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E STADO ACTUAL DO CONHECIMENTO , MOTIVAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

No documento M EMBRANES AND THES TUDY OFT (páginas 193-196)

I DENTIFICAÇÃO DO P ROBLEMA

B.1. E STADO ACTUAL DO CONHECIMENTO , MOTIVAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

O objectivo inicial deste trabalho consistiu no desenvolvimento de um bioreactor selectivo de membrana, para a degradação de um composto orgânico de mercúrio. Os compostos orgânicos de mercúrio, nomeadamente o etilmercúrio tiobenzoato de sódio (também conhecido como tiomersal, timerosal ou mercúrio tiolato), apresentam um elevado grau de toxicidade aliado normalmente a um forte efeito bactericida. O tiomersal em particular tem sido utilizado regularmente desde os anos 30, a nível industrial, como aditivo em cosméticos, vacinas e outros produtos biológicos. Entre os muitos produtos que contêm tiomersal encontram-se colírios (ex. Cortisporin), preparações nasais (ex. Neo-Synephrine), produtos de cosmética (ex. L’Oreal Miracle Mask) e vacinas (ex. Recombivax HB, Engerix B).

Actualmente, o tiomersal continua a ser o agente antimicrobiano mais utilizado na produção de vacinas, quer para evitar o crescimento de bactérias nas culturas celulares, quer como desinfectante nas linhas de produção [1]. É também comum a sua adição ao produto acabado, em concentrações que variam entre os 10 e os 50 µg por dose, por forma a evitar contaminações microbianas durante o período de armazenamento. É esse o caso por exemplo, das vacinas contra a difteria, o tétano ou a hepatite B. Quando utilizado apenas no processo de produção da vacina, a concentração de tiomersal no produto final é normalmente inferior a 0.5 µg por dose. O tiomersal contêm 49.6 % de mercúrio (p/p) e é metabolizado no organismo humano a etilmercúrio e ácido tiosalícilico, sendo o etilmercúrio maioritariamente excretado como mercúrio inorgânico nas fezes [2,3].

A concentração final de tiomersal nos efluentes que resultam dos processos de produção de vacinas varia entre 25 e 50 mg/l, estando por isso muito acima do limite europeu para descargas de efluentes industriais contendo mercúrio (0.05 mg Hg/l ⇔ 0.1 mg/l tiomersal) [4]. Uma vez que, presentemente, não existe nenhum tratamento selectivo e eficaz que possibilite a eliminação deste composto, a maior parte destes efluentes são enviados para estações municipais de tratamento de águas residuais. O elevado teor em mercúrio nas lamas activadas produzidas impede a sua utilização para fins agrícolas, pelo que as lamas secas são normalmente incineradas. Assim, os efluentes contendo

tiomersal não só têm um impacto ambiental negativo significativo, como o seu tratamento é energeticamente muito dispendioso.

Numa tentativa de resolução deste problema, este projecto de doutoramento inicialmente teve como objectivo o desenvolvimento de um novo processo biotecnológico baseado na extracção selectiva do tiomersal, através de uma membrana líquida suportada, do efluente industrial para um compartimento biológico. No compartimento biológico o tiomersal seria biologicamente degradado a mercúrio metálico. Este poderia então ser recuperado do sistema por arrastamento numa corrente de gás, concentrado e reutilizado.

O processo proposto tornava possível o isolamento completo da cultura biológica, protegendo-a do ambiente agressivo do efluente, ao contrário do que acontece nos processos de tratamento biológico tradicionais.

A degradação contínua do tiomersal no compartimento biológico permitiria manter a força motriz necessária para o seu transporte através da membrana. Para garantir a electroneutralidade em ambos os compartimentos e melhorar o fluxo de transporte, um contra-ião não tóxico seria adicionado ao compartimento biológico.

Umas das principais vantagens deste sistema seria a possibilidade de ajustar a velocidade de transporte do tiomersal através da membrana, por forma a obter, no compartimento biológico, a concentração de tiomersal óptima para a cultura microbiana utilizada. Este sistema permitia também o ajuste independente do tempo de residência hidráulico (TRH) em cada um dos compartimentos. Desta forma, seria possível controlar a concentração de mercúrio residual no efluente tratado, ajustando o TRH, de modo a garantir que esta não ultrapassava os limites legais (< 0.05 mg/l Hg).

