• Nenhum resultado encontrado

Sucata humana: o atendente como peça de descarte das empresas de call center

5. A LER/DORT NO CALL CENTER

5.5 Sucata humana: o atendente como peça de descarte das empresas de call center

Vimos, até o momento, que os atendentes de call center, como outras categorias profissionais, encontram-se extremamente vulneráveis frente às mudanças ocorridas no mercado de trabalho, mudanças que não só impõem condições precárias de trabalho, mas também deixam os trabalhadores à mercê da sorte e, muitas vezes, de sindicatos incapazes de acompanhar a velocidade de tais transformações.

O cenário que apresentamos mostrou que a realidade do call center de uma empresa de telecomunicações no Ceará não é tão diferente das demais centrais de atendimento que já foram alvos de estudos (VILELA E ASSUNÇÃO, 2004; GLINA E ROCHA, 2003; FERNANDES, DI PACE E PASSOS, 2002).

O call center que analisamos, no entanto, apresenta algumas peculiaridades que nos chamaram atenção, como a questão da idade e do nível de escolaridade que têm seus trabalhadores. Eles ingressaram cedo no mercado de trabalho e já apresentavam uma relativa qualificação para o cargo. Desde então, ficavam expostos a um débil vínculo empregatício, intensos ritmos de trabalho, tarefas repetitivas que, somados à própria organização do trabalho que limitava seus movimentos, sua fala e sua autonomia, conduziam estes jovens trabalhadores ao adoecimento precoce. Com isto, impôs-se a necessidade de reabilitação, o risco demissão e, por fim, a limitação da capacidade de trabalho para outros setores do mercado de trabalho.

Ao deparar com esse universo de adoecimento, o atendente tendia a enfrentar, sozinho, sua dor e sofrimento, porque não podia contar com a empresa nem com alguns de seus colegas, pois não era raro estes acreditarem que se tratava de simulação de sintomas. Quanto ao sindicato, que deveria lutar pela melhoria desse quadro, encontrava-se enfraquecido e pouco à vontade para tomar medidas mais enérgicas. Como se não bastasse, quando esse trabalhador buscava auxílio junto ao INSS, poderia ser confrontado com um prognóstico que o culpabilizava.

Nas situações em que era emitida a CAT, o atendente, após alguns meses, retornava à empresa, supostamente reabilitado, para exercer um trabalho muito abaixo de suas potencialidades e conhecimentos. Ele sabia que permaneceria neste novo posto somente durante o período assegurado por lei e, por isso mesmo, muitas vezes, mostrava certa apatia, medo e apreensão quanto ao futuro.

O que se pode apreender disto é que um dos grandes desafios para este trabalhador é enfrentar a disputa no mercado de trabalho em igualdade de condições com parte de sua força de trabalho comprometida. Não enfocamos os tipos de limitações por entender que já foram amplamente discutidas em outros estudos (GRAVINA, 2004; PENNELA, 2000), mas consideramos importante levantar a questão: o que tem sido feito com esses trabalhadores que estão iniciando sua vida profissional já com diagnóstico de LER/DORT?

Constatamos através de pesquisas, como as de Silva (2004) e Peres (2003), que muitas instituições como o Ministério Público do Trabalho têm buscado algum diálogo com as empresas de call centers, visando a que estas modifiquem suas condições de trabalho, principalmente no tocante à regulamentação das pausas e da redução da jornada de trabalho. Não tem, entretanto, havido disposição efetiva por parte delas para mudar tal panorama. As empresas, como já dissemos, fazem uma leitura literal da lei quanto ao enquadramento da função do atendente em relação ao número de toques por hora. Com isto, procuram esvaziar esta discussão, tomando como argumento a inexistência de estudos científicos que comprovem a real necessidade das pausas, confrontando, assim, diretamente essas instituições. Na verdade, o que as empresas não querem é abrir mão de lucros auferidos à custa da intensificação do trabalho do atendente. Além disso, elas sabem que podem contar com um “exército de reserva” ávido para engrossar as posições de atendimento (PA’s).

O que queremos dizer é que o que tem sido feito até agora significa um avanço em relação à problemática da LER/DORT, já reconhecida como uma doença decorrente

do trabalho, mas ainda é insuficiente para mudar a realidade de trabalhadores em situações de trabalho, entre as quais estão as inúmeras centrais de atendimento. Nessa queda de braço entre as empresas, os sindicatos e as instâncias como o MPT, quem tem se visto em desvantagem são os trabalhadores que, muitas vezes, retornam para a sociedade adoecidos e desacreditados, muitos deles extremamente jovens e “qualificados”. Nas palavras do sindicalista Alberto: “O trabalhador sujeito a adoecer novamente é descartado para ser um problema a menos na empresa (...) é uma ‘mera peça de reposição’[...]”. O que este ex-dirigente sindical aponta é o descompromisso por parte das empresas para com a saúde de seus trabalhadores no sentido de que, enquanto puderem trabalhar possibilitando lucros, eles têm algum valor para a empresa, mas, à medida que adoecem, passam a ser um problema e, como tal, precisam ser descartados.

Por serem consideradas “meras peças de reposição” pelas empresas, os atendentes não são alvo de políticas internas que preservem sua força de trabalho. Ao contrário, são vistos como um “produto” a ser consumido avidamente e depois facilmente descartado, visto se tratar de uma mão-de-obra abundante, ou nas palavras de Alberto, “batalhão de reserva”. Adoecidos, esses atendentes se tornam “sucatas humanas”, muitas vezes, jovens e qualificados, porém com sua força de trabalho comprometida.

O termo “sucata humana” nos pareceu apropriado para designar esses profissionais adoecidos, pois encarnam com muita propriedade a descartabilidade a que estão sujeitos. Além disso, utiliza-se, normalmente, o termo “sucata” quando um objeto deixou de ter valor, de ser importante, quando se torna “ferro-velho” e passa a ter uma estimativa de preço consideravelmente menor e a ficar na “reserva” à mercê de compradores. Fazendo uma analogia com os “nossos atendentes”, eles também ficam relegados à própria sorte, muitas vezes, sem amparo previdenciário e com dificuldade de se recolocar no mercado como se fossem, de fato, “sucatas humanas”.