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É na e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de 'ego'. (BENVENISTE, 2005, p. 286)

Nesta seção, apresentaremos e discutiremos a proposta de Vigostki e de Benveniste quanto à constituição do sujeito e, por conseguinte, quanto à subjetividade171. É principalmente nessa abordagem que está baseada a nossa proposta a partir da qual consideraremos os estagiários participantes desta pesquisa como sujeitos sociais, que se constituem a partir das relações sociais (ou seja, a partir do outro) e que não podem ser considerados senão como sujeitos ativos, dentro de um contexto histórico, social e cultural definido. A abordagem que aqui assumimos defende, sobretudo, a função da mediação semiótica como central para o desenvolvimento humano. A nossa discussão pretende destacar três elementos importantes na abordagem sociohistórico-cultural de Vigotski: o funcionamento intra-individual (sociogênese), o funcionamento interindividual (intersubjetividade) e a relação dialética entre as dimensões intra e interindividuais do ser humano.

Sabemos que a constituição do sujeito é um dos temas mais recorrentes em todas as teorias da Psicologia. A partir de orientações epistemológicas diferentes, essas teorias propõem abordagens próprias para esse tema, assumindo, portanto, diferentes conceitos, questões e procedimentos. Nesta pesquisa, no que se refere à nossa filiação a uma abordagem própria à disciplina da Psicologia, concordamos com a base epistemológica do materialismo dialético, assumida pela escola soviética, cuja principal referência é certamente Vigotski, que desenvolveu sua abordagem fundamentando-se na epistemologia marxista.

O objetivo inicial do autor era resolver a crise da Psicologia no que se refere aos dualismos da época, herdados da cultura iluminista: mente x corpo, espírito x matéria, individual x social, por exemplo. Nessa tentativa, Vigotski acaba propondo uma abordagem própria quanto à

171 Nesta tese, mesmo sem uma discussão aprofundada, defendemos a complementariedade das obras de Vigostki,

Benveniste, Leontiev e Bakhtin [Volochínov], para tentarmos compreender as questões relacionadas à subjetividade, à consciência e à atividade. Para nós, por exemplo, embora haja divergências entre uma e outra proposta de conceber o sujeito, é possível estabelecer um argumento consensual entre essas propostas, na medida em que todas elas defendem a constituição sócio-histórico e cultural do sujeito.

constituição e formação dos sujeitos, processos para os qual contribuem, de maneira determinante, o social e a cultura, permeados pela história.

A partir da ascensão da Psicologia172 como ciência, questionou-se o conceito de subjetividade privatizada assumida no século XIX, o qual partia de ideais românticos e liberais da época. Esse conceito de subjetividade privatizada considerava as experiências íntimas e pessoais, sempre únicas, vividas pelos sujeitos, considerados como sujeitos autônomos, com sentimentos privados. Sendo assim, esse conceito defendia a singularidade e a liberdade dos indivíduos, que estariam à parte de sua cultura e história. Com o advento de novos paradigmas psicológicos, essa concepção de sujeito foi invalidada, sendo a subjetividade compreendida então como interioridade não acessível e o sujeito como exterioridade observável, ou seja, como comportamento (MOLON, 2003). É nesse contexto que Vigotski contesta, no século XX, alguns conceitos propostos e assumidos durante a ascensão da Psicologia como ciência. Esses conceitos, que passariam a ser contestados pelo autor, desprezavam a subjetividade em detrimento da objetividade, pois aquela seria indizível, enquanto esta seria observável.

De acordo com Molon (2003), Vigostki criticou tanto as abordagens subjetivistas idealistas quanto as objetivistas mecanicistas, defendendo que o eixo teórico-metodológico da Psicologia deveria ser o reconhecimento e a valoração do sujeito. Vigostki defendia a unidade (mas não identidade) entre psique e comportamento, havendo, então, correlação entre fenômenos subjetivos e fenômenos objetivos (MOLON, 2003).

Abordando, dentre outras questões, o processo de individuação do homem, cujo resultado seria a subjetividade, Vigotski propôs uma abordagem peculiar quanto à constituição do sujeito, numa perspectiva que considera, sobretudo, a processualidade. Para o autor soviético, o processo de construção e de formação do sujeito social - em sua plenitude - não desassocia o homem da sua inscrição social e histórica numa dada cultura, o que implica que o sujeito e a sua subjetividade são constituídos nas e pelas relações sociais.

