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e Stabelecimento do texto grego e edição de referência para tradução

No documento Esopo - Fábulas de Esopo (páginas 95-101)

A tradição esópica

7. e Stabelecimento do texto grego e edição de referência para tradução

Apesar da possível colectânea de Demétrio ser comummente aceite como a fonte primária para os textos que nos chegaram, os estudiosos actuais não têm como comprovar quais as fábulas que constariam dessa mesma colecção. Ora, esta contrariedade coíbe a assertividade na fixação dos textos, quando existem várias fontes escritas, de diferentes períodos e origens, mas raramente coincidentes no conjunto de fábulas que albergam. Além disso, os textos que se repetem nas várias colecções tendencialmente apresentam algumas variantes linguísticas, mais concretamente a escolha do léxico e arranjo verbal; e podem variar na apresentação da sentença final, que de resto é por si só um elemento artificial (vide supra).

O facto de aparentemente não ter existido uma obra que coligisse todas as fábulas de um real autor e dessa forma as fixasse como regra, no que se refere à estrutura e conteúdo dos texto, potenciou a falta de unidade inequívoca entre os vários manuscritos que nos chegaram. Repare-se que essa ausência de regra terá motivado aquilo que seria uma tendência dos copistas bizantinos que, perante um determinado conjunto de textos e conhecendo a tradição de outros volumes, tinham a tendência para adequar a colecção em causa a uma tradição conhecida, bem como a outros textos com os quais tivessem tido contacto (cf. Perry 1936, p. 73). Ora, esta prática promoveu a corrupção das várias variantes de composições familiares com origem na antiguidade e, em vez de instigar a

pluralidade da tradição, removeu dos manuscritos o carácter de colectânea da tradição primordial.

Apesar da transformação que os conjuntos possam ter sofrido, é possível identificar quatro recensões parcialmente independentes e com procedência em diferentes tradições antigas. De uma forma geral e resumida as recensões, com manuscritos com consequência na catalogação e divulgação da fábula esópica são:76

I – A recensão Augustana, cujo nome tem origem no manuscrito Augustanus ou Monacensis 564 (cf. Perry 1936, pp. 77-173; vide Adrados 1999, pp. 60-79), manuscrito em melhor estado de preservação e também o mais célebre desta recensão. O documento mais antigo desta colecção, o papiro de Rylands 493, terá origem no século V d.C.77

II – A colecção tipificada pelo manuscrito Pap. gr. Vindob. 130 (Chambry designa-a em função do manuscrito Canisensis 94, vide 2005, pp. LI-LIV). Também ele célebre, terá constituído fonte para algumas das mais antigas publicações das fábulas de Esopo (cf. Perry 1934 e Perry 1936, pp. 174-203: vide Adrados 1999, 90-3).

III – A colecção Accursiana ou Laurentianus 79, resultante a primeira nomenclatura do nome do seu primeiro editor moderno: Bonus Accursius (cf. Perry 1936, pp. 204- 228).

IV – A colecção formada pelo conjunto do manuscrito Bodleianus Auct. F. 4 e Palatinus quintus de Nevelet, que na generalidade regista essencialmente a obra de Bábrio (sc. recensio).

76 Para um comentário mais aprofundado desta matéria, vide Perry

1936 pp. 71-36, cf. Perry 2007 e vide Adrados 1999 pp. 48-140.

A estas colecções Chambry organiza-as por classes, em função da sua relevância quanto à tradição mais antiga, designando-as por 1ª Classe ou P; 2ª Classe ou C; 3ª Classe ou L; 4ª classe ou B. Esta organização é de uma maneira geral seguida por Perry e Ausrath (cf. também Chambry 2005, pp. IX-LIV).

Além destes quatro grupos de manuscritos, usualmente considera-se um quinto, correspondente a um grupo de textos que não denota propriamente a obediência a alguma recensão, antes coligem textos de várias recensões, sem que para isso tenha sido considerado um determinado critério perceptível e inequívoco.78 Esta é uma matéria abordada

tanto por Perry como Chambry, sendo que é o primeiro o fornecedor dos argumentos para o estabelecimento do corpus da fábula esópica. Todavia, não podemos deixar de notar o trabalho crítico de R. Adrados no comentário aos estudos destes dois filólogos, na monumental obra que nos serve de guia em muitas das considerações sobre o inventário da tradição escrita da fábula esópica e a sua recepção (vide R. Adrados 2003).

A recensão Augustana será a mais antiga e, ao que tudo indica, principal fonte para as restantes. Não nos deteremos em comentários à fixação textual e à catalogação dos textos em função dos manuscritos sobreviventes, pois entendemos não ter base de fundamentação que acrescente algo aos trabalhos de Perry, Chambry e Adrados, ou que de alguma maneira possa tecer uma análise crítica aos mesmos. Na nossa opinião, para isso seria necessário não só o acesso a

78 Deste conjunto fazem parte documentos manuscritos como

todas fontes antigas, actualmente em debate,79 mas também

a descoberta de outras colecções ou coincidentes tradições, entre os vários códices e papiros que permanecem sem estudo. As edições mais commumente seguidas são as de Chambry (2005), Hausrath (1959) e Perry (2007). Ainda que exista uma larga discussão a propósito dos critérios de selecção e correcção dos textos, usualmente a edição de Perry é aquela que mais consenso reúne, enquanto fonte para uma tradução. Isto porque, para além das dificilmente rebatidas opções que toma para o estabelecimento do texto, Ben Edwin Perry abordou a fábula antiga enquanto um corpo único, servindo-se ora de uma fonte, ora de outra, para compor as lacunas provocados pelo tempo em textos desta natureza. Dessa forma, procurou compor conjuntos em função do estilo e estrutura das fábulas, assim como da antiguidade dos manuscritos que nos chegaram. O estudo sistemático da fábula e das fontes antigas que levou a cabo acabou por lhe conferir uma autoridade analítica sobre estes textos, pelo que a edição crítica Aesopica, que contempla toda a tradição fabular da antiguidade, é por excelência a edição de referência para tradutores e estudiosos da Fábula.

Quanto às várias versões constantes das colecções trabalhadas por Perry (vide supra), notamos que o principal método de selecção para a edição Aesopica consistiu no uso da fonte mais antiga, algo que não implica necessariamente maior correcção para com as tradições mais antigas. Porém, está em causa um critério entre outros possíveis e, dado

79 Para a confrontação entre os vários documentos criticados e avaliados

no trabalho destes autores e que servem de base para o corpus que aqui traduzimos, vide tabela comparativa elaborada por Edwin Perry (cf. Perry 1936, pp. 82-145).

que, não existe um elenco exacto dos textos presentes nas antigas traduções, não existe propriamente um critério infalível. Cremos que uma abordagem meramente linguística poderia incorrer em erro da mesma forma, uma vez que as próprios textos têm uma certa conotação artificial. Por esse motivo, torna-se difícil a selecção em função de um critério linguístico.

Hoje a fábula esópica parece ser um género cristalizado, encerrado numa tradição cuja expansão estaria dependente da descoberta de novos materiais. Todavia, continua em circulação nos dias de hoje, seja em edições críticas e traduções, seja na rescrita e recepção de um corpus intemporal (cf. Duan 1994), uma vez que não tem uma cronologia de génese nem um fim anunciado.

No documento Esopo - Fábulas de Esopo (páginas 95-101)