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Solidariedade entre os pais

CAPIÍTULO III – CONTEÚDO E REGULAÇÃO DO PODER FAMILIAR NO

3.4. Responsabilidade civil dos pais por ato lesivo do filho

3.4.1. Solidariedade entre os pais

Segundo os artigos 186 e 187 do Código Civil de 2006 os pais do menor que comete ato ilícito respondem pelo filho que estiver sob sua autoridade e em sua companhia.

Já o art. 932 do Código Civil de 2002 atribui a ambos os pais, quando sujeitos ativos do poder familiar, a responsabilidade pelos atos de seu filho menor, também sendo igualmente responsáveis, em igualdade de condições, pelo cumprimento de todos os deveres inerentes ao poder familiar.

188 CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS PELOS ATOS ILICITOS DOS FILHOS. MENOR

PUBERE. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. CULPA IN VIGILANDO. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM. SOLIDARIEDADE. INTELIGENCIA DO ART. 1518, PARAGRAFO UNICO, CC. RECURSO NÃO CONHECIDO.

1 - Consoante entendimento jurisprudencial, os pais respondem pelos atos ilícitos praticados pelos filhos, salvo se comprovarem que não concorreram com culpa para a ocorrência do dano.

2 - A presunção da culpa beneficia a vitima, cabendo aos pais o ônus da prova.

3 - Embora o art. 156 do Código Civil equipare o menor púbere ao maior, para os fins de responder pelas obrigações decorrentes de atos ilícitos, os pais respondem solidariamente pelo dano, detendo legitimidade passiva para a ação por meio da qual se postula indenização.

Este dever conjunto de exercício do poder familiar existe independentemente de serem os pais do menor casados ou não. A responsabilidade decorre da própria existência do poder familiar, portanto, correto que seja de ambos os titulares a solidariedade pelo ato ilícito cometido pelo filho menor.

Tem-se nesta solidariedade a finalidade de garantir à vítima maior possibilidade de ressarcimento, pois poderá acionar tanto um quanto ambos os pais para se ver reparada do dano sofrido.

Contudo, o art. 932 dispõe expressamente que os pais respondem pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Esta referência implica diretamente na idéia de coabitação dos filhos e dos pais, que é a forma mais comum pela qual se verifica o exercício do poder familiar.

Desta forma, os pais são responsáveis pelos atos de seus filhos desde que se possa verificar a condição jurídica de submissão do filho menor à autoridade paterna e a fática de viver em companhia dos pais na mesma casa.

Analisando-se restritivamente, este preceito legal indicaria que a responsabilidade dos pais se exclui no caso dos filhos menores estarem vivendo sob os cuidados de terceiros, como no caso de estabelecimento de ensino ou residência de algum parente.

“Se, de maneira contínua e fora do domicílio paterno, o menor é confiado à guarda dos avós, de educador, de estabelecimento de ensino, ou trabalha para outrem, a estes caberá a responsabilidade durante o período em que exercerem o poder de direção do menor”189.

Nestes casos, cabe ao terceiro, responsável pelo menor no momento da prática do ato ilícito, responder pelos prejuízos por ele causados. Cabe destacar, entretanto, que esta responsabilidade é subjetiva, ou seja, passível de análise de culpa, pois a lei somente prevê a responsabilidade objetiva para aqueles sujeitos elencados no art. 932 do Código Civil.

Por conseqüência, a vítima, nesses casos de dano provocado por menores sob a responsabilidade de terceiros, deverá provar que tais pessoas ou instituições não cumpriram com seu dever de prudência e diligência na custódia ou guarda, para que possam ou devam ser julgadas responsáveis.

Há a necessária transferência da responsabilidade à pessoa idônea e igualmente capaz de exercê-la para que os pais se eximam da responsabilidade. Esta transferência também só deve ocorrer por motivo justo e necessário, tal como a inscrição do filho em escolas de regime fechado ou quando o menor é empregado ou preposto de alguém190. Aqui, há, portanto, um deslocamento da responsabilidade

àquele que passa a ter o dever de vigilância.

