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CAPÍTULO III – O CONSUMIDOR

3.2. Subjetividade, petróleo e energias

Quando analisa o modo de produção capitalista nas décadas mais recentes, Félix Guattari introduz o conceito de agenciamentos coletivos de enunciação, que concorre com o dispositivo foucauldiano. O pensador afirma que os indivíduos resultam de uma produção de massa e não precisam estar confinados porque são serializados, registados e modelados. Ou seja, a “subjetividade não é passível de totalização ou de centralização do indivíduo. Uma coisa é a individualização do corpo. Outra é a multiplicidade dos agenciamentos da subjetivação: a subjetividade é essencialmente fabricada e modelada no registo social”.44 Os trabalhos de Félix Guattari e Michel Foucault têm conceitos paralelos e há muitos pontos de encontro entre o pensamento de ambos no que se relaciona à relação entre o poder económico e o poder de semiotização. Os dois autores convergem, apesar do uso de terminologias diferentes: o que o primeiro chamou micropolítica do desejo o outro denominou microfísica do poder. A diferença mais evidente é que o método de Foucault passa por produzir cortes em períodos históricos de interesse, enquanto a maior parte da obra de Félix Guattari mantém o foco da análise daquilo a que chamou capitalismo mundial integrado e que, logicamente, aponta para a contemporaneidade pós-disciplinar. Para Guattari, os processos de formação de identidade não são lineares, porque não se trata de um vazio a ser preenchido ou de uma

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DELEUZE, Gilles. Consersações, p. 219-220 44

aquisição individuada – uma subjetividade individual –, mas de uma produção social que pode ser encontrada em todos os níveis de produção e consumo. Também aqui há um descolamento da tradição filosófica que dominou os meios intelectuais por séculos, segundo a qual o sujeito teria uma “natureza humana”, como se fosse um receptáculo a ser preenchido com componentes de subjetivação.

Félix Guattari destaca que, ao mesmo tempo em que é recetor dos componentes que circulam no circuito da subjetivação, o sujeito é também um emissor. O pensador abre uma trilha própria, perseguindo a ideia de uma subjetividade de natureza industrial e maquínica. De facto, a hegemonia do ideário capitalista não se deu apenas ao nível da produção, do chão da fábrica, mas fundamentalmente no plano simbólico. À medida em que a lógica do consumo foi sendo consolidada, foram também engendrados mecanismos que permitiram intervir no plano das subjetividades. Félix Guattari põe o foco na interação entre capital e cultura, duas partes de um mesmo processo que atuam de forma complementar. A dinâmica das relações sociais resulta da imbricação desses dois fatores: o capital produz a sujeição económica e a cultura produz a sujeição subjetiva. Enquanto o capital impõe a sujeição pela mais-valia económica, a economia coletiva do desejo produz a sujeição cultural. No entender de Guattari, o sistema capitalista não é apenas um modo de produção de mercadorias, mas também um modo de produção de subjetividade. O sistema criou engrenagens que focam a existência humana na lógica do consumo, transformando os indivíduos em suportes que fazem transitar valores e desejos. Ou, como afirma Suely Rolnik, num dos textos em parceria com Guattari, “tornamo-nos assim – muitas vezes em dissonância com a nossa consciência – portadores de algumas sequências da linha de montagem do desejo”.45 A micropolítica do desejo é o tema da análise do pensador, que neste campo teve a contribuição decisiva de Gilles Deleuze, com quem lançou o conceito de esquizoanálise.

“A conceção do desejo no campo social, que Gilles Deleuze e eu tentámos desenvolver, tende a questionar a ideia de que o desejo e a subjetividade estariam nos indivíduos e resultariam, no plano coletivo, da interação de fatos individuais. Partimos

