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Sujeito do Iluminismo

No documento MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO (páginas 31-34)

2 REFERENCIAL TEÓRICO-EMPÍRICO

2.1.1.1 Sujeito do Iluminismo

Em sua obra Identidade Cultural na Pós-Modernidade, Hall (2006) traça um breve esboço sobre como a concepção de sujeito mudou durante a modernidade, fixando sua descrição em três pontos específicos. Hall (2006) mostra que de sujeito unificado e coeso que nasce com a modernidade (sujeito do Iluminismo), ele se torna um sujeito relacional (sujeito Sociológico) que, hoje em dia, se transformou no sujeito descentrado (sujeito Pós-moderno).

De acordo com Hall (2006, p.10), “o sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação [...]”. Esta visão sobre o sujeito fazia com que ele fosse entendido como portador de um núcleo interior construído durante toda sua vida. Apesar de ser construído ao longo do tempo, este núcleo interior do sujeito permanecia basicamente o mesmo durante sua existência, sendo assim, unificada e coerente. Desta forma, o sujeito do Iluminismo é um ser individual, capaz de pensar e raciocinar.

Esta concepção se inaugura com Descartes a partir de sua afirmação: “Penso, logo existo”. Para Descartes, esta verdade faz surgir o homem como “coisa pensante”, ou seja, o único animal com razão e consciência (SALES, 2007). Deste modo, Descartes, inaugura um novo olhar sobre o ser humano que marcará uma nova época, da política à ciência. Ao contrário do sujeito Aristotélico11, sentido da filosofia clássica mantido pela filosofia medieval, em que o termo sujeito era utilizado para designar qualquer substância e não somente o ser humano, o sujeito Cartesiano, inaugurado por Descartes, surge pela primeira vez designando somente o ser humano. A partir de Descartes o indivíduo é visto como um ser racional que privilegia a

11 Na filosofia Aristotélica o sujeito não designa apenas o ser humano, mas também os outros animais, existindo o sujeito homem, o sujeito cavalo etc.

sua consciência, o cogito, ou seja, o pensamento. Tendo, portanto, condições de tomar decisões sobre sua própria vida, não sendo ela mais moldada e dirigida por Deus, como pensava Agostinho12.

Taylor (1997, p.190) afirma que “Descartes rejeitou totalmente a forma teleológica de pensamento e abandonou por completo a teoria do logos ôntico”13. Na modernidade, nenhum fato pode ser considerado como inquestionável ou como obra de Deus:

A opção cartesiana é ver a racionalidade, ou a capacidade de pensar, como a capacidade que temos de construir ordens que satisfaçam os padrões exigidos pelo conhecimento, ou compreensão, ou certeza. É claro que, no caso de Descartes, os padrões em questão são os da évidence. Se seguirmos essa linha de raciocínio, então o autodomínio da razão deve agora consistir em que essa capacidade seja o elemento controlador de nossa vida, e não os sentidos; o autodomínio consiste em que nossa vida seja moldada pelas ordens que nossa capacidade de raciocínio construir de acordo com os padrões apropriados (TAYLOR, 1997, p. 194).

Assim, é comum na modernidade “histórias de desenvolvimento linear, histórias de progresso na História ou histórias de ganho contínuo ao longo de vidas individuais e gerações, histórias de pessoas que ficaram ricas partindo da pobreza” (TAYLOR, 1997, p.143). Todas estas histórias têm como ponto central o indivíduo que tomou as rédeas da sua própria história. E isto ajuda a formar novas visões sobre a sociedade e sobre o sujeito.

O início da modernidade “corresponde ao sujeito livre e desprendido de uma visão da sociedade como sendo composta de indivíduos livres e por consentimento deles e, corolariamente, a noção da sociedade como sendo formada por portadores de direitos individuais” (TAYLOR, 1997, p. 143). Marcuse (1988) defende que na era moderna é disseminada a crença no conhecimento e na liberdade de todos os indivíduos. Desta forma, não é mais a certeza de Deus nas raízes do self que forma o ser humano, mas sim, o encontro consigo mesmo. Taylor (1997, p. 207) defende:

12 Para Agostinho, segundo Taylor (1997, p.170), “as coisas criadas recebem sua forma de Deus, por meio da participação nas idéias Dele. Todas as coisas existem apenas na medida em que participam de Deus”. Assim, na concepção agostiniana, é através de Deus que as pessoas enxergam o mundo, pois ele é uma luz interior “que capacita o olho que vê” (TAYLOR, 1997, p.172).

É claro que a cadeia de raciocínio mostra que me apóio num Deus veraz para obter meu conhecimento do mundo exterior. Mas observe-se como isso é diferente da tradicional ordem de dependência agostiniana. A tese não é que adquiro conhecimento ao me voltar com fé para Deus. A certeza da percepção clara e distinta é, ao contrário, incondicional e autogerada. O que aconteceu é que a existência de Deus tornou-se um estágio em meu progresso rumo à ciência por meio da ordenação metódica das percepções evidentes. A existência de Deus é um teorema em meu sistema de ciência perfeita. O centro de gravidade decisivamente mudou.

Ao colocarmos a razão no centro, vemos alterar todos os aspectos da vida em sociedade. Descartes altera a forma até então considerada normal de ver o mundo. “Ele envolve a adoção de uma postura em relação a nós mesmos que nos tira da nossa forma normal de experienciar o mundo e a nós próprios” (TAYLOR, 1997, p.212). Ao adotar o distanciamento, o sujeito sai da postura da primeira pessoa, da que experiencia o sentimento, para a de “adoção de uma teoria, ou pelo menos de uma suposição, a respeito de como as coisas funcionam” (TAYLOR, 1997, p. 213).

Também para Hegel (apud MARCUSE, 1988, p.22), a existência humana é marcada pelo “processo de atualização de suas potencialidades, da adaptação de sua vida às idéias da razão”. E é isto que faz o ser humano o único com poder de auto-realização que o faz livre:

A razão desemboca na liberdade, e a liberdade é a existência do sujeito. A própria razão, por outro lado, só existe através da sua realização, só existe se realizado o processo do seu ser. A razão só é uma força objetiva e uma realidade objetiva porque todos os modos de seu ser são, - uns mais outros menos, - espécies de subjetividade, modos de realização (MARCUSE, 1988, p. 23).

Marcuse (1988, p. 20) afirma que para Hegel “o pensamento deve governar a realidade”. O pensamento verdadeiro e bom deve reger a organização da vida social e individual. No entanto, nem todas as pessoas pensam igual e “a diversidade resultante das opiniões individuais não pode fornecer um princípio diretor para a organização comum da vida” (MARCUSE, 1988, p. 20). Neste momento, é a razão que deve governar a vida em sociedade, pois é só ela que é capaz de criar conceitos e princípios universais.

Assim, o que era para ser um sujeito livre e desprendido, se torna um sujeito instrumentalizado, devido à sua capacidade “[...] de remodelar-se por meio da ação metódica e disciplinada” (TAYLOR, 1997, p. 210). Para isto, este sujeito deve eliminar algumas de suas propriedades, desejos, hábitos, sentimentos, inclinações e pensamentos, de forma que

eles possam “chegar à especificação desejada”, o que Taylor (1997, p. 210) chama de self “pontual”. Esta hegemonia da razão significa, então, a instrumentalização dos desejos. Nas palavras de Taylor (1997, p. 196): “a hegemonia da razão é a hegemonia de uma visão da ordem”.

No documento MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO (páginas 31-34)