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Panorama do processo histórico das pessoas com deficiências

1.2 Sucinto relato sobre os diferentes momentos

A história das pessoas com deficiências tem acompanhado a história da humanidade; suas variáveis se relacionam à visão de mundo e à sociedade de cada época. Infelizmente, o ponto convergente em todos os tempos é a presença da tirania e da perversidade nas relações humanas. A visão de homem, sociedade, produção, economia e a religião são questões que demarcam e contribuem para processos de exclusão e até mesmo de extermínio das pessoas com deficiências nas sociedades.

Na Antiguidade, as classes sociais divididas entre ‘nobreza11 e povo’12 já estabeleciam relações de força e poder através do trabalho. As trocas se efetivavam mediante a oferta de tarefas práticas e braçais dos ‘menos favorecidos’. Nesse caso, as pessoas que não contribuíam para a ‘economia da época’, no caso, os deficientes, eram naturalmente ‘condenados ao abandono ou extermínio’; afinal, nada podiam oferecer àquela sociedade.

KANNER (1964) relatou que a única ocupação para os retardados mentais encontrada na literatura antiga é a de bobo ou de palhaço, para a diversão dos senhores e de seus hóspedes (p. 5).

Com o advento do Cristianismo e a crença na ‘existência da alma’, a filosofia de vida social passou a se fundamentar em princípios morais cristãos. Nesse sentido, os deficientes, ‘pessoas diferentes’, não poderiam mais ser exterminados, pois ‘todos eram filhos de Deus’; sua sobrevivência agora estava sujeita à ‘caridade dos demais filhos de Deus’. Constituiu-se assim uma demanda de pedintes, mendigos, idosos, crianças abandonadas, pessoas surdas, cegas, deficientes mentais, físicos, todos aqueles que não contribuíam economicamente para a sociedade.

No século XIII, surgiram as primeiras preocupações com ‘cuidados’ para as pessoas deficientes, principalmente aquelas que possuíam ‘bens materiais’, os quais poderiam ser herdados pelas ‘instituições de caridade’ que delas se ocupassem. Importante salientar que esses cuidados estavam relacionados às necessidades básicas de sobrevivência dos deficientes,

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Que representavam a minoria da população. 12

que não eram considerados humanos, mas uma ‘espécie sub-humana’, uma laia diferente e degradante; muitos deles eram utilizados como escravos.

No período da Inquisição da Igreja Católica, século XV, a Igreja, como detentora de plenos poderes políticos e religiosos, passou a considerar as pessoas com deficiências ‘hereges e endemoninhados’, e muitos eram queimados nas fogueiras. Após esse período, durante a Reforma Protestante, a posição dos religiosos, e conseqüentemente da sociedade da época, não mudou em relação aos preconceitos. As pessoas com deficiências eram consideradas culpadas, marcadas por ‘Deus’, e sua ‘falta’ era sinal de penitência na vida. As causas eram de ‘ordem espiritual para a expiação dos pecados’.

O homem é o próprio mal, quando lhe falece a razão ou lhe falte a graça celeste a iluminar-lhe o intelecto: assim, dementes e amentes são, em essência, seres diabólicos (PESSOTTI: 1984, p. 12).

No século XVI, surgiu uma nova forma de ordenamento econômico, social e político em que a divisão do trabalho e a força eram produtos de valor no mercado. Grandes descobertas em todas as áreas marcaram esse século, e as pessoas com deficiências passaram a ser tratadas (como experimento) pela ‘alquimia, pela magia e pela astrologia’, métodos que antecederam a medicina.

No século XVII, com o despontar da medicina, os fatores sobrenaturais foram repensados e foi aventada a possibilidade da deficiência estar relacionada a questões de déficit do organismo humano. Esses foram os primeiros registros sobre a hipótese de tratamento médico nas questões referentes às deficiências. Esses ‘ensaios’ realizados através de métodos primários e incipientes foram dando pistas para estudos posteriores nesse campo.

No século XVIII, as primeiras hipóteses do desenvolvimento através da estimulação do ser humano começaram a ser cogitadas para o ‘tratamento das pessoas com deficiências’. Essa possibilidade mais tarde traria contribuições para ações relacionadas à educação.

O preconceito e a discriminação têm sempre marcado a história das pessoas com algum tipo de deficiência, fazendo surgir o ‘paradigma da institucionalização’, que consiste no confinamento e reclusão dessas pessoas em instituições destinadas a esse fim. Nesse contexto, incluem-se hospitais psiquiátricos, manicômios, sanatórios; tais instituições eram

geralmente construídas em locais bem distantes das cidades para salvaguardar seus moradores das possibilidades de contato e convívio social com ‘seres repugnantes’.

Vale ressaltar que essa segregação tinha como premissa que as pessoas não deveriam conviver com outras diferentes delas, sob pena de prejudicá-las com seus ‘maus hábitos’. Logo, os pressupostos de ensino, que eram a padronização e normalização de comportamentos, nem eram sequer cogitados para esse grupo.

Todos os esforços da medicina nesse paradigma creditavam a possibilidade ‘de normalizar a pessoa com deficiência’, de forma a ser integrada na sociedade e conviver com as ‘pessoas normais’. Caso isso não fosse possível, seu melhor destino era a reclusão total, com tratamentos medicamentosos, sedativos e choques elétricos: ‘eles devem ser contidos, já que não conseguem ter o mesmo comportamento que os demais’13.

Somente depois de muitos anos, esse paradigma começou a ser contestado por estudos e pesquisas que comprovaram sua ineficiência pautada no caráter de segregação. Além disso, os altos custos que recaíam sobre o ‘Estado’ também eram fatores que implicavam onerosos gastos públicos.

Na educação, esse reflexo se retratou no surgimento das instituições, associações de pais e algumas classes especiais, as quais as pessoas com deficiências poderiam freqüentar ‘com seus iguais’.

No século XX, iniciaram-se os movimentos denominados normalização e desinstitucionalização. Assim, as pessoas com deficiências deveriam retornar à sociedade e tentar sua integração em todos os âmbitos sociais. É importante ressaltar que nesse sentido, a sociedade era tida como condescendente em ‘receber essas pessoas apesar de suas deficiências’, e elas poderiam, segundo suas possibilidades, se adequar ao entorno social. A mudança e a busca de inserção deveriam partir do sujeito.

Nessa perspectiva de normalização, alguns serviços eram oferecidos às pessoas com deficiências, supostamente através dos sistemas de saúde ou instituições de caridade, onde elas poderiam ser atendidas para tratamento e acompanhamento terapêutico.

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