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O sujeito passivo é o filho [Bruno - 1979]. Compreende o nascente ["durante o paito"] ou o recém­ nascido ["logo após ... "] [Jesus - 1970). O Código Penal de 1940 incluiu no tipo do artigo 123 o foto nascente. Embora incomuns [Bogdan - 1913), os infanticídios cometidos durante o parto davam margem a complexas discussões filosóficas e médico-legais, pois se situavam no exato limite entre as vidas intra e extra-uterinas e, portanto, na fronteira legal entre aborto e infanticídio. Os legisladores do atual Estatuto Penal Jirimirn111 esta quesl,lu alril>uindu au ser en1 vias de nascer a 1nesn1a Jig11idad1.: cu11c.:edida ao recé111- nascido. Na vigência do Código Penal de 1890, ausente qualquer previsão legal quanto a esta possibilidade, o princípio in dubio pro reo impunha que estes casos fossem considerados como sendo aborto. Sobre este tema, Hungria e Fragoso[ 1979, v. 5, p. 257-258) comentaram:

"Deixou de ser condição necessária do infanticídio a vida autônoma do fruto da concepção O feto vindo à luz já representa, do ponto de vista biológico, antes mesmo de totalmente desligado do corpo

materno, uma vida humana. Sob o prisma jurídico-penal, é, assim, antecipado o início da personalidade. Remonta esta ao início do parto, isto é, à apresentação do feto no orifício do útero. Já então o feto passa a ser uma unidade sociul. Não se pock negar que o feto nascente seja u1n ser vivo, embora ni:'io possua todas as atividades vitais. À imitação do Código italiano, o nosso não quis .seguir a sugestão de Severi, no sentido de criar-se, sob o nome de 'feticídio', uma figura criminal intermédia entre o aborto e o infanticídio, a qual seria precisamente a ocisão do ser humano nascente: equiparou este ao nascido, tornando mais compreensiva a fórmula do infanticídio. Justamente dizia lmpallomeni, a propósito da ocisão do feto intra

partum: 'Não se trata de aborto, pois este é a expulsão criminosa do feto e, na espécie, a expulsão é

espontânea; nem a ocisão ocorre dentro do útero, mas quando a criança está para vir à luz, in ipso partu. A vida intra-uterina está terminada, sem que se tenha começado a extra-uterina; a criança acha-se num estado de transição, mas, não obstante, é um ser humano vivendo vida não mais uterina, e matá-la é homicídio ... É um homem que se mata no limiar da vida social'.

Antes de iniciado o parto, a ocisão do feto é aborto; iniciado o parto, o crime é infanticídio. Já não há mais distinguir entre vida biológica e vida autônoma. Esta, de condição necessária, passa a ser apenas condição suficiente do infanticídio. Há infanticídio desde que, começado o parto, o feto se podia considerar biologicamente vivo. Nem mesmo é preciso indagar se o feto era capaz de vida autônoma: basta averiguar, remontando-se ao momento anterior à expulsão, a presença de vida biológica, isto é, a existência do mínimo de atividades funcionais de que o feto já dispõe antes de vir à luz, e das quais é o mais evidente atestado a circulação sanguínea" [grifos no original].

O Código Penal de 1 940 trnuxe algumas conseqüências significativas para o campo da Medicina Legal. Em primeiro lugar, ele relativizou o papel da respiração como a prova definitiva de que houve vida. Esta concepção tradicional remonta a Galeno, que afirmou que "respirar é viver", e encontrou seu arauto mais exaltado em Cásper, que escreveu: "viver é respirar, não ter respirado é não ter vivido". Contudo, repetidas observações demonstraram que esta concepção não é senão parcialmente correta. Segundo ela, um recém-

nascido morto durante o período de apnéia pós-natal, fosse esta normal ou patológica, não teria direito à proteção legal garantida a todos os seres humanos vivos [Montes - 1 946]. As provas respiratórias continuam a ser o modo mais prático e seguro de comprovar a existência ele vicia extra-uterina mas a crença na equivalência automática entre respiração e vida foi desautorizada.

