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SER SUJEITO PRODUTOR DE CONHECIMENTO – MEU CONTEXTO, ANÁLISE DE IMPLICAÇÃO E DIÁLOGOS TEÓRICOS

CAPÍTULO IV – A PRÁXIS UNIVERSITÁRIA NO DIMPC: UMA OFERTA DE POSSIBILIDADE AOS QUE CONTRIBUEM COM A

4.1 SER SUJEITO PRODUTOR DE CONHECIMENTO – MEU CONTEXTO, ANÁLISE DE IMPLICAÇÃO E DIÁLOGOS TEÓRICOS

Sobre o fazer-saber do sujeito produtor de conhecimento na práxis universitária, me permito dizer que, na tessitura entre os fazeres e saberes que me referenciam se pode pensar a produção de conhecimento como obra do cotidiano vivido, sentido e elaborado para além da racionalidade da ciência clássica, embora também a considere. Para isso, pensemos método como procedimento, caminho, programa, trajetória, esforço, percurso, modo, estrada, rota, técnica, via de acesso, planejamento, rumo, direção...

Consideremos que positivismo, realismo, humanismo, materialismo, idealismo, psicanálise, fenomenologia, construcionismo, complexidade e tantas outras correntes do pensamento produzem diferentes conceituações, sentidos e metáforas sobre o que vem a ser o método na ciência. Tais contribuições povoam, movem e inquietam os que desejam e se lançam ao trabalho de produzir conhecimento no final do século XX e neste início do século XXI. Lembremos que em meio a tantas concepções, entraves, questionamentos, lutas paradigmáticas a respeito do que é Ciência, e, consequentemente, seus métodos de pesquisa, cabe ao pesquisador empreender escolhas, fundamentá-las, torná-las coerentes e legitimadas na relação com seus pares.

Na práxis universitária, busquei encontrar, na relação com os autores com os quais conversei, pontos de conexão e ancoragem para minhas inquietações decorridas da experiência de produzir conhecimento. Em certos momentos, sofri o desassossego no ar descrito por Santos (2000, p. 42) como “a sensação de estar na orla do tempo, entre um presente quase a terminar e um futuro que ainda não nasceu”. Tal sensação parece nomear a angústia provocada pela luta paradigmática que experimentei nessa tentativa de produzir conhecimento na contemporaneidade; o que, muitas vezes, me fez navegar por cabotagem. O que significa dizer, de acordo com o mesmo autor, o ato de realizar deslocamentos em territórios ainda desconhecidos, sem perder de vista o continente das referências que me situam nessa trajetória.

Vemos, aqui, o contexto existencial do pesquisador que – institucionalizado na Universidade e buscando linhas de fuga para a ciência instituída – lida, ao mesmo tempo, com diferentes paradigmas e suas dimensões epistemológicas, teóricas, metodológicas e político- ideológicas, se contrapondo nessa luta paradigmática que acontece simultaneamente no fora de si, mas, principalmente, no dentro de si.

Não se trata apenas de ler os pensadores que provocam e tentam compreender as crises na ciência, buscando algo que preencha lacunas ou construa pontes no conhecimento. Trata- se, antes, de viver internamente essas crises e realizar escolhas, construir pertencimentos, encontrar referenciais teórico-metodológicos que se configurem em ancoradouros existenciais para a inquietude provocada pela experiência de conhecer, compreender, elaborar, relacionar- se e experimentar o encontro com outros que são sujeitos do seu próprio existir e de seu fazer- saber.

Em minha trajetória de vida é possível perceber que as atividades de pesquisa por mim desenvolvidas nasceram de inquietações provocadas pela inserção profissional em práticas realizadas na ECOSOL (Incubadora Comunitária do Movimento Sindical em Patos de Minas/MG) e como supervisora de estágio em Psicologia do Trabalho em um CAPS (docente universitária e extensionista na Incubadora de EESs da UEL/PR). Além disso, participo do movimento social da ECOSOL desde o ano de 2001 e da Associação Brasileira de Pesquisadores em Economia Solidária (ABPES) desde o ano de 2004.

Tendo em vista as diferentes posições ocupadas, é preciso refletir sobre minha relação e implicação subjetiva com esses lugares, partindo da premissa de que essas experiências trazem, em seu bojo, um forte engajamento político e militante.

Lacerda (2009, p. VIII-X) contribui com essa tarefa ao refletir sobre sua posição de sujeito autor a partir da composição entre três devires: o Eu militante, o Eu pesquisador e o

Eu técnico; o primeiro sendo aquele ligado à prática cotidiana do movimento social, com uma

postura engajada de luta e reivindicação pela transformação social; o segundo sendo ligado à racionalidade, à ciência com seus métodos e conhecimentos para se compreender a realidade prática, assumindo uma postura de autor/produtor da escrita científica e compromissado com a objetividade, embora enfrente conflitos paradigmáticos entre o sentir e o pensar; o terceiro, por fim, realiza a mediação entre os outros dois, apropriando-se da teoria com vistas a utilizá- la como ferramenta para sua ação prática. Convive tanto com a ciência como fonte de conhecimento quanto com sua empolgação militante, balizando as duas na medida de sua reflexão crítica sobre as contribuições dessas para sua prática profissional.

