• Nenhum resultado encontrado

O Status Social da Mulher na Mesopotâmia

No documento Download/Open (páginas 89-93)

1 O DRAMA DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UM PROBLEMA

2.1 O LUGAR DA MULHER NA ANTIGUIDADE PRÉ-CLASSICA

2.1.2 O Status Social da Mulher na Mesopotâmia

Deixando de lado o Egito Antigo, centraremos nossa atenção na Mesopotâmia. Região situada entre os rios Tigre e Eufrates, a Mesopotâmia é caracterizada pelo surgimento de povos e culturas diferentes que foram se sucedendo “interrompidas por períodos mais ou menos extensos de obscurantismo e decadência [...] Encontramo-nos diante de raças e línguas diversas, épocas de esplendor e de decadência, diferenças éticas, religiosas e políticas” (SICRE, 1990, p. 32-33).

Da região mesopotâmica existem, a exemplo do Egito, muitos registros históricos que remontam ao terceiro milênio antes de Cristo. Estes registros

são considerados ricos tesouros da arqueologia porque possibilitaram uma maior compreensão do estilo de vida destes diferentes povos.

Entre os anos de 3200 a 2800 a.C., os primitivos sumérios, povo de provável origem asiática, foram se estabelecendo no sul da região mesopotâmica. Os sumérios foram o primeiro povo da região mesopotâmica a mostrar sinais de civilização. Eles foram responsáveis pela construção de cidades, possibilitando o surgimento da vida urbana, “criação de uma escrita, acentuada divisão social do trabalho, organização de uma forma embrionária de Estado, divisão da sociedade em classes, religião institucionalizada, com sacerdotes profissionais” (PEDRO, LIMA e CARVALHO, 2005, p. 32).

Os sumérios inventaram um sistema de escrita que revolucionou a história da humanidade. Sua relevância encontra-se na quantidade de informações que foram possíveis serem registradas através dele e na viabilidade de preservação destes registros ao longo dos milênios. Eles,

Usavam um estilete de caniço para imprimir pequeninos caracteres cuneiformes sobre tábuas de barro, e depois coziam as tábuas num forno até ficarem duras como tijolos. Enterradas em terreno seco, estas tábuas duraram milhares de anos até nossos dias. Os sumérios foram muito cuidadosos em guardar registros de decisões legais, contratos e transações comerciais. Desse modo, suas tábuas de argila dão-nos um quadro completo e exato de sua vida diária (PACKER, TENNEY e WHITE JR, 1988, p. 16).

Os textos mais antigos encontrados na região mesopotâmica aparecem na escrita cuneiforme “em língua suméria e acádica sobre pedra e tabuinhas de argila; além disso, desde o 1º milênio a.C., também textos em língua e escrita aramaica sobre pedra e óstracos” (DONNER, 2010, p. 20). O famoso Código de Hamurabi e a Lei de Eshnunna figuram entre as mais importantes produções que marcaram estas culturas antigas pré-clássicas.

Na Mesopotâmia a situação da mulher não foi uniforme. Seu status social estava condicionado à época e ao povo ao qual ela pertencia. O papel que lhe era destinado no seio da família, e na sociedade em geral, estava vinculado ao costume e à perspectiva jurídica de cada povo.

A mulher mesopotâmica além de desempenhar o papel de esposa do rei, a quem, tantas vezes, superava em energia e em iniciativa, em algumas ocasiões chegou a assumir a posição de rainha. Outras mulheres, de famílias

mais abastadas, destacaram-se nos negócios, em atividades comerciais, em contratos de empréstimo de prata e cereais, na prática de venda, troca, aluguel ou doação de propriedades, que geralmente pertenciam a elas (SANTOS, 2001a, p. 45-46).

Além disso, a vida religiosa das mulheres mesopotâmicas era muito ativa. Havia desde “prostitutas sagradas” que ocupavam o templo de Ishtar, a deusa do amor, até mulheres de boa família que, por serem impedidas de gerar filhos, viviam em santuários como o do deus Shamash. As mulheres de boa família, entretanto, não ocupavam funções religiosas nos templos, ao contrário, eram distintas mulheres de negócios que enriqueciam comprando casas e terras que alugavam e cultivavam. Quando elas morriam, a fortuna que possuíam era entregue às suas respectivas famílias de origem (SANTOS, 2001a, p. 46-47).

À parte das mulheres que ocupavam lugar de destaque na sociedade, a situação da mulher mesopotâmica comum era determinada com base em preceitos legais vigentes e pela relação matrimonial. A situação jurídica e social da mulher, sobretudo das mulheres da Suméria e da Antiga Babilônia, como bem descreve o famoso Código de Hamurabi, era muito mais livre do que a das mulheres da Assíria.

A mulher babilônica podia fechar contratos e apresentar-se diante dos tribunais, como parte ou como testemunha. Estava autorizada a ocupar certos cargos da administração tais como o de escriba ou membro do colégio jurídico. Encontrava-se legalmente protegida contra a violência ou contra a difamação, mantendo-se, contudo, o caráter patriarcal do matrimônio mesopotâmico (SANTOS, 2001a, p. 47-48).