Para nós, a consideração mais significativa de Vigostki quanto à constituição do sujeito é a de que se trata de um processo dinâmico e dialético, baseado na cultura, no social e na

172 Dada as nossas limitações teórico-metodológicas, sobretudo causadas por nossa filiação e formação acadêmica,

não ousaríamos aqui refutar o objeto de análise da Psicologia, mas nos sentimos capazes de concordar com a proposta de Vigostki e de Bronckart, pela qual julgamos que o objeto válido da Psicologia é a ação. Ousaríamos afirmar, contudo, que é a subjetividade e a consciência que ela implica a base para a constituição do psiquismo humano. Para nós, as categorias centrais para a compreensão do psiquismo humano são linguagem, ação, subjetividade, consciência e ideologia.

história. Para o autor, não há dicotomia nem dualismo entre o individual e o social, os quais não podem ser considerados como instâncias estanques

Há atualmente certo consenso em relação à função das relações sociais na constituição e na formação do sujeito individual. Porém, esse consenso não descarta algumas controvérsias sobre, por exemplo, o privilégio de uma das dimensões (ou componentes) constituintes do sujeito. Sendo assim, parece haver três orientações (ROSSETTO; BRABO, 2009) baseadas em interpretações de autores quanto à proposta de Vigotski: a primeira privilegia o funcionamento intra-individual (a sociogênese), a segunda privilegia o funcionamento interindividual (a intersubjetividade) e a terceira defende a relação dialética entre ambos os funcionamentos.

Essas três orientações assumem como ponto de partida a proposta de Vigotksi e concordam que a constituição do sujeito está relacionada à função que o outro desempenha nesse processo. Porém, elas se diferenciam quanto ao modo de funcionamento do outro na constituição do sujeito.

Nesta pesquisa, assumimos a terceira orientação, que privilegia a relação dialética entre as dimensões intra e inter-individuais do sujeito. Sendo assim, não assumimos apenas um dos componentes constituintes do sujeito, pois, para nós, um não pode ser concebido sem o outro, já que há entre eles uma relação dialética. Para nós, então, o que interessa é a relação dialética entre as dimensões intra e inter. A partir dessa consideração, defendemos que a constituição e a formação do sujeito processa-se dialeticamente: “a constituição do sujeito não se esgota no privilégio de aspectos intrapsicológicos ou interpsicológicos, mas no processo dialético de ambos, e ainda, o que é mais expressivo, a constituição do sujeito acontece pelo outro e pela palavra em uma dimensão semiótica.” (MOLON, 2003, p. 57).

Nesse processo de constituição, não podemos esquecer da singularidade do sujeito. Para nós, a singularidade ou individualidade do sujeito deve ser compreendida como um processo socialmente desenvolvido. A singularidade implica, para nós, em concordância com Góes (1993), convergência e divergência, semelhanças e diferenças, aproximações e distanciamentos com relação ao outro. Nessa perspectiva, a constituição da singularidade não deixa de implicar conflitos nem tensões, sendo o sujeito o resultado (em constante formação) não uniforme, não harmônico dessas relações (muitas vezes, conflituosas e tensas) entre ele e o outro.

Recorrendo às contribuições de Wallon (apud PINO, 1993), que, sob certa perspectiva, ampliam e desenvolvem a proposta de Vigotski, podemos compreender o processo de constituição da subjetividade do sujeito com base em três momentos: no primeiro, haveria um processo em que ocorreria a fusão do eu no outro; no segundo, o eu se constituiria em sujeito

no processo dialético de negação e reconhecimento de si e do outro; no terceiro, o eu se tornaria consciente da própria subjetividade, dada a oposição e dado o reconhecimento do outro como um “não eu”. Para Pino (1993), é na intersubjetividade que se desenvolve a consciência da subjetividade, sendo aquela o lugar do encontro, do confronto e da negociação das significações privadas e públicas.

Para nós, então, a intersubjetividade, compreendida como a relação do eu com o outro, é a condição (de constituição) da subjetividade e, mais ainda, da consciência e da(s) ideologia(s), que, no que lhe concerne, é a condição das relações sociais nas mais diferentes esferas de atividade humana. A influência da subjetividade na e para a constituição da subjetividade, da consciência e da ideologia processa-se sempre na construção de significados em condições sociais, histórias e culturais definidas, as quais implicam, pelo menos sincronicamente, convergências e divergências (até mesmo conflitos, tensões).