A sensação que tenho é de que meus devires atravessam um ao outro a todo tempo: ora concorrendo entre si, ora dialogando, ora silenciando, ora... Nesse interjogo, experimento momentos de maior interlocução com um ou outro, embora, na maioria das vezes, um contemporize o meu discurso sobre o outro e também a minha ação. A busca se refere em produzir uma estratégia ou uma tática de pensar, sentir, elaborar e se pronunciar de maneira complexa, na qual haja uma tessitura possível entre esses e outros tantos devires. No meu caso, o de ser mulher, mãe, esposa, filha, irmã, amiga e professora, devires que também concorrem a todo tempo com o devir de produtora de conhecimento. Tarefa difícil que se apresenta no horizonte da utopia, como algo a ser construído (ou não) no âmbito das possibilidades cotidianas.

Nessa conjuntura, assumo a figura de subjetivação do pesquisador engajado e militante político como sujeito do devir de produção de conhecimento, ou seja, a subjetivação de autora. Sendo assim, o que torna mais complexa minha análise de implicação sobre a práxis de intercessão realizada, junto ao Arte em Oficina, é a participação que tive no campo de intercessão como um a mais junto aos sujeitos na construção de sua práxis produtiva. Fato esse que alguns pesquisadores engajados também experimentaram e, por isso, podem contribuir com o pensar e o elaborar no contexto da articulação epistemologia↔teoria↔metodologia↔política↔práxis na produção de conhecimento a partir da realidade concreta e cotidiana do campo social. Entretanto, os pesquisadores em ECOSOL a serem citados não têm inserção no campo social da SM.

Para Santos (2010, p. 36; 37), o pesquisador em ECOSOL se depara com desafios epistemológicos referentes à clássica cisão “teórica e empírica entre o econômico e o social” e com desafios metodológicos no que diz respeito à “relação entre política e ciência”. Outra questão apontada pela autora se refere ao fato de muitos desses pesquisadores terem um envolvimento com o campo da ECOSOL, seja em sua prática cotidiana, como atuantes em

entidades de apoio (como as Incubadoras Universitárias), seja como trabalhadores de políticas públicas ou como trabalhadores de EESs. Nessas três situações existe, com frequência, um engajamento político com a causa do movimento da ECOSOL, o que produz uma implicação subjetiva pela vivência cotidiana entre pesquisa e prática, tanto em atividades de trabalho como de militância.

Tendo como referência as ciências sociais, a mesma autora propõe ser possível a “conciliação entre saber científico e engajamento político, processo de conhecimento e ação política” (SANTOS, 2010, p.37) através da noção de práxis em Marx. Tal premissa fundamenta o DIMPC por mim construído em minha experiência na práxis universitária como intercessora-pesquisadora.

Nicola Badaloni14 (s/d) considera, tendo Antonio Labriola como referência, que a práxis é um conceito fundamental no pensamento marxista sobre as questões relacionadas

tanto à produção através do trabalho quanto à ciência, sendo esta também considerada um trabalho, por ser o materialismo histórico a produção de conhecimento sobre o homem que trabalha. Compreende o pensamento como um ato que é um esforço e, por isso, é um trabalho que quando se torna pensamento produzido contribui com outros esforços para se produzir novos pensamentos.

Assim também o é no Dispositivo Intercessor como intercessão-pesquisa, onde se intenta produzir uma práxis de intercessão que produza uma práxis universitária que se propõe a contribuir com a produção de práxis e conhecimento por outros intercessores.

A práxis considerada por Gramsci (1981, p. 51) como o conceito de unidade entre teoria e prática é produzida no campo da ação. Nesse, se parte tanto da prática para a construção de uma teoria que coincida e se identifique com essa, acelerando seu processo

histórico em ato e tornando-a mais coerente e eficiente, quanto da teoria com a intenção de

organizar sua dimensão prática para transformá-la em ação.

Para o autor, é em momentos históricos de transição, quando há um maior movimento de transformação, que a prática produzida carece de elaboração teórica para se tornar mais eficiente e expansiva e que a teoria existente demonstra ser ou não realística e passível de assimilação pela prática em movimento.

14Ver artigo “Filosofia da práxis” de sua autoria. Disponível em:

http://www.acessa.com/gramsci/texto_visualizar.php?mostrar_vocabulario=mostra&id=642. Acesso

Através do Dispositivo Intercessor, nos propomos a produzir conhecimento como contribuição ao atual intercâmbio entre SM e ECOSOL como um processo histórico em ato em curso no Brasil.

