitos de propriedade na ciência fiquem limitados ao reconhecimento da autoria. Decididamente Newton e Leibnitz não se enquadrariam nesta visão mertoniana de ciência (BARDI, 2008).

Além dos estudos de Merton sobre a sociologia da ciência, destacam-se na pesquisa sobre o assunto Znaniecki, que publicou uma obra intitulada O papel social do

homem de saber, e Berger e Luckman, que escreveram em conjunto o trabalho

denominado A construção social da realidade, em que defendiam uma perspectiva ampla da sociologia do conhecimento, mas não lhe deram continuidade (BURKE, 2003).

Evidencia-se tanto em Merton quanto em Kuhn, como explicação para a prática da ciência, a importância dada a normas e valores compartilhados. “[...] Uma importante diferença consiste, no entanto, na atribuição de um caráter muito mais autônomo à comunidade científica na obra de Kuhn” (LIMA, 1994, p. 171). Kuhn (2001), além de se interessar pelo papel exercido pelos mecanismos e processos tipicamente sociais encontrados no cerne da ciência, se preocupa também com problemas metodológicos e epistemológicos.

Assim, nos anos de 1960, a sociologia da ciência, no que se refere à determinação social do conhecimento, foi ofuscada pelas ideias de cunho epistemológico produzidas por Kuhn. Na ocasião, foram retomadas as questões acerca da sociologia do conhecimento praticamente no mesmo ponto em que Mannheim as deixara (RODRIGUES JÚNIOR, 2002).

A partir de então, diferentes correntes teóricas, oriundas de estudos sociais do conhecimento, da cultura e da ciência, possibilitaram o surgimento de uma orientação teórica mais ambiciosa denominada, mais amplamente, de estudos sociais da ciência e, mais especificamente, no âmbito da sociologia, de sociologia do conhecimento científico (RODRIGUES JÚNIOR, 2002, p. 136).

A sociologia passa então a se ocupar do contexto em que ocorre a descoberta e a justificação, sendo que a sociologia do conhecimento científico inclui nos seus estudos as influências dos fatores sociais e cognitivos, os aspectos estruturais das organizações científicas e as questões concernentes à origem e à validação do conhecimento científico (RODRIGUES JÚNIOR, 2002).

No livro A estrutura das revoluções científicas, Kunh (2001) defende a tese de que na comunidade científica há períodos de ciência normal, com acumulação gradativa de conhecimentos e um paradigma vigente, mas, periodicamente, os paradigmas são questionados e revistos por revoluções científicas provocadas por intercalações e descontinuidades, ocorrendo a chamada ciência extraordinária. Kuhn (2001, p. 13) define paradigmas como “realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, oferecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”.

A ciência normal oferece soluções possíveis aos problemas, que Kuhn (2001) compara à resolução de um quebra-cabeça. Neste período, evita-se a solução de problemas metafísicos ou de grande complexidade. Há um reduzido interesse por grandes novidades e se tem como meta aumentar o alcance e a precisão do paradigma vigente. Entretanto, a precisão do paradigma acaba por promover a identificação de anomalias e oportuniza sua substituição (KUHN, 2001). Esta oportunidade, quando aproveitada, gera uma fase pré- paradigmática.

Kuhn (2001) separa o conceito de paradigma científico da noção de comunidade científica, afirmando que uma comunidade científica pode existir sem a presença de um paradigma científico único, como no caso das fases pré-paradigmáticas. Ele caracteriza as comunidades científicas como aquelas que compartilham técnicas, participam das mesmas sociedades, leem os mesmos periódicos etc.

Para Kunh (2001), as revoluções científicas têm estrutura e ciclo de desenvolvimento semelhantes e percorrem sua trajetória na história de forma periódica. Isto se deve à insatisfação com o paradigma ortodoxo, cuja repercussão será sua substituição por um novo paradigma, que, devido às novas investigações, tornar-se-á ortodoxo, repetindo-se, assim, o ciclo (BURKE, 2003).

O conhecimento como assunto de pesquisa também atraiu a atenção de estudiosos da cultura e da sociedade. No campo da antropologia, Geertz escreveu ensaios sobre saberes locais, informação e senso comum; Goody, investigou o conhecimento em culturas orais e letradas como rota alternativa ao conhecimento; e Gellner dedicou-se a pesquisar as titubeantes ligações existentes nas esferas econômica, política e intelectual, descritas por ele como sistemas de produção, coerção e cognição (BURKE, 2003).

No campo da Sociologia, Elias investigou o processo de autonomia intelectual e formulou a teoria dos establishments científicos; Habermas estudou “[...] a relação entre conhecimento, interesses humanos e esfera pública” (BURKE, 2003, p. 16); e Bourdieu realizou pesquisas sobre capital intelectual, prática teórica e o poder de algumas instituições para definir a legitimidade, ou não, de um conhecimento.