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mais da ideia de uma economia coletiva, de agenciamentos coletivos de desejo e de subjetividade que, em algumas circunstâncias, alguns contextos sociais, podem se individualizar [...] Do meu ponto de vista não dá para falar em desejo individual. É a produção de subjetividade capitalística que tende a individualizar o desejo, e quando é vitoriosa nessa operação, não há mais acúmulo processual possível. Instaura-se um fenómeno de serialização, de identificação, que se presta a toda a espécie de manipulação pelos equipamentos capitalísticos. A questão, portanto, não se situa a nível do agrupamento de indivíduos e sim de uma pragmática de processos de produção de desejo que nada tem a ver com esse tipo de individuação. Tal pragmática, quando esmagadora, pode atingir tanto o indivíduo quanto o grupo”.46

A radicalidade do pensamento de Guattari revela-se na afirmação de que a produção de subjetividade é nuclear para a reprodução modo de produção capitalista. O pensador materializa esse conceito ao defender a ideia de que as forças sociais hegemónicas do capitalismo “entenderam que a produção de subjetividade talvez seja mais importante do que qualquer outro tipo de produção, mais essencial até do que o petróleo e as energias”47. Ou seja, a subjetivação capitalista resulta, em larga escala, da ação do grande empreendimento capitalista, das máquinas produtivas capazes de exercer o controlo social. É o que o autor chama divisão social de produção de subjetividade. A manter o foco nessa constatação, não é exagero transpor a subjetividade para o plano das

commodities, bens transacionáveis que atendem às regras da economia e ao

funcionamento do mercado. O sujeito consumidor é um produto da economia, um objeto da cultura capitalista que impõe um processo de “mercadorização” dos indivíduos. Há a imposição de uma economia simbólica, expressa numa certa fraseologia específica, em que a linguagem da cultura se confunde com a linguagem da economia. O lucro capitalista, entende Guattari, é produção de poder subjetivo. Na função de consumidor de subjetividade (o autor destaca o facto de ele também ser um produtor), o indivíduo assimila sistemas de representação que não são naturais. E, para clarificar, cita o exemplo da relação dos jovens com a música, onde uma indústria sofisticada cria um universo

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Idem, p. 232-233. 47

musical que estabelece relações artificiais entre os indivíduos, os objetos usados e os conteúdos. O que se faz, em casos como este, é criar uma nova percepção.

“Tudo o que é produzido pela subjetivação capitalística – tudo o que nos chega pela linguagem, pela família e pelos equipamentos que nos rodeiam – não é apenas uma questão de ideia, não é apenas uma transformação de significações por meio de enunciados significantes. Tampouco se reduz a modelos de identidade, ou a identificações com polos maternos, paternos, etc. Trata-se de sistemas de conexão direta entre as grandes máquinas produtivas, as grandes máquinas de controle social e as instâncias psíquicas que definem a maneira de perceber o mundo [...] Na verdade, a produção de um bem manufaturado não se restringe a uma esfera, à esfera da fábrica. A divisão social do trabalho implica uma quantidade enorme de trabalho assalariado fora da entidade produtiva (nos equipamentos coletivos, por exemplo), e de trabalho não assalariado, sobretudo das mulheres. Aquilo que chamei de produção de subjetividade do CMI (capitalismo mundial integrado) não consiste unicamente numa produção de poder para controlaras relações sociais e as relações de produção. A produção de subjetividade constitui matéria-prima de toda e qualquer produção”.48

Como já foi visto, Félix Guattari afirma que a subjetividade é produzida por agenciamentos coletivos de enunciação, através da ação de processos maquínicos capazes de exercer controlos sociais coletivos. Interessante notar que o conceito de máquinas usado por Guattari sofre a mesma incompreensão que o conceito de dispositivo em Foucault, ambos entendidos pelo senso comum no sentido de dispositivos físicos, quando na realidade remetem para o plano da linguagem, das relações interpessoais ou dos equipamentos sociais. Ou seja, referem a subjetivação linguística, mediática, familiar, militar, empresarial, psiquiátrica, publicitária etc. Félix Guattari reitera que a subjetividade não deve ser enquadrada na ideia de um depósito onde são lançadas coisas a partir do exterior para serem interiorizadas. Ou seja, a subjetividade não é uma posse, mas sim um processo aberto de construção que vai acontecendo na relação com o outro. É uma trama de vias difusas, incessantes e em deslocamento, pois da mesma maneira que

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absorve componentes de subjetivação, o indivíduo também atua como emissor. Não há uma totalidade, mas movimento. Não se trata de uma ação que se exerce, de forma isolada, sobre agentes individuais ou agentes coletivos, pois o que determina esse processo são máquinas de expressão que podem operar tanto no plano extrapessoal (sistemas económicos, sociais, tecnológicos, etc) quanto infrapessoal (afetos, desejos, perceções, etc). Há, enfim, uma linha de montagem de subjetividade no capitalismo.

