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a submeterem-se voluntariamente a uma autoridade externa Quando isto acontece é, em geral, como

num caso de um bando de piratas, em que um pequeno grupo espera grandes ganhos à custa de público e tem tal confiança no líder de modo a estar na disposição de deixar nas suas mãos a direção do empreendimento. É apenas neste tipo de situação que podemos falar de governo surgindo de um «contrato social» e, neste caso, o contrato é mais de Hobbes que de Rousseau – isto é, é um contrato entre eles e o seu líder. O pormenor psicologicamente importante é que os homens só estão dispostos a concordar com um tal contrato quando há grandes possibilidades de saque ou conquista.»

85 Cf. Hobbes, Thomas, Segundo Discurso, De Corpore Politico ou Elementos do Direito da Moral e da Politica, op. cit., cap. III, 8, p. 117; Cf. Também, Espinoza, B. Ética, op. cit., Parte IV, proposição.

XXXVII. Escólio, p. 46. « (...) Cada um existe em virtude do direito supremo da natureza.»

86Cf. Hobbes, Thomas, Segundo Discurso, De Corpore Político ou Elementos do Direito da Moral e da Política, op. cit., cap. III, 9. p. 117.

87 Idem., cap. III, 12, p. 118. 88 Idem., cap. IV, 4, p.124. 89 Idem., cap. IV, 5, p. 124. 90 Idem., cap. IV, 6, p. 124. 91 Idem., cap. IV, 12, p. 127. 92 Idem., cap. IV, 14, p. 127. 93 Idem., cap. IV, 15, p. 128. 94 Idem, ibidem.

39 Sendo assim, o que fazer para que cada homem possa ter segurança para viver em paz?

Segundo Hobbes, é o consenso que leva à união e aqui, o homem deve renunciar ao exercício dos seus direitos e assumir as suas obrigações, isto é, ele obriga-se a «submeter a sua vontade à ordem dum outro, obriga-se a abandonar a sua força e os seus meios àquele a quem promete obedecer»95a união, ou seja, ao Corpo Político.96 Assim sendo «o poder

soberano, consiste na força e o poder que cada um dos membros lhe transferiu por pacto»97 e

cada membro do Corpo Político é um súbdito, ou seja, um «súbdito do soberano.»98

Efetivamente, procura-se, desta forma, efetuar a conexão entre a razão e a motivação humana. Portanto, a hostilidade ilimitada que maximizava no estado natural uma situação de «guerra de todos contra todos» onde a preservação era individual, aqui é «o medo de não poder de outra maneira de proteger-se»99 que o leva ao pacto,100 ou seja, o medo é o

leitmotiv para convencer os indivíduos a cumprirem os seus pactos, alterando assim a sua condição humana.

Que possibilidades reais existem para que o pacto seja transgredido e assim retroceder-se ao puro estado de guerra?101

Segundo Hobbes, é a suscetibilidade da condição humana de se «desagregar e cair na guerra civil»,102o «sofrimento corporal,»103 o desarranjo do espírito, mas, também, o

descontentamento profundo «de não possuir um poder, nem as honras que o testemunham»104

e que, por consequência, o «dispõe à rebelião.»105 Isto tudo, devido ao facto de que «os

homens pensam, ou aparentam pensar, que em certos casos, é legítimo resistir ao que, ou aos que têm o poder soberano,»106 ou seja, a natureza humana tem sempre um afã de poder, pois

que o «bom sucesso do povo é a lei suprema (salus populi suprema lex) sendo assim necessário entender não a simples preservação da sua vida, mas, em geral, o seu benefício.»107

95 Idem, cap. VI, 7, p.139. 96 Idem, cap. VI, 8, p.140. 97 Idem, cap.VI,10, p.140. 98 Idem, ibidem.

99 Idem, cap.VI,11, p.140.

100 Cf. Espinoza, B. Ética, op. cit., Parte II, Proposição VII. «A ordem e a conexão das ideias é a mesma

que a ordem e conexão das coisas.»; Cf. Também. Proposição. XIII, Lema I, «Os corpos distinguem-se uns dos outros em razão do movimento e do repouso, da rapidez e da lentidão, e não em razão da substância»; Cf. Também. Axioma II- definição os corpos «Quando um certo número de corpos da mesma ou de diversas grandezas são constrangidos pela ação dos outros corpos a aplicar-se uns sobre os outros; ou, se eles se movem com o mesmo grau ou com graus diferentes de rapidez, de tal maneira que comunicam os seus movimentos entre si segundo uma relação constante, diremos que esses corpos estão unidos entre si e que, em conjunto, formam todos um corpo, isto é, um indivíduo que se distingue dos outros por essa união de corpos.»