A questão da vitalidade, isto é, a possibilidade de adaptação durável [ou presunção desta] às condições normais de vida extra-uterina [Hungria e Fragoso - 1979, p. 259] ou a idoneidade que tem o feto para a vida autônoma fora do útero [Fávero - 1980] foi considerada irrelevante para a tipificação do infanti'cídio. Como observam Hungria e f-'ragoso [ 1979, p. 259]:

"Tão intangível é o minuto de vida de um recém-nascido quanto o último instante de vida do moribundo. Pelo fato de não ser vital, o feto não deixa ele estar vivo, e o infanticídio existe desde que haja a ocisão de um neonato vivo, pouco importando as condições de maturidade, de desenvolvimento, de conformação, de força, numa palavra: da vitalidade que apresenta".

Sob o ponto de vista médico legal, 3 tipos de comprovação se impõem para a configuração do infanticídio [Flamínio Fávero - 1980]:

( 1) Provas da recentidade do nascimento da criança, compreendendo:

(a) As verificações referentes à estatura do recém-nascido, à proporcionalidade ele suas partes, ao peso, ao estado de unhas e pelos, aos vários núcleos de ossificação, principalmente o fêmoro-epifisário de Béclard, etc.

(b) Outros elementos capazes de sugerir recentidade da expulsão fetal, a saber: a presença, no corpo do recém-nascido, de sangue materno, de induto sebáceo, da bossa serossanguinolcnta, de cordão umbilical branco-azulado, brilhante e úmido, etc.

(2) Provas de vida extra-uterina:

Segundo Hungria e Fragoso [ 1979, p. 260], 3 fatos essenciais distinguem a vida extra-uterina da vida intra-uterina: (a) a cessação da circulação feto-placentária; (b) a substituição da respiração placentária pela respiração pulmonar e (c) a substituição da nutrição por via placentária pela nutrição através da via gastrintestinal. Todos estes fatos se manifestam através de alterações anatômicas características, cuja averiguação constitui a prova de vida extra-uterina. Várias são, por conseqüência, as modalidades da prova de vida autônoma, denominadas docimasias [do grego dokimzo, exame]. Flamínio Fávero [ 1980] as classifica em: (a) respiratórias, compreendendo as pulmonares e as extra-pulmonares, todas visando à caracterização da existência pregressa de respiração; {b) não respiratórias, indicançlo a existência de vida por outras indagações em que fica estranha a função respiratória. Achados de ocasião, como corpos estranhos nas vias respiratórias, alimentos nas digestivas, lesões com caráter vital, podem entrar como subsídios no diagnóstico de vida extra-uterina.

Pela importância das modificações respiratórias no pós-parto, as docimasias respiratórias pulmonares são, de longe, as mais úteis e confiáveis. Entre elas, a mais simples e eficiente é a mais antiga, a docimasia pulmonar hidrostática de Galeno. Baseia-se na diferença de densidade entre o pulmão que respirou e o que não respirou [ o pulmão fetal é mais denso que a água, oscilando o seu peso específico entre 1,040 e 1,092; a respiração aumenta o peso real do pulmão mais diminui o peso específico para 0,70 ou 0,80]. Este fenômeno já era conhecido por Galeno que o sintetizou da seguinte forma: "substantia pulmona/is per respiralionem ex rubra, gravi, densa, in a/bam, levem ac raram tramjertur". Os méritos, porém, devem ser divididos com Rayger, que em 1670 reconheceu as potencialidades médico-legais deste achado e Schryer, que, cm 1 68 1, empreendeu a primeira aplicação prútica desta prova l Fúvcro - 1 980].

Este exame exige, para sua realização, um vaso cilíndrico com capacidade para 15 a 20 litros, largo e fundo, que deve receber água em temperatura ambiente numa quantidade suficiente para preencher 2/3 do seu volume. A prova propriamente dita é dividida em 4 fases:

Primeira fase - Põe-se no líquido o bloco todo do aparelho respiratório, constituído pelos pulmões presos aos respectivos tubos aéreos até a laringe e inclusive a língua; a este bloco, deixam-se apensos o timo e o coração. Observa-se e registra-se ocorrência ou não de flutuação e se esta foi total ou parcial.

Segunda fase - Mantido o bloco dentro da água, separam-se os pulmões pelo seu hilo dos demais órgãos apensos. Verifica-se a ocorrência ou não de flutuação.

Terceira fase - Dentro da água, separam-se de cada pulmão, os respectivos lobos e destes, cortam-se alguns fragmentos cujo comportamento subaquático deverá ser registrado.