“As máquinas ganham uma importância cada vez maior nos processos de produção. As relações de inteligência, de controle e de organização social estão cada vez mais adjacentes aos processos maquínicos; é através dessa produção de subjetividade capitalística que as classes e as castas que detêm o poder nas sociedades industriais tendem a assegurar um controlo cada vez mais despótico sobre os sistemas de produção e de vida social. A produção da subjetividade pelo capitalismo mundial integrado é serializada, normalizada, centralizada em torno de uma imagem, de um consenso subjetivo referido e sobrecodificado por uma lei transcendental. Esse esquadrinhamento da subjetividade é o que permite que ela se propague, ao nível da produção e do consumo das relações sociais, em todos os meios (intelectual, agrário, fabril, etc) e em todos os pontos do planeta”.49

Essa descrição põe a nu aquilo que Félix Guattari considera ser uma poderosa fábrica de subjetividade serializada. O conceito de produção maquínica de subjetividade produz um afastamento do ideário marxiano, do qual Guattari também se diz devedor. A ideia de que a subjetividade é elaborada por instâncias individuais, coletivas e institucionais – e de que ela própria (a subjetividade) é matéria-prima essencial para o sistema produtivo – rompe com a tese do poder totalizador dos aparelhos de Estado. A transformação da subjetividade, reitera Guattari, não acontece apenas no plano da ideologia, termo que ele questiona, mas na maneira como os indivíduos vivem os processos de trabalho, leem o mundo e interagem com ele. Não se trata de negar o poder dos aparelhos de Estado, mas sim de pôr em xeque a fixidez da teoria. O pensador lança um questionamento sobre a linearidade da tese marxiana segundo a qual as ideias das

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classes dominantes são as ideias dominantes na sociedade. Ou, como salientariam Marx e Engels, os donos dos meios de produção e integrantes das classes hegemónicas “dominam também como pensadores, como produtores de ideias, regulam a produção e a distribuição de ideias do seu tempo; que, portanto, as suas ideias são as ideias dominantes da época”.50 Guattari não nega essa relação, mas afirma que a subjetividade é plural – coisa a que chama coquetel subjetivo contemporâneo – e não está sujeita a reações hierarquizadas, lineares e fixas. Propõe um afastamento da relação doutrinária entre a infraestrutura material e superestrutura ideológica e afirma que, por estarem amarrados a dogmas teóricos, os marxistas não conseguem apreender o significado da subjetividade e nem entender a sua forma de produção. E, para a análise da sociedade de consumo de massas, propõe a substituição do conceito de ideologia por produção de subjetividade ou subjetivação.

“Essa cultura de massa produz, exatamente, indivíduos: indivíduos normalizados, articulados uns aos outros segundo sistemas hierárquicos, sistemas de valores, sistemas de submissão – não sistemas de submissão visíveis e explícitos, como na etologia animal, ou como nas sociedades arcaicas ou pré-capitalistas, mas sistemas de submissão muito mais dissimulados. Eu nem diria que esses sistemas são ‘interiorizados’ ou ‘internalizados’ de acordo com a expressão que esteve muito em voga numa determinada época, e que implica uma ideia de subjetividade como algo a ser preenchido. Ao contrário, o que há é apenas uma produção de subjetividade. Não somente uma produção da subjetividade individuada – subjetividade dos indivíduos – mas uma produção de subjetividade social, uma produção de subjetividade que se pode encontrar em todos os níveis de produção e consumo. E ainda mais: uma produção de subjetividade inconsciente. A meu ver, essa grande fábrica, essa grande máquina capitalística produz inclusive aquilo que acontece connosco quando devaneamos, quando fantasiamos, quando nos apaixonamos e assim por diante. Em todo caso, ela pretende garantir uma função hegemónica em todos esses campos”.51