Além de Marx e o materialismo histórico como filosofia da práxis, Cunha e Santos (2011, p. 38) constroem uma trajetória histórica citando vários autores que tratam sobre a relação entre a ciência e a política como Gramsci, Durkheim, Mauss, Caillé e Bobbio; e os brasileiros Florestan Fernandes, Caio Prado Jr., Darcy Ribeiro, Mauricio Tragtenberg, Paul Singer e Marilena Chauí.

De acordo com as autoras, todos eles contribuem para a produção de conhecimento ao considerarem a complexidade existente na relação entre objetividade e subjetividade; rigor

teórico e metodológico; participação social e política. Entendemos que, nessa relação, cada

um dos elementos envolvidos retroage sobre o outro ampliando suas potencialidades. Sendo assim, concordamos com as autoras quando afirmam que:

[...] a subjetividade não deve mais ser recusada; que a experiência do observador é crucial para a apreensão do real e não pode ser descontextualizada; que o real se revela cada vez mais fragmentado e ilusório, impossível de ser captado em sua totalidade e complexidade; e que há espaço inclusive para que reflexões éticas, de fundo humanístico, sejam aplicadas às conclusões científicas (CUNHA; SANTOS, 2011p. 41).

Entretanto, tais considerações ainda se referem à produção de conhecimento do pesquisador sobre o outro que compõe o campo de pesquisa, como alguém que detém os meios de produção da ciência mesmo vivendo a transição paradigmática (SANTOS, 2000), e constrói argumentos sobre a realidade desse outro. O Dispositivo Intercessor propõe justamente o rompimento com essa premissa a partir da figura de subjetivação do intercessor- pesquisador que produz conhecimento sobre sua própria função de intercessor encarnado na relação com a práxis dos sujeitos, que é o campo da intercessão, e não sobre esse ou os sujeitos que o produziram.

Tal condição carece de maior reflexão e elaboração epistemológica, teórica, metodológica e política. A presente tese é, também, uma contribuição a este processo em curso como um exercício de autoria nessa perspectiva. O que o torna mais intenso e complexo, pelo fato da autoria ser marcada pela implicação com o que interessa, impulsiona e move o ato de pensar do sujeito autor sem garantia alguma de que seu conhecer, elaborar e agir possam contribuir com a realidade social cotidiana, no meu caso, o intercâmbio entre SM e ECOSOL.

Todavia, encontro alento em Sordi (2003, p. 149), quando de sua afirmação de que “a autoria tem a ver com a vontade de produzir efeitos” e para o produtor encontrar-se com sua autoria é preciso “não somente o ato criativo – novas formas de produção – mas encontrar um sentido para sua própria obra”. Uma intenção a ser construída no horizonte das possibilidades por sabermos que ao viver, conviver e lidar com tantas crises mundialmente contextualizadas nos campos econômico, ecológico, científico, político e psicossocial enfrentamos questões da ordem e da desordem, da homeostase e do caos, da vida e da morte. Sendo assim, não nos é possível ficar imunes e alheios, como se tais acontecimentos não nos afetassem, uma vez que pretender produzir conhecimento exige pensar nas crises, até porque seu objetivo já deve partir de algo como uma crise.

O que me impulsiona é saber que o contexto apontado acima, somado ao de crise nos fundamentos da Ciência e de crise no mundo do trabalho, desencadeada pelo capitalismo financeiro em escala global, se configura um contexto sócio-histórico propício à produção de conhecimento a partir do Dispositivo Intercessor como intercessão-pesquisa, como se pode ver na citação abaixo:

O Dispositivo Intercessor pode ser considerado um campo aplicado para a produção do conhecimento (...). É uma ferramenta para superar as dicotomias introduzidas pela cisão fazer-pensar/decidir-executar das Formações Sociais fundamentadas pelo Modo Capitalista de Produção. (...) A intercessão-pesquisa pode ser situada na perspectiva das abordagens que procuram transformar conhecendo, em vez de ‘conhecer para transformar’ (PEREIRA, 2011, p.13).

Nessa direção, por ter a intenção de conhecer para transformar em minha práxis como intercessora encarnada no campo de intercessão, construí, junto aos sujeitos que o constituíram, ferramentas com potência de facilitar/provocar o movimento singular destes na produção de seu fazer-saber de trabalhadores em processo de constituição de um coletivo de trabalho autogestionário.

O interessante, nessa experiência, foi o exercício de não me pautar pelo Discurso Universitário, mesmo tendo me apresentado, em um primeiro momento, como professora da Universidade com intenção de conhecer e contribuir com a construção de uma iniciativa de inclusão social no trabalho produtivo, caso tivessem algum interesse nessa direção. O deslocamento aconteceu justamente porque percebi muito cedo que o conhecimento a priori não tinha potência alguma de produzir algo naquele espaço por sua desconexão com a realidade cotidiana dos sujeitos da experiência da loucura.

A contratualidade possível à realização da intercessão aconteceu quando os sujeitos da