Na sua abordagem sociohistórica e cultural, Vigostki contribuiu para a compreensão do desenvolvimento psicológico da criança, que, para o autor, é um processo cultural, pois a criança desenvolve suas funções psicológicas superiores quando se apropria, em contato com a cultura em que vive, das significações que os outros (no caso, os adultos) atribuem, por exemplo, às ações dela. Para exemplificar essa tese, Vigotski recorre ao ato de apontar da criança:

Inicialmente, esse gesto não é nada mais que do que uma tentativa sem sucesso de pegar alguma coisa, um movimento dirigido para um certo objeto, que desencadeia a atividade de aproximação. A criança tenta pegar um objeto colocado além de seu alcance; suas mãos, esticadas em direção àquele objeto, permanecem paradas no ar. Seus dedos fazem movimentos que lembram o pegar. (...) Quando a mãe vem em ajuda da criança, e nota que o seu movimento indica alguma coisa, a situação muda fundamentalmente. O apontar torna-se um gesto para os outros. A tentativa mal- sucedida da criança engendra uma reação, não do objeto que ela procura, mas de uma outra pessoa. Consequentemente, o significado primário daquele movimento mal- sucedido de pegar é estabelecido por outros. (VYGOTSKY, 1991, p.63-64).

Em concordância com Vigotski, defendemos que os significados que os outros atribuem e que nós mesmos atribuímos, por exemplo, às nossas ações são produtos de um processo histórico e cultural. Esses significados contribuem certamente para a nossa constituição como sujeito. Para nós, então, com base em Vigostki, a subjetividade do indivíduo é desenvolvida sempre na sua relação com o outro, ou seja, na relação entre o eu e o outro. No que se refere especialmente à criança, concordamos com Pino (2005) quando o autor propõe que a criança deixa de ser meramente um ser biológico para tornar-se um ser cultural, através da mediação do outro. É essa transformação que o autor considera como o nascimento cultural do homem. Vigostki considera que a cultura é um elemento integrante da natureza humana e, a partir dessa

consideração, propõe uma nova – e, para nós, produtiva – concepção do desenvolvimento psicológico do homem.

Como síntese da abordagem de Vigotski que assumimos nesta pesquisa, podemos destacar a tese de que a constituição do sujeito é um processo histórico-cultural, sendo a cultura um elemento integrante (e por que não o elemento essencial?) da natureza humana. A partir dessa tese, podemos, então, defender que o sujeito é interativo, que se constitui e se desenvolve na e pela interação (relação dialética) com os outros. Essa dimensão intersubjetiva não pode ser compreendida, segundo Vigostki, como a dimensão do outro, mas sim como a dimensão da relação com o outro. Para o autor, a dimensão intersubjetiva e intrasubjetiva se determinam dialeticamente pela mediação social. É em relação com o outro e em relação ao outro que o sujeito conquista singularidade. Sendo assim, nessa relação dialética, o sujeito reconhece o outro como diferente, ao mesmo tempo em que o outro reconhece o sujeito como diferente. Nessa perspectiva, nos constituímos em sujeito pelo outro quando somos reconhecidos pelo outro.

Nessa perspectiva, a constituição do sujeito é um processo sociohistórico-cultural permanente, para o qual é central as relações dialéticas do sujeito com os outros, as quais são mediadas socialmente. Nessa perspectiva, concordamos com Molon, quando afirma que a subjetividade é “manifesta-se, revela-se, converte-se, materializa-se e objetiva-se no sujeito. Ela é processo que não se cristaliza, não se torna condição nem estado estático e nem existe como algo em si, abstrato e imutável. É permanentemente constituinte e constituída. Está na interface do psicológico e das relações sociais. (MOLON, 2003, p 68) (grifos nossos).

Para nós, toda e qualquer interpretação da obra de Vigoskti quanto ao desenvolvimento humano não pode desconsiderar, sob pena de implicar equívocos de compreensão, a dimensão dialética assumida pelo autor. É sempre na consideração da dimensão dialética que devemos discutir a abordagem sociohistórico-cultural do autor soviético.

Também entendemos subjetividade a partir das contribuições originais de Benveniste, através das quais consideramos subjetividade como a capacidade de o indivíduo, que fala e/ou escreve, se propor como sujeito, ao atualizar, em situações únicas e situadas, a língua: "É um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com outro homem e a linguagem ensina a própria definição do homem" (BENVENISTE, 2005, p. 285).

A subjetividade está, portanto, relacionada a uma propriedade fundamental da linguagem, que é a de ser ego quem fala ou escreve ego. Sendo assim, é sujeito quem fala e/ou

escreve "eu" e que, portanto, assume a posição de "eu", conforme destacamos na epígrafe desta seção.

Assim, a categoria linguística de pessoa é fundamental e determinante para a expressão da subjetividade, embora não seja a única categoria de que dispõem os sujeito173. Se considerarmos, com base em Benveniste, que a subjetividade tem fundamento linguístico, teremos que considerar, portanto, que só pode ser e se tornar sujeito quem usa esse fundamento linguístico.

Em consonância com Benveniste, propomos que o indivíduo se enuncia como sujeito a partir do "eu". O eu designa o indivíduo que se enuncia como sujeito. A subjetividade seria então a passagem do indivíduo a sujeito na e pela linguagem. Portanto, assegurados em Benveniste, associamos homem à linguagem, ou seja, o concebemos o homem em estreita relação com a linguagem.

Portanto, com base em Benveniste, propomos que o fundamento da subjetividade é a categoria linguística da pessoa, que certamente não se resume aos pronomes pessoais. Além disso, o "eu" é uma dentre tantas outras marcas linguísticas possíveis que poderiam assumir a função de marcar a passagem de indivíduo a sujeito.

Como consequência dessa proposta, acreditamos que o sujeito não é propriamente o indivíduo nem o homem. É uma instância decorrente da apropriação da linguagem pelo indivíduo, ou seja, é um efeito dessa apropriação e é marcado linguística e enunciativamente pela categoria de pessoa (especificamente a de 1ª pessoa), conforme discutimos logo acima.

Posto isso, podemos apresentar uma breve síntese do que estamos discutindo até aqui. Condizente com a nossa proposta de abordagem logocêntrica de representações, o nosso conceito de sujeito e de subjetividade174 está relacionado, sobretudo, à perspectiva de constituição do humano como sujeito mediante as relações sociais concretas e situadas sociohistoricamente, pelas quais podemos considerá-lo em termos de diferenças e singularidades que lhe são constitutivas. Assim, nossa concepção de subjetividade, fundamentada em Benveniste e Vigotski, considera o processo constante pelo qual o sujeito se

173 Percebemos a emergência e a expressão da subjetividade em tantos outros elementos linguísticos, enunciativos

e discursivos; já há alguns anos, temos nos interessado especialmente pelas modalizações (GURGEL, 2013).

174 Não pretendemos, nem poderíamos, esgotar o tema da subjetividade. Tentamos apenas propor nossa própria

abordagem da subjetividade, pois consideramos esse conceito central para analisarmos e compreendermos a figuração do agir como processo de linguagem e pensamento.

constitui sujeito em função das múltiplas relações sociais simbolicamente mediadas. Essa constituição é, para nós, constante, porque o sujeito se constitui sujeito ao longo do seu processo de desenvolvimento humano.

Em Vigostki, a categoria de sujeito parece não ter sido privilegiada como objeto de estudo nem como unidade de análise. Contudo, ao discutir sobre a gênese histórica e social da consciência, o autor tratou, mesmo que indiretamente, do conceito de sujeito e contribuiu, assim, para uma perspectiva sociohistórica do sujeito, termo que aparece, em suas obras, como “pessoa” e “personalidade” (DELARI JUNIOR, 2013).

Consideramos importante lembrar que, na maioria das obras da abordagem sociohistórica e cultural, o conceito privilegiado é, ao que nos parece, o de consciência, e não o de subjetividade, que, para nós, é bastante recente, se considerado como um conceito próprio dos tempos modernos, a partir da abordagem cartesiana de Descartes, embora este autor não tenha adotado o termo “subjetividade”. Como explica Delari Junior (2013), o termo subjetividade em língua portuguesa aparece pela primeira vez em 1874, como uma tradução do francês “subjectivité”.

Ao descrever a origem do termo, o autor lembra que a palavra em francês começou a circular no discurso filosófico em 1801, quando Charles de Villers abordou a distinção entre subjetividade e objetividade na filosofia de Kant. Conforme Delari Junior (2013), é a partir dos estudos sobre Kant que o conceito de subjetividade, como relativo a subjetivo, aparece no discurso filosófico da modernidade, que trata(va) da existência universal da liberdade humana. Segundo Habermas, foi Hegel quem propôs a modernidade como tema de interesse filosófico e a liberdade da subjetividade como o princípio dos tempos modernos (DELARI JUNIOR, 2013).

Não estamos considerando aqui o sujeito na perspectiva relacionada nem ao conceito de modernidade nem ao de pós-modernidade. O sujeito não é, para nós, o homem moderno ou pós- moderno, ou seja, o homem constituído na modernidade e na pós-modernidade, respectivamente. Se o considerássemos assim, teríamos que considerar, por conseguinte, que a subjetividade é uma “invenção” da modernidade e/ou da pós-modernidade, a partir da ascensão da burguesia.