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MARX, K. & ENGELS, F.. A Ideologia Alemã, p. 56-57. 51

3.2.1) Sociedade de dados

Quem, então, é o sujeito na sociedade de consumo contemporânea? É um corpo docilizado, submetido, normalizado. Os objetivos do exercício do poder não mudam: em última instância, o que se pretende ainda é docilizar os corpos, tornando-os homogéneos e cada vez mais úteis, de forma a aumentar a eficácia do sistema. O que muda é a forma de produzir sujeitos e, principalmente, estabelecer novos regimes de vigilância. A disciplina, entende Foucault, exige uma vigilância permanente e perpétua, mas o processo tem custos económicos mais elevados. A sociedade de controlo vem tornar o modelo ainda mais eficaz e de menor dispêndio, uma vez que a vigilância material passa pela vulgarização de recursos tecnológicos como, por exemplo, as câmaras de vídeo em espaços comuns, os sistemas de intelligent security management ou mesmo por telemóveis com GPS. E, num plano menos visível para os indivíduos, pelos bancos de dados nas redes digitais, onde estão concentradas informações sobre os indivíduos, através de cartões com chips (cartão do cidadão, de crédito, de débito, de empresas etc), de sistemas que conseguem monitorar os caminhos percorridos na internet (como o Google Analytics) ou também pelo crescimento das redes sociais. Neste último caso, não se trata apenas do aumento de exposição das pessoas no mundo digital, mas também no atingimento daquele que sempre foi um objetivo para o dispositivo publicitário: estabelecer uma relação personalizada com os consumidores (que gerou o fenómeno que decidimos chamar “publicidade invisível”). Cada sociedade tem um tipo específico de máquinas para o exercício do poder, como na descrição de Gilles Deleuze: “as máquinas simples ou dinâmicas para as sociedades de soberania, as máquinas energéticas para a disciplina, as cibernéticas e os computadores para as sociedades de controlo”52. E nos dias de hoje é preciso considerar as evoluções na produção dos média, da informática, da robótica e dos grandes avanços tecnológicos que interferem na vida das pessoas.

Félix Guattari entende que na sociedade capitalista de consumo o ser individual é um “consumidor” de subjetividade. Ou seja, consome sistemas de representação que não correspondem a categorias naturais (aquelas que os antropólogos identificam nas

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sociedades primitivas, nas observações de campo). Em resumo, a subjetividade é formatada a partir de elaborações sistémicas de sentido, uma vez as noções fundadoras do capitalismo interferem não apenas na realidade prática, mas também na realidade psíquica. A ordem capitalística determina padrões de conduta, de sentido, de sentimento ou de afetos, porque interfere nas montagens de percepção, de memorização e de modelação. Quer dizer, a lógica do capitalismo determina a relação dos indivíduos com o mundo e consigo mesmos. Ou, para retomar a proposta inicial deste texto, opera no sentido da criação de próteses de sentido. Mas mais do que isso, entramos aqui no plano do mito, uma vez que as pessoas acreditam ser esta a ordem natural do mundo e, portanto, não deve ser questionada nem mudada, sob risco de comprometer a vida como ela é. Félix Guattari afirma que as produções semióticas dos mass media, da informática ou da robótica, por exemplo, não podem ser dissociadas da questão da subjetividade psicológica. É neste ponto que o dispositivo publicitário mostra a sua importância nos fluxos de subjetivação.