189 Sergio Cavalieri Filho. Programa de responsabilidade civil, p. 192. 190

Neste caso, a responsabilidade é transferida ao patrão, conforme RT554/148, RT579/119 e RT748/272. Carlos Roberto Gonçalves. Responsabilidade civil, p. 140-141.

Eduardo Oliveira Leite expõe seu posicionamento:

“A noção de guarda aqui invocada deve ser interpretada ‘num sentido mais jurídico que material’. Ou seja, se a guarda fosse interpretada num sentido material, a responsabilidade dos pais deveria ser excluída, sempre que a criança fosse confiada a um terceiro. Não é o caso”191.

O autor acima sustenta a tese de que a presunção de responsabilidade diz respeito apenas aos pais e não a terceiros que provisoriamente detêm a guarda da criança, i.e., não aceita que a responsabilidade seja substituída em casos como uma visita aos avós ou a permanência na escola, na qual se transfere provisoriamente e por curto período de tempo a guarda material do menor.

Percebe-se que a questão é controversa e deve ser analisada caso a caso. Da mesma forma que não é justa à vítima não ser ressarcida pelo dano causado por terceiro toda vez que o menor esteja sob a responsabilidade de terceiro e não materialmente na companhia dos pais, também não parece o mais correto que os pais respondam pelo ato cometido pelo menor em situações em que não lhes seja possível exercer o dever de vigilância, como no período em que o filho permaneça na escola. Se assim fosse, os pais iriam preferir tê -los sob seus cuidados, dentro de casa, constantemente a proporcionar educação e lazer aos menores.

191

Eduardo Oliveira Leite. A situação jurídica dos pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal, p. 218.

Pelo fato de a questão da companhia estar diretamente relacionada à idéia de estar ou não o menor sob a guarda dos pais, Mário Moacyr Porto destaca que “é a guarda e não o pátrio poder o verdadeiro fundamento da ação de indenização”192.

Surge, então, outro questionamento acerca do fundamento da responsabilidade quando apenas um dos pais detém a guarda do menor. Este problema não existe quando os pais vivem juntos, casados ou sob o regime de união estável, pois respondem solidariamente pelos atos dos filhos.

Em relação aos pais separados ou divorciados, na maior parte das vezes, continuam sendo titulares do poder familiar, mas não o exercem efetivamente. Aqui há o exercício unilateral do poder familiar, mas com titularidade conjunta do mesmo.

A lei define que os pais respondem pelos atos dos filhos que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. No caso de exercício unilateral do poder familiar, o menor continua sob a autoridade de ambos os pais, titulares do poder familiar, mas, via de regra, na companhia apenas de um deles: ou daquele que possui a guarda ou de quem está exercendo o direito de visitas.

Desta forma, no caso do exercício não ser conjunto, como na separação e no divórcio, quando o menor se encontra com apenas um dos pais, a

doutrina admite que haja a quebra do princípio da solidariedade parental. Responderá, então, pelo ato ilícito do filho , apenas o progenitor que tiver o filho menor em sua companhia193.

O fundamento deste entendimento encontra-se na impossibilidade de coabitação do menor com ambos os genitores e, portanto, também do término do exercício conjunto do poder familiar, ilidindo-se, desse modo, a culpa do progenitor sem a guarda. Neste caso, a presunção de culpa só poderá ocorrer no período de visitas, pois no restante do tempo a responsabilidade recairá no detentor da guarda do menor194.

Na jurisprudência tem-se a concordância desse entendimento:

“Os pais são solidariamente responsáveis pela reparação civil do ato ilícito praticado pelo filho menor. No entanto, estando este sob a guarda materna, o pai é parte ilegítima para responder a ação” (TJRS, Apelação Cível n. 700066359579, 5ª C. Cível, ReI. Leo Lima, j. 11/3/2004).