A forma de ver ciência investigada por Bourdieu (1983, 2004) já era óbvia para o satírico vitoriano Beeching (apud BURKE, 2003, p. 25): “Primeiro eu; meu nome é Jowett. Não há conhecimento senão o meu. Sou o senhor desta escola. O que eu não conheço não é conhecimento.”

Bourdieu (1983, 2004), entre outros, faz parte da segunda geração da sociologia do conhecimento, que resgatou o interesse de Durkheim pelas categorias e classificações. Nesta geração, enfatiza-se a construção do conhecimento pelos indivíduos, pelas linguagens, pelas práticas e pelos experimentos realizados pelos detentores do conhecimento.

Bourdieu revela seu interesse pela ciência ao publicar, respectivamente, em 1975 e 1976, os artigos A especificidade no campo científico e as condições sociais do

progresso da razão e O campo científico, rompendo assim

[...] com a tradição dominante na sociologia da ciência e sua visão conciliadora da “comunidade científica”, introduzindo especialmente, os conceitos de campo científico e de capital científico; tudo isso mostrando que a lógica desse mercado [...] é favorável ao progresso da razão (CHAMPAGNE, 2004, p. 12).

Bourdieu (2004), ao indagar sobre os usos sociais da ciência ou se é possível fazer uma ciência da ciência capaz de descrever e de orientar os usos sociais da ciência, apresenta o conceito de campo científico em oposição ao conceito de comunidade científica emitido por Kuhn (2001).

Como já citado na Introdução, de acordo com Bourdieu (2004), as produções culturais como objetos de análise com pretensões científicas encontram duas posições opostas: as internalistas, em que o texto é o princípio e o fim e não há mais nada para ser conhecido, e as externalistas, em que o texto está relacionado ao contexto socio-econômico. Segundo Lovisolo (1997), as comunidades científicas que se vinculam com a sociedade através de produções externalistas têm seu desenvolvimento condicionado tanto à condições, econômicas, políticas, educacionais e culturais quanto, fundalmentalmente, à atores externos, elites políticas, militares, religiosas e empresariais.

Contudo, entre a produção cultural e o evento social existe um espaço relativamente autônomo, o campo, um “[...] universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas” (BOURDIEU, 2004, p. 20).

O campo científico é submetido a leis sociais tal qual a sociedade, mas tem uma relação parcialmente autônoma em relação a ela. Nele, as pressões externas são intermediadas por uma lógica própria, e sua autonomia depende de seu poder de retradução das imposições externas, grande dificuldade no campo das ciências sociais. O grau de autonomia de que o campo científico dispõe depende da natureza e da forma destas pressões externas, bem como das manifestações de resistência visando à autonomia.

Bourdieu (2004) denomina de curto circuito a primeira forma de reducionismo de um campo que resume as leis, segundo as quais, um campo funciona segundo as leis sociais exteriores. A segunda forma de reducionismo, chamada grande programa, resume, de forma indevida, as estratégias dos eruditos às estratégias sociais e a seus determinantes. Além disso, o grande programa ignora as leis sociais do campo, os interesses externos ou internos ligados à luta no campo e às pressões inerentes ao fato de o campo ser constituído por pares-concorrentes (BOURDIEU, 2004).

Desta forma, os campos científicos se caracterizam por sua autonomia: quanto mais autônomos eles são, mais escapam às leis sociais externas, tornando-se, assim, mais próximos da perfeição. A interferência de forças não científicas nas lutas científicas traz a imperfeição. “[...] Quanto mais um campo é autônomo e próximo da concorrência perfeita, mais a censura é puramente científica e exclui a intervenção de forças puramente sociais (argumento de autoridade, sanções de carreira etc.) (BOURDIEU, 2004, p. 32).

O confronto no campo se dá através de representações que pretendem ser realistas e fundamentadas em métodos, instrumentos e técnicas de experimentação coletivamente utilizadas e acumuladas. Não obstante, o confronto é delimitado pelas disciplinas e censuras do campo, bem como pelo habitus, pelo arranjo das posições adquiridas pelos eruditos, que podem levá-los a se opor às forças do campo (BOURDIEU, 2004).

Entretanto, a perfeição do mundo da ciência é anulada, ou mesmo cancelada, por forças e pressões externas. De fato, existem no mundo da ciência relações de força, tais como poder ou monopólio. A ordem científica tem raízes na economia e mediante ela tem acesso ao poder ou ao monopólio, assim como às estratégias que visam a conquistá-los ou conservá-los.

Para Bourdieu (2004), são duas as formas de capital - político e científico - e a coexistência dos dois, por suas peculiaridades, é difícil. Apesar disso, créditos científicos tais como homenagens ou citações podem assegurar o crédito político. O capital do campo científico, por sua vez, se divide em puro e institucionalizado, ambos difíceis de acumular e de transmitir.