“Do mesmo modo que as máquinas sociais que podem ser classificadas na rubrica geral de equipamentos coletivos, as máquinas tecnológicas de informação e de comunicação operam no núcleo da subjetividade humana, não apenas no seio das suas memórias, da sua inteligência, mas também da sua sensibilidade, dos seus afetos, dos seus fantasmas inconscientes. A consideração dessas dimensões maquínicas de subjetivação nos leva a insistir, em nossa tentativa de redefinição, na heterogeneidade dos componentes que concorrem para a produção de subjetividade, já que encontramos aí: 1. componentes semiológicos significantes que se manifestam através da família, da educação, do meio ambiente, da religião, da arte, do desporto; 2. elementos fabricados pela indústria dos media, do cinema etc. 3. dimensões semiológicas a-significantes colocando em jogo máquinas informacionais de signos, funcionando paralelamente ou independentemente, pelo fato de produzirem e veicularem significações e denotações que escapam então às axiomáticas propriamente linguísticas".53

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Enfim, o sujeito resulta sempre das formas de exercício de poder que se desenvolvem no seu tempo. Em um momento houve mecanismos de controle baseados na presença física do soberano ou por extensões localizadas dessa presença, através de sentidos como olhar e ouvir. Num momento posterior, a aplicação das técnicas panópticas representou enorme salto tecnológico para um modelo de vigilância mais eficaz e que conduziu a uma reorganização dos espaços, tendo as fábricas e quartéis como modelos de uma sociedade disciplinar. E, por fim, com a revolução digital nos tempos mais recentes, o modelo arquitetural panóptico perdeu eficácia e os bancos de dados passaram a representar o exercício do controlo. A marca distintiva desta nova forma de exercício de poder é a deslocalização, uma vez que os dados são armazenados num ciberespaço infinito, etéreo e impalpável. No entanto, há defensores da ideia de que essa nova forma de sociedade, onde os indivíduos são capturados por grilhões informáticos, signifique um ponto de passagem do modelo panóptico para um conceito mais avançado de controlo: o sinóptico (sin/instante – óptico/olhar), termo criado por Thomas Mathiesen, mas que ganhou maior expressão na obra de Zygmunt Bauman. A mobilidade é o principal elemento diferenciador entre os esses dois conceitos: o panóptico impõe uma organização espacial que obriga ao sedentarismo, uma vez que exige uma posição onde as pessoas possam ser observadas; o sinóptico é baseado nos banco de dados e tem como característica a mobilidade, uma vez que é global e não depende de mapeamentos, de pontos de observação fixos. No entanto, o exercício de poder e a lógica disciplinar permanecem.

“O Panóptico laçava seus internos como produtores e/ou soldados, dos quais esperava e exigia uma conduta monótona e rotineira; o banco de dados regista os consumidores confiáveis e dignos de crédito, eliminando todo o restante que não pode ser levado em conta no jogo do consumo simplesmente pelo facto de não haver nada a registar sobre as suas atividades. A principal função do Panóptico era garantir que ninguém pudesse escapar do espaço estreitamente vigiado; a principal função do banco de dados é garantir que nenhum intruso entre aí sob falsas alegações e sem credenciais adequadas. Quanto mais informação sobre você contenha no banco de dados, mais livremente você poderá se movimentar. O banco de dados é um instrumento de seleção,

separação e exclusão. Ele segura na peneira os globais e deixa passar os locais. Algumas pessoas ele admite no ciberespaço extraterritorial, fazendo com que se sintam à vontade onde quer que se encontrem e sejam bem-vindas onde quer que cheguem; outras têm seu passaporte e vistos de trânsito confiscados, sendo impedidas de deambular pelos espaços reservados aos residentes do ciberespaço. Mas este último efeito é subsidiário e complementar do primeiro. Ao contrário do Panóptico, o banco de dados é um veículo de mobilidade, não grilhões a imobilizar as pessoas”.54

Zygmunt Bauman diz também que o sinóptico seduz as pessoas à vigilância e que o ciberespaço permite aos seres locais a observação dos seres globais. No entanto, esses seres globais flutuam acima da realidade quotidiana, pois podem ser pessoas do plano mais mediatizado do desporto, da política ou mesmo as celebridades instantâneas, uma característica dos anos mais recentes. Essas pessoas são admiradas e passam a determinar comportamentos, sempre na órbita do consumo, constituindo-se numa espécie de realeza que guia sem precisar mandar. O uso do verbo flutuar para descrever esse mundo global onde as pessoas podem ser vistas, e a partir de uma distância em que não podem ser tocadas, remete para uma realidade mais recente. A difusão da expressão cloud, que nos

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