101Cf. Platão, República, op. cit., Livro II, 373d. «A exiguidade como causa da guerra.»

102Cf. Hobbes, Thomas., Elementos do Direito Natural e Político, Segundo Discurso, Corpore Político,

op. cit., segunda parte, cap. V, 8, p.185.

103 Idem, cap. VIII, 8, p. 214. 104 Idem, cap. VIII, 3, p. 215. 105 Idem, cap.VIII,3, p.216. 106 Idem, cap. VIII, 4, p. 216. 107 Idem, cap. IX, 1, p. 226.

40 Por esta razão e outras, Hobbes independentemente do soberano ser bom ou mau incita a natureza humana para uma unidade que visa a conservação e uma vida mais satisfeita, porque «as comodidades da vida são a liberdade e a riqueza»108 e esta é possível

porque as leis são escritas para todos devido à inexistência de um «outro meio de as conhecer, mas supõe-se que as leis naturais estão gravadas no coração do homem»109 É como

se encontrássemos uma dicotomia entre a desordem do estado natural e a ordem sociopolítica, ou seja, um estado natureza que representa um estado não político, constituído por indivíduos singulares não associados, livres e iguais, nas relações uns com os outros. Por isso, a liberdade e a igualdade são maximizadas como caraterísticas de um «estado de guerra de todos contra todos», onde o Bem e o Mal são valorados subjetivamente e exteriorizados sob violência, devido ao facto de possuírem força para que a sua autoconservação seja a única lei. Isto porquê? Porque a natureza humana só reconhece no outro o objeto do seu próprio interesse, desejo e avidez. Tal desejo assenta numa incontrolada aspiração obsessiva em aumentar desmesuradamente a sua vontade de poder. E a razão deste comportamento deve-se ao facto de a cobiça natural não conhecer limites naturais.

É também o estado natureza que fornece os elementos que justificam a necessidade de um «contrato», como se tratasse do único instrumento para uma transição do estado natural para o estado social. Esta necessidade ocorre porque o ser humano coloca como primeiro motivo o medo recíproco que cada indivíduo sente ao ser eliminado por um outro indivíduo e não uma vontade de ser genuína de liberdade. Ora, perante tal situação existencial «de guerra de todos contra todos,» a natureza humana infere uma organização social assente em princípios racionais de controlo, ou seja, torna-se possível uma transferência de poder assente numa doação mútua, em que cada parte em consenso e em união, cumpre a sua obrigação.

Posto isto, temos, então, uma igualdade de direitos no exercício da liberdade perante uma lei que é artificial, mas que é materializada por um código linguístico comum a todos. Neste caso, a igualdade da lei constitui uma mera conservação da natureza humana e a sua violação a punição do indivíduo. Sobreponde, à racionalidade da vontade de domínio do indivíduo uma racionalidade artificial: o dever político de uma possível coexistência pacífica. Mas, as relações entre as vontades individuais e entre o poder dominador poderão não ser cumpridas, porque se houver contradição entre o Corpo Político e a natureza individual o estado de guerra, aparentemente adormecido, emergirá em forma de rebelião.110

A vontade tem sempre o poder de eleger a rebelião contra um estado de poder que impõe uma vontade de moral, porque nos dita regras e princípios que orientam os nossos

108 Idem, cap. IX, 4, p. 427. 109 Idem, cap. X, 10, p. 236.

110 Cf. Russell, B., O Poder Uma nova análise social, op. cit., Cap. 15, p.162. «A rebelião pode ser de

dois tipos: pode ser puramente pessoal ou pode ser inspirada pelo desejo por um tipo diferente de comunidade daquela em que o rebelde se encontra. (…) O homem que se recusa a obedecer á autoridade tem, pois, em certas circunstâncias, uma função legítima, tendo em atenção que a sua desobediência tem motivos que são mais sociais do que pessoais.»