Quarta fase - Dentro d'água, comprimem-se alguns destes fragmentos entre os dedos ou contra as paredes do recipiente, registrando-se o aparecimento ou não de finas bolhas de gás misturadas com sangue e se, depois da compressão, os fragmentos continuaram a flutuar.

A existência de flutuação da primeira à quarta prova, sendo que nesta úl.tima, a expressão dos fragmentos resulte na eliminação de líquido serossanguinolento e bolhas tinas, implica a conclusão de que a criança respirou. A flutuação à meia água sugere respiração parcial, embora dê margem a dúvidas. Se os órgãos afundarem, a docimasia é negativa, podendo-se concluir pela inexistência de vida extra-uterina. Diversos fatores podem, contudo, falsear os resultados. Entre aqueles que podem levar à flutuação dos pulmões mesmo na ausência de respiração prévia, podemos citar a putrefação, a insuflação aitificial [na tentativa de reanimar o rccém-nascidol, a respiração inlra-utcrinn ou no período de expulsão (fenômeno raro, presente apenas em partos muito prolongados], a congelação cio pulmão, sua preservação prévia em álcool e a cocção do órgão.

Os pulmões podem não sobrenadar mesmo após a respiração em algumas situações especiais, como no caso de respiração parcial [que pode contudo ser demonstrada na quarta fase da prova], atelectasia secundária, hepatização pré-natal, asfixia por impedimento mecânico à respiração, imersão demorada da

vfscera em água ou em turmalina. Inúmeras outras docimasias pulnwm,res podem ser utilizadas, quer como provas preliminares i\ de Galcno - as docirnasias hidrostáticas de lcard, por aspiração e por in1ersflo em água quente - quer como recurso adicional capaz de contornar as limitações da prova padrão - as docimasias óptica, química e por libertação e sucessivo aprisionamento do ar alveolar, de lcard, e a docimasia histológica ele Filippi. Entre as docimasias respiratórias não pulmonares, a mais importante é a gastrintestinal de Breslau. Baseia-se no fato de que, no felo, o estômago e o intestino esLão inteiramente vazios de ar. É apenas com as primeiras deglutições que acompanham a respiração que esle penetra no trato gaslrintestinal. A técnica desta docimasia é a seguinte: o trato gastrintestinal é extraído em conjunto, depois

de serem aplicadas duplas ligaduras no cárdia, no piloro, na porção terminal do intestino delgado e na porção terminal do reto. Em seguida, as vísceras são colocadas em um frasco cheio d'água, num proccdimenlo semelhanle ao empregado na docimasia de Galeno, e observa-se a ocorrência ou não de flutuação destas. Numa segunda etapa, o tubo gaslrinlcslinal é dividido em várias partes, sempre através do corte entre as ligaduras duplas; o comportamento de cada segmento na água é observado e registrado. Esta prova apresenta algumas das desvantagens da docimasia de Galeno, como por exemplo, os falsos positivos

em casos de putrefação. Todavia, pode ser empregada cm casos nos quais apenas o abdômen da vítima

esteja disponível. Como a progressão do ar no trato gaslrintestinal do n:cém-nasci_do apresenta uma certa regularidade, a docimasia de Breslau pode ser empregada também para o cálculo aproximado do tempo de

sobrevida deste. Em casos nos quais a única parte disponível do corpo da vítima seja a cabeça, pode-se lançar mão da docimasia ótica ou auricular de Yreden, Wendt e Gelé, que se baseia na substituição pelo ar atmosférico, via trompa de Eustáquio, da substância gelatinosa existente durante a vida pré-natal na caixa

do tímpano; todavia, por ser pouco confiável e de dificil execução, esta prova não é empregada rotineiramente. As outras docimasias - hidrostáticas de Bernt e de Daniel, química de Ogier, estática de Plonquet, hemática de Zalesky, "pneumo-cardíaca" de Orfila, fêmoro-epifisária de Amâncio de Carvalho, a dos vasos umbilicais de Jankovich e a da mielinização das vias e dos centros ópticos, etc - têm utilidade ainda mais restrita [Fávero - 1980).

3- Prova do início do parto com feto vivo:

Hungria e Fragoso [ 1979, p. 263] sustentam que o indício mais confiável desta por vezes difícil verificação é a bossa serossanguinolenta, lesão com características de reação vital que se formaria apenas

durante o trabalho de parto.

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