Na Mesopotâmia, o matrimônio foi estabelecido com base no princípio da monogamia e do patriarcado, sendo toleradas em situações específicas, relações com concubinas e escravas. Sua finalidade primária era a manutenção da casa, do esposo e a geração de muitos filhos, que eram vistos como mão-de-obra fundamental para o sustento da família. O contrato de casamento celebrado entre as famílias dos noivos evidencia o papel atribuído à mulher nestas sociedades. Com a sua morte, o dote, o preço que se pagava à

época pela noiva, geralmente era entregue aos seus filhos (JOSÉ, s/d, p. 14- 18).

Segundo o sistema jurídico que servia de base legal e que ordenava e legislava a vida social do povo assírio, a conhecida Lei de Eshnunna, o matrimônio tinha efeitos legais,

[...]desde que se realizasse um contrato escrito com o pai da noiva. Nestas leis fazia-se constar expressamente que o contrato escrito não podia ser substituído, nem pela permanência ao longo de um ano da mulher junto do homem, o que anteriormente era suficiente para que o matrimônio adquirisse caráter legal (SANTOS, 2001a, p. 49).

A necessidade de se estabelecer um contrato formal por escrito para legitimar a relação matrimonial é encontrada, também, no Código de Hamurabi, o ordenamento jurídico que regia a vida das pessoas na Babilônia. Este Código impunha a mesma condição à mulher que, ao casar-se “abandonava a casa paterna e deixava de encontrar-se sob a autoridade do pai para passar a estar sob a do marido” (SANTOS, 2001a, p. 50). A família, constituída legitimamente a partir do casamento era, portanto, o alicerce basilar da sociedade babilônica, e esta sociedade, da mesma forma que as outras do Antigo Oriente, era estruturada sob um sistema patriarcal de governo (GUIMARÃES, 2006, p. 11).

A dissolução do matrimônio de acordo com as leis da época poderia ocorrer com a morte de um dos cônjuges ou através do divórcio. Havia diferentes preceitos que regulamentavam um novo casamento em casos de viuvez. Na prática, o divórcio só poderia ser solicitado pelo homem. Em alguns casos o divórcio ocorria sem a necessidade de qualquer justificativa por parte deste (SANTOS, 2001a, p. 50-51).

Algumas leis prescritas no Código de Hamurabi amparavam as mulheres em caso de divórcio. Entre as causas que poderiam romper um matrimônio pela via do divórcio contavam: a esterilidade da mulher,

138. Se um homem quer se separar de sua primeira esposa que não lhe deu filhos, deve dar a ela prata correspondente ao preço que o pai do noivo pagou por ela e restituirá o dote que ela trouxe da casa de seu pai; só então poderá deixá-lo. [...] (GUIMARÃES, 2006, p. 36).

A má administração do dinheiro da casa,

141. Se a esposa de um homem, que vive em sua casa, decidir partir e criou para si um pecúlio, dilapidou sua casa, negligenciou seu marido, comprovarão isto contra ela. Se o marido disser que quer repudiá-la, poderá fazê-lo e não lhe dará nada, nem para sua viagem, nem como indenização de separação. Se ele declarar que não quer repudiá-la, ele poderá tomar outra mulher e a primeira permanecerá como criada na casa de seu marido (GUIMARÃES, 2006, p. 36).

A infidelidade conjugal,

142. Se uma mulher tomou aversão a seu marido e disser: “Não terás relações comigo”, seu caso será examinado em seu distrito. Caso ela seja irrepreensível e não cometeu erro de conduta no seu comportamento, e seu marido for um saidor e a tiver humilhado muito, ela será eximida de culpa, tomará seu dote e irá para casa de seu pai. 143. Se não for inocente, mas é uma saidora e arruína sua casa, desonra seu marido, esta mulher deverá ser lançada na água (GUIMARÃES, 2006, p. 37).

Ou, uma enfermidade grave.

148. Se um homem tomar uma esposa, e ela adoecer de moléstia contagiosa, e ele decidiu tomar uma segunda esposa, poderá fazê-lo, mas não poderá repudiar sua primeira esposa, que foi atacada pela doença contagiosa, devendo mantê-la e sustentá-la na casa que foi construída para ela enquanto viver (GUIMARÃES, 2006, p. 36-38).

Pode-se concluir, portanto, a partir dos dados até aqui apresentados que, tal como em outras sociedades, os papéis das mulheres na Mesopotâmia variavam, em nível individual e comunitário, de acordo com suas respectivas condições socioeconômicas. Contudo, permanece o fato de que elas estão inseridas numa sociedade patriarcal, e nesta, a figura do homem é a autoridade final em todas as questões. Até aqui, é possível constatar que a cosmovisão patriarcal e tendência à prática da invisibilização da mulher encontra-se enraizadas nas civilizações mais antigas de que se têm registros.

No documento Download/Open (páginas 89-93)