“Reparação de Dano - Ato ilícito - Menor - Genitor que não dispõe da guarda -Responsabilidade - Exclusão - Inteligência do artigo 1.521, I, do CC. O pai que deixa de ter a guarda legal

193 Mônica Navarro Michel, ob. cit. p. 70-73. 194

Eduardo Oliveira Leite. Famílias monoparentais – a situação jurídica dos pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal, p. 220. Ainda: Jeovanna Viana, Guarda compartilhada – um novo modelo de responsabilidade parental, p. 92 e Valdemar da Luz. Manual do menor: doutrina, jurisprudência, prática, p. 63.

não terá obrigação de reparar o dano causado pelo filho, se este achar-se confiado à guarda do outro cônjuge, deslocando-se o princípio da responsabilidade para aquele a quem incumbe o dever de vigilância” (TAMG, Ap. Civ. n. 266.444-8, 1ª C. Cível, j. em 22/6/1999, ReI. Juiz Moreira Diniz).

Há de se destacar que no caso da separação de fato, nada se tem no mundo jurídico em termos de previsão, logo, a doutrina entende que deve ser mantida a solidariedade entre os pais:

“Dúvida nenhuma parece pairar em se tratando de separação de fato. Como a separação de fato permanece alheia ao mundo jurídico, todas as presunções se inclinam em direção à manutenção da solidariedade na responsabilidade que pesa sobre ambos os genitores. Assim, ambos os pais são solidariamente responsáveis pelos danos cometidos pelos filhos menores. Poderia o pai, entretanto, num verdadeiro tour de force, invocar a carência de coabitação para afastar a responsabilidade, mas, certamente, veria sua pretensão frustrada face ao caráter ilegal da separação de fato. Se esta separação ‘fática’ provoca efeitos no terreno do divórcio, nada

justifica sua interrupção extensiva em matéria de responsabilidade civil”195.

Daqui extrai-se que o que realmente importa para a definição de responsabilidade não é se o menor está ou não está na companhia dos pais, mas se o responsável é ou não detentor da guarda judicial do menor, pouco importando a situação de fato, mantendo-se a guarda no sentido material.

Da mesma forma como a doutrina não faz qualquer interpretação literal do art. 932, I para sustentar a manutenção da solidariedade nas hipóteses de separação de fato, também não parece haver qualquer razão para que seja excluída a solidariedade dos pais nas hipóteses do exercício unilateral do poder familiar.

Seguindo-se o entendimento dos arts. 1632 e 1589 do Código Civil, tem-se que se a lei é expressa ao determinar que separação judicial, divórcio e dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos, senão quanto ao direito dos pais de os terem em sua companhia, não há porque sempre exonerar os pais que não detenham a guarda da resposta aos atos cometidos por seus filhos, uma vez que o dever (e não apenas o poder) de fiscalização e vigilância permanece sobre a manutenção e a educação dos mesmos.

Não parece ser a melhor solução sobrecarregar o genitor detentor da guarda com uma responsabilidade exclusiva sobre os atos do menor quando

195 Eduardo de Oliveira Leite. Famílias Monoparentais..., p. 219. No mesmo sentido, Waldyr Grisard Filho.

Guarda compartilhada - um novo modelo de responsabilidade parental, p. 91 e Mónica Navarro Michel. La responsabiidad civil de los padres por los hechos de sus hijos, p. 73-74.

decorrentes da falha do dever de vigilância. Atualmente, já é difícil a um casal educar e cuidar de seus filhos, logo, seria mais injusto ainda cobrar de apenas um dos genitores que responda pelas falhas da sua fiscalização individual, principalmente quando essas falhas recaem sobre filhos adolescentes, detentores de maior autonomia196.

Entendimento mais correto seria o da manutenção da solidariedade entre os pais quando for evidente que o ato ilícito não ocorreu por falha no dever de vigilância do pai ou da mãe, mas sim por falha na educação do filho, que é responsabilidade de ambos os genitores. Acertado seria a jurisprudência não analisar a casuística do momento do ilícito para decidir qual o genitor responsável, mas considerar a análise baseando-se na falta de educação e não da vigilância, portanto197.