Adquire-se o capital científico puro através das contribuições reconhecidas ao progresso da ciência, e o capital científico institucional, por estratégias políticas e tomadas de posição no interior do campo. Todavia, como o campo científico é um espaço de disputa e de rupturas sociais com os paradigmas vigentes, não existe um capital cientifico puro. Os conflitos dos eruditos são também conflitos de poder. Para contornar estes conflitos e progredir, é necessário promover e efetivar a autonomia do campo. Deve-se colocar a ciência a serviço da ciência e expor suas contradições para questioná-las, lembrando-se sempre da onipresença da política nas relações humanas (BOURDIEU, 2004).

De fato, o campo científico é uma estrutura social relativamente independente das pressões do mundo social global que o envolve. Cada campo é composto por uma forma específica de capital científico, uma espécie particular de capital simbólico fundamentado sobre os atos de conhecimento e reconhecimento (citação, prêmios, traduções para línguas estrangeiras etc.) atribuídos pelos pares-concorrentes. Assim,

[...] os agentes (indivíduos ou instituições) caracterizados pelo volume de seu capital determinam a estrutura do campo em proporção ao seu peso, que depende do peso dos outros agentes, isto é, de todo o espaço. Mas,

contrariamente, cada agente age sob a pressão da estrutura do espaço que se impõe a ele tanto mais brutalmente quanto seu peso relativo seja mais frágil (BOURDIEU, 2004, p. 24).

O capital científico proporciona autoridade, contribui para definir as regras do jogo, suas regularidades, a distribuição dos lucros, os temas relevantes sobre os quais se deve escrever e sobre o que é mais compensador publicar. Para Bourdieu (1983, p. 122),

A sociologia da ciência repousa no postulado de que a verdade do produto – mesmo em se tratando desse produto particular, que é a verdade científica – reside numa espécie particular de condições sociais de produção; isto é, mais precisamente, num estado determinado da estrutura e do funcionamento do campo científico. O universo “puro” da mais “pura” ciência é um campo social como outro qualquer, com suas relações de força e monopólios, suas lutas e estratégias, seus interesses e lucros, mas onde todas essas invariantes se revestem de formas específicas.

Bourdieu (1983) demonstra que se deve compreender a eficiência do trabalho científico a partir da natureza da sociedade em que ele está inserido. O campo científico não é o lugar da ciência neutra e desinteressada em busca do progresso científico como haviam descrito Merton e Kuhn.

Segundo Bourdieu (1983), no campo científico, todas as práticas são orientadas para a aquisição de autoridade, prestígio e reconhecimento, e os interesses por uma atividade científica têm sempre uma dupla face: o trabalho não deve ser interessante somente para o pesquisador, mas também, e principalmente, deve ser interessante para os seus concorrentes. Isso porque “a tendência dos pesquisadores a se concentrar nos problemas considerados os mais importantes se explica pelo fato de que uma contribuição ou descoberta concernente a essas questões traz um lucro simbólico mais importante” (BOURDIEU, 1983, p. 125).

A autoridade científica forma um capital social que pode ser acumulado e transmitido, assegurando o poder sobre os mecanismos do campo. O capital inicial é representado pelo título escolar, e o aumento deste capital se dá através do reconhecimento do valor dos seus produtos por parte dos seus concorrentes diretos, outros produtores, que são os menos propensos a reconhecê-lo.

O lucro simbólico forma um capital científico que pode ser acumulado, em que “[...] os dominantes são aqueles que conseguem impor uma definição de ciência, segundo a qual, a realização mais perfeita consiste em ter, ser e fazer aquilo que eles têm, são e fazem” (BOURDIEU, 1983, p. 128). É assim que o campo científico se divide em dois polos: dominantes, que buscam a conservação, e dominados, que almejam a sucessão (carreira previsível) ou a subversão (ruptura com a autoridade científica).

Para Kuhn (2001), a manutenção e a ruptura com o paradigma vigente são um processo normal na ciência; contudo, para Bourdieu (1983), a conservação, a sucessão e a subversão são estratégias por parte dos agentes na busca de crédito científico. “A

comunidade científica tem a sua existência negada e se transforma num mercado científico, só que não num mercado de concorrência perfeita” (HOCHMAN, 1994, p. 213).

De acordo com Bourdieu (1983, p. 145), “a ciência jamais teve outro fundamento senão o da crença coletiva em seus fundamentos, que o próprio funcionamento do campo científico produz e supõe”, e para a manutenção deste mecanismo, utiliza recursos que legitimam a ordem estabelecida, como, por exemplo, a linguagem científica, ou como prefere Bourdieu (1983), a retórica de cientificidade.

Analisando sistematicamente esta retórica de cientificidade, percebe-se que a comunidade dominante produz a crença na autoridade científica dos seus membros e no