41 comportamentos, não deixando sentir, agir e cunhar uma verdade capaz de virtude contrária aos interesses de quem exerce o poder. É uma voz interior, vontade inconsciente, que está num estado de permanente vigilância para impor um outro sentido ao existir. Contudo, não a conseguimos ver, só vislumbrá-la sem sabermos o que é real. E aqui, o mais fácil é divinizá- la,111 ao fazê-la comungar com a vontade humana, mas fazendo-a na intenção, por intermédio

de automatismos e valores incutidos, por endoutrinamento, no processo de socialização e que podem determinar o nosso agir sem serem questionados. Vontade de ser política, porque ela quer ser efetivamente libertadora e não castradora, contudo a humanidade não a deixa ser e, quando pretende ser o Homem julga-a, vilipendia-a, escarnece-a e, por fim, mata-a ou crucifica-a.112

Assim sendo, a natureza humana sabe que a vontade existe, sente que age segundo uma vontade e que não só está ligado eternamente a ela, como também ao outro, ao universo e que tudo o que o rodeia está imbuído de uma intenção/força animada por uma vontade. 113

111Cf. Hamilthon, Edith, A Mitologia, 4ª edição, Publicações Don Quixote, Lisboa, 1991. Na antiguidade

clássica, por volta do ano 700 a.C., o ser humano produziu, sustentou e desenvolveu, todo um mundo de divindades que tem como resultado final encontrar explicações para acontecimentos inexplicáveis do agir humano. Isto é uma influência especial, dado ser mais cómodo, ou maléfica, nos destinos das vontades dos indivíduos. Esta mitologia é composta basicamente por um conjunto de histórias, mitos e lendas, sobre uma grande variedade de deuses. É todo um politeísmo que não possui um código escrito, ou seja, um livro sagrado. Os deuses gregos tinham forma humana, antropomórfica, e ainda possuíam sentimentos e vontades humanas, como o poder, o amor, o ódio, etc. Alguns deuses viviam no alto do Monte Olimpo, numa região da Grécia conhecida por Tessália, e formavam três grupos que controlavam o universo: o céu ou firmamento, o mar e a terra. Na mitologia grega existiam doze principais deuses, que eram conhecidos como Olímpicos, eram: Zeus, pai espiritual dos deuses e das pessoas, Hera, esposa de Zeus e deusa que protegia casamentos, Atena, deusa da sabedoria e da guerra, Hefesto, deus do fogo e das artes manuais, Apolo, deus da luz, da poesia e da música, Ares, deus da guerra, Ártemis, deusa da caça, Héstia, deusa do coração e da chama sagrada, Afrodite, deusa do amor e da beleza, Poseidon, deus do mar, Hermes, mensageiro dos deuses e deus das ciências e das invenções, e Deméter, deusa da agricultura. Hades, deus dos mortos, que não era considerado um Olímpico, era um deus muito importante. Dionísio, deus do vinho e do prazer, era muito popular e em algumas regiões chegou a ser tão importante quanto Zeus. Ou seja, estamos perante uma mitologia grega que não só apresenta uma estrutura governativa, como também enfatizava o contraste entre as fraquezas dos seres humanos e as forças da natureza. Não obstante isto, somos ainda confrontados com uma conduta humana que admite como algo de legitimo a dependência da sua vida depender completamente da vontade dos deuses. Apesar das relações entre os seres humanos e os deuses serem amigáveis. Estes, os deuses, aplicavam castigos aos mortais que revelassem uma conduta inaceitável, ambição extrema, prosperidade excessiva e etc. Neste sentido temos todo um corpus estrutural que incorpora em si a negação de uma vontade ontocrática de igualdade e de liberdade de ser.

112 Cf. Platão, Górgias, op. cit., 519c. «Quando a cidade chama a contas algum dos seus homens de

Estado por qualquer falta cometida, vejo-o indignar-se e a protestar contra a injustiça de que é vítima. (...) Um chefe de Estado nunca pode ser vítima inocente da cidade a que preside.»

113 Cf. No poema filosófico de Parménides, Sobre a Natureza, 1ª edição, Lisboa editora, Lisboa, 1999,

dividido em duas partes distintas: uma que trata do caminho da verdade (alétheia), unidade, imobilidade do ser, o ser é uno, eterno, não gerado e imutável, e outra que trata do caminho da opinião (dóxa), o mundo sensível como mera ilusão, ou seja, onde não existe nenhuma certeza. Daqui decorre a hipótese de existir algo mais que se opõe à realidade que a condição humana vivencia. De forma antagónica, Heraclito de Éfeso, diz-nos que tudo está em perpétua mutação. Contudo, numa análise mais aprofundada dos fragmentos de Heraclito e Parménides, podemos achar um mesmo todo para os dois e esta oposição entre as suas visões acerca do todo passa a ser cada vez menor.

42 O ser humano está condenado a viver na vontade, contudo ela não deixa de tentar fazer política.

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