A nossa concepção de sujeito é, na verdade, referente ao processo constante pelo qual um indivíduo se desenvolve sujeito na e pela linguagem. Assim, não estamos nos referimos ao processo pelo qual o indivíduo se tornou sujeito devido a condições específicas dos novos modos de organização da modernidade e/ou da pós-modernidade; nos referimos, na verdade,

ao processo pelo qual o sujeito se constitui sujeito nas e pelas ações de linguagem e, portanto, nas relações sociais que se desenvolvem sempre em contextos únicos. Sendo assim, esse processo, que é histórico, cultural, social, está relacionado à própria condição e ao próprio desenvolvimento da humanidade, a partir do surgimento da linguagem, das atividades de trabalho e da cultura. Podemos considerar, então, que a subjetividade não é um processo restrito a um único tempo e espaço, o que não invalida as especificidades e as particularidades dos sujeitos em um tempo e espaço.

Quanto à questão do homem moderno e pós-modernos que mencionamos acima, é evidente que a modernidade e a pós-modernidade, bem como os seus novos modos de organização cultural, econômico, cultural e social, impuseram e ainda impõem consequências importantes ao modo como interagimos e interpretamos o mundo e, portanto, como nos constituímos sujeitos ao longo do nosso desenvolvimento humano. Sendo assim, refutamos os conceitos moderno e pós-moderno de sujeito, sobretudo o segundo, que parece reduzir o sujeito “a quase nada, pulverizado por (in)determinações de toda ordem” (DELARI JUNIOR, 2013, p. 18).175

Para tratarmos da subjetividade, tentaremos nos contrapor à concepção moderna de sujeito e de subjetividade, ao defendermos uma concepção sociohistórica e cultural de sujeito, a partir de uma perspectiva em que seja destacada a função central da linguagem para a constituição e para o desenvolvimento do humano. Ao refutarmos as concepções de subjetividade como característica imanente a sujeitos abstratos, racionais, imateriais, transcendentes e universais, que, certamente, fundamentaram a abordagem moderna da subjetividade, estamos propondo a questão do sujeito em perspectiva diferente da que foi proposta e desenvolvida na Filosofia e até mesmo na Psicologia, já que propomos uma concepção logocêntrica, e não cartesiana, de sujeito e de subjetividade, para a qual nos são importantes as teses de Vigotski e Benveniste. Fundamentados nesses autores, sobretudo em Vigostki, refutaremos o dualismo de Descartes e assumiremos o monismo de Espinosa, bem como a dialética de Marx.

175 Para não sermos incoerentes com os nossos próprios princípios, não estamos, certamente, desconsiderando que

há um processo histórico mais amplo implicado no desenvolvimento científico e social do conceito de subjetividade, “indissociavelmente vinculado às condições materiais específicas dos chamados tempos modernos” (DELARI JUNIOR, 2013, p. 37). Porém, dados os nossos interesses, não poderemos nos deter a discutir as diferentes abordagens do conceito. O que nos interessa aqui é propor uma abordagem própria a partir do diálogo entre Vigotski e Benveniste, a partir do qual fundamentaremos nossa proposta de abordagem logocêntrica da subjetividade e de tudo que ela implica.

Nesta tese, assumiremos, sobretudo, a proposta da gênese histórica da consciência tal como apresentada por Vigotski. É a partir dela que desenvolveremos nossa abordagem da subjetividade. Consideramos que essa nossa escolha é legítima na medida em que consideramos que o conceito vigotskiano de consciência não se restringe ao conceito de consciente (DELARI JÚNIOR, 2013) e pode nos ajudar a compreender a especificidade da condição humana, à qual está relacionada, para nós, o processo de subjetividade.

Nem tudo que constitui nossa subjetividade é consciente, ou melhor, não temos consciência de tudo que constitui nossa subjetividade. Assim, o conceito de consciência não abrange tudo que é constitutivo do modo como nos tornamos e nos desenvolvemos como sujeitos. Quanto mais conscientes formos de nossa subjetividade e do que ela implica, mais capacidades teremos para ressignificar e transformar nossas ações e para nos desenvolvermos como sujeitos históricos, sociais e culturais. Nesta tese, então, não temos condições de abordar questões relativas ao inconsciente, mas o consideramos como constituinte da nossa subjetividade, assim como o são, por exemplo, a ideologia, a consciência e a identidade.

Só poderemos considerar os conceitos de subjetividade, ideologia, consciência e identidade em relação direta com o de linguagem e ação. E é nessa relação que eles devem ser