Sabe-se que tal posicionamento também está sujeito a severas críticas, pois praticamente desconsidera a expressão legal “sob sua autoridade e em sua companhia”, contudo, percebe-se pelas explanações até então feitas que se encontra em maior concordância com a natureza do instituto e com o sistema vigente que determina que mesmo após a separação dos pais (em qualquer das suas formas), ambos os pais continuam titulares do poder familiar, respondendo por todos os deveres em relação aos filhos.

A jurisprudência já admite a solidariedade paterna nesses casos:

196

Jeovanna Viana. Responsabilidade civil dos pais..., p. 246.

“Civil e processual. Acórdão. Omissão não configurada. Ação de indenização. Danos materiais e morais causados por agressão feita por menor púbere (19 anos) ao autor. Responsabilidade dos pais. Legitimidade passiva ad causam. Preclusão. Recurso Especial. Fundamento inatacado. Súmula n. 283-STF. Pátrio poder. Exercício também pelo pai. Matéria de fato. Reexame. Impossibilidade. Súmula n. 7-STJ. [...] IV. De toda sorte, a mera separação do casal, passando os filhos a residir com a mãe, não constitui, salvo em hipóteses excepcionais, fator de isenção da responsabilidade paterna pela criação e orientação da sua prole”198.

Entretanto, se o ato ilícito cometido pelo filho menor for de evidente falta de vigilância de um dos genitores que estiver exercendo unilateralmente o poder familiar quando da sua ocorrência, não deve prevalecer a solidariedade, respondendo pelo ato somente o genitor que claramente descumpriu seu dever de vigilância. Esta hipótese deve ser acatada nos casos em que o responsável pelo menor poderia ter evitado que ocorresse o dano, como quando se empresta a chave de um carro ou quando se deixa uma arma ao alcance do mesmo.

Um novo modelo de guarda tem sido admitido no Brasil. A já mencionada guarda compartilhada, na qual os pais continuam exercendo conjuntamente o poder familiar mesmo após a separação do casal (em qualquer de suas formas). Neste tipo de guarda, ambos os pais são titulares da guarda jurídica

do filho, decidindo conjuntamente as questões mais importantes relativas à vida do menor, como saúde e educação.

Entretanto, mesmo neste tipo de guarda, apenas um dos genitores permanece com a guarda material do filho, pois, em regra, sabe-se que não é aconselhável submeter o filho à mudança constante de casas. Nota-se, assim, que perdura o problema do exercício unilateral do poder familiar, pois o menor habita com apenas um dos genitores e fica em companhia do outro somente nos períodos de visita.

Neste caso, também se pode optar pela responsabilização exclusiva do progenitor que esteja com o filho no momento do ato ilícito que deu origem à indenização. Entretanto, com mais razão ainda, o entendimento acertado seria o da solidariedade entre os pais, que continuam dirigindo conjuntamente a educação do filho.

Essa também é a opinião de Jeovanna Viana:

“O princípio da igualdade de deveres dos pais em relação aos filhos impõe que os prejuízos por estes causados devam ser divididos igualmente pelos seus progenitores, para que este ônus não sobrecarregue apenas um deles, aumentando também a garantia da vítima ser ressarcida pelos danos sofridos. A solidariedade entre os pais é a resposta mais justa a esta questão; caso contrário, o progenitor que não viva

habitualmente com a criança poderá sempre ilidir sua culpa, dada a impossibilidade de ter impedido o fato ilícito, apesar de sabermos que o menor mantém relação próxima e recebe influência constante deste progenitor”199.

Ao se optar pelo regime da guarda compartilhada, a responsabilidade dos pais deve ser sempre solidária em relação aos prejuízos causados pelo filho. A controvérsia sobre este ponto de vista é bem maior do que a existente quanto ao exercício unilateral do poder familiar. Enquanto neste conserva- se apenas a titularidade do poder familiar, naquela, além da titularidade, os pais exercem em comum acordo e conjuntamente o poder familiar, da mesma forma que faziam na vigência do casamento ou da união estável.