Um factor essencial para assegurar um bom desempenho do bioreactor de membrana é a utilização de uma membrana adequada, selectiva para o tiomersal, mas essencialmente impermeável para as outras espécies iónicas presentes no efluente. Adicionalmente, a membrana utilizada deverá exibir uma estabilidade operacional elevada quando exposta a correntes reais de efluente durante longos períodos de operação.

Na altura do arranque deste projecto, pensava-se que todas estas condições poderiam ser alcançadas utilizando membranas líquidas suportadas, preparadas por imobilização de um líquido iónico numa membrana suporte porosa (Figura B.1).

Degradação biol ógica a Hg0 Efluente I ndustrial Compartimento do Efluente Compartimento Biológico Tiomersal Tiomersal Membrana Suporte Membrana Suporte Líquido Iónico

Membrana Líquida Suportada

Contra-ião Contra-ião

Degradação biol ógica a Hg0 Efluente I ndustrial Compartimento do Efluente Compartimento Biológico Tiomersal Tiomersal Membrana Suporte Membrana Suporte Líquido Iónico

Membrana Líquida Suportada

Contra-ião Contra-ião

Figura B.1 – Ilustração do princípio de funcionamento do bioreactor de membrana líquida suportada com líquidos iónicos.

A degradação biológica do tiomersal a mercúrio metálico, no compartimento biológico, baseava-se na utilização de uma cultura microbiana resistente a compostos de mercúrio. A resistência de alguns microrganismos a compostos orgânicos de mercúrio é frequentemente observada na natureza e envolve a utilização de um sistema enzimático próprio. São duas as enzimas chave que participam na degradação do tiomersal: a organomercurial lyase e a mercuric reductase, capazes de quebrar a ligação C-Hg (libertando Hg2+) e de reduzir o Hg2+ a Hg0, respectivamente.

Os líquidos iónicos utilizados na preparação da membrana líquida suportada são sais, líquidos à temperatura ambiente, formados por um catião orgânico e um anião que pode ser orgânico ou inorgânico. Estes líquidos não são voláteis, são estáveis quando expostos ao ar e à água, apresentam viscosidades relativamente elevadas e, dependendo do anião utilizado, são imiscíveis com a água. Para além disso, são excelentes solventes para uma grande diversidade de compostos orgânicos e inorgânicos. Embora se encontrem algumas referências à utilização de líquidos iónicos para aplicações electroquímicas no final da década de 70 [5-7], a síntese e utilização de líquidos iónicos permaneceu relativamente inexplorada até ao início dos anos 90. No entanto, desde essa altura, os líquidos iónicos têm sido objecto de um crescente interesse científico [8-11] e são vistos como potenciais solventes “verdes” alternativos, nomeadamente para reacções de síntese, catálise e bio-catálise [12-14].

A sua utilização em membranas líquidas suportadas parecia portanto muito prometedora, à data de início deste projecto. De facto, as propriedades dos líquidos iónicos indicavam que seria possível imobilizá-los no interior da estrutura porosa da membrana suporte e obter uma membrana líquida suportada muito estável, sem riscos de perdas de líquido por evaporação ou dissolução na fase aquosa. Para além disso, a natureza hidrofóbica dos líquidos iónicos e a sua baixa afinidade para iões como o sódio ou o cloreto [15], sugeriam que uma membrana líquida suportada com líquidos iónicos poderia favorecer o transporte selectivo de tiomersal e, ao mesmo tempo, constituir uma barreira eficaz para evitar o transporte de outras espécies iónicas presentes no efluente e no meio biológico.

Os líquidos iónicos utilizados neste trabalho são formados por um catião substituído de metilimidazólio ([CnMIM]+), no qual se variou o tamanho da cadeia alquílica, e por um

anião inorgânico. Os aniões inorgânicos utilizados foram o hexafluorofosfato (PF6-) e o

tetrafluoroborato (BF4-) (Figura B.2).

Figura B.2 – Estrutura dos líquidos iónicos utilizados neste trabalho.

No documento M EMBRANES AND THES TUDY OFT (páginas 193-196)

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