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A superação das teorias do processo como situação jurídica, instituição jurídica e serviço público

3 O MODELO CONSTITUCIONAL DE DEVIDO PROCESSO LEGAL: O PROCESSO JUSTO

3.1 A insuficiência de algumas teorias sobre a natureza jurídica do processo

3.1.3 A superação das teorias do processo como situação jurídica, instituição jurídica e serviço público

Antes de se adentrar ao exame da teoria processual desenvolvida por Elio Fazzalari, é preciso registrar, brevemente, que outras teorias surgidas ao longo da história da processualística também não se mostram capazes de superar os problemas da teoria do processo como relação jurídica.

A teoria desenvolvida por James Goldschimidt (Alemanha, 1925), por exemplo, entendia o processo como uma situação jurídica, vale dizer, uma expectativa de solução do litígio a partir da sentença.137

Nascida como uma crítica à concepção do processo como relação jurídica, a aludida teoria preconizava que a prolação de uma sentença gerava uma situação de expectativa às partes. Nesse viés, autor e réu possuíam meros prognósticos que poderiam ou não ser reconhecidos no momento do exercício da atividade judicante.

Por essa razão, James Goldschmidt atribuía imensa relevância à sentença, pois a finalidade do processo não se pautava pela necessidade de resolução equânime da controvérsia. Diferentemente, o escopo do processo se confundia com a própria obtenção da coisa julgada, a qual, independentemente de fundamentação jurídica plausível, conferia

136 FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito Processual. Tradução de Elaine Nassif. Bookseller: Campinas,

2006, p. 109-128.

137 TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1987, p. 218-233; Hélio

Tornaghi, no entanto, ensina que o precursor da teoria do processo como situação jurídica foi Wilhelm Kisch, “que em seu Deutsches Zivilprozessrecht sustenta ser o processo uma ‘situação de entrosamento’ (Zustand der

Gebundenheit) entre os sujeitos que nele interferem”. Para tanto, “Kisch nega a existência de qualquer relação

jurídica, no processo, entre autor e réu, mas sustenta que a atividade processual enseja uma situação de nexo entre os sujeitos do processo”, uma vez que, sob o vínculo resultante do pedido inicial, as partes se põem obrigadas perante os atos do juiz. (p. 218).

validade jurídica a uma pretensão e possuía força vinculatória judiciária para colocar fim ao litígio. As partes se colocavam em uma situação jurídica que consistia na própria expectativa de obtenção de uma sentença, a qual, a depender do conteúdo, alteraria positiva ou negativamente o estado de espera de autor e réu.

Como decorrência do alto grau de relevância da sentença, o juiz, na condução do processo, ostentava um poder superlativo. As normas jurídicas, apesar de cogentes e imperativas para os cidadãos, consubstanciavam meros padrões a orientar o julgamento do magistrado, o qual não estava adstrito tampouco aos argumentos deduzidos pelas partes. Nessa perspectiva, o juiz, soberano do Direito, poderia estabelecer, por intermédio da sentença, uma ordem jurídica paralela, a qual possuía prevalência sobre o regramento legal em caso de colisão.138

Não é difícil concluir porque a teoria do processo como situação jurídica restou fadada ao insucesso, pois conferia ao juiz um poder de cunho arbitrário. O juiz, ao cometer um erro no exercício da função jurisdicional, não incorria em nenhuma infringência à legislação processual, mas tão somente era responsabilizado civil ou criminalmente (se fosse o caso). O error in iudicando ou o error in procedendo não implicavam quaisquer repercussões processuais, uma vez que era característica típica da atividade jurisdicional a própria insegurança jurídica resultante da espera pelo resultado da sentença.139

Ademais, a mencionada teoria falhou ao conceber o processo como uma única situação jurídica, e não como um complexo delas. A ideia da expectativa das partes na obtenção de uma sentença gerava incerteza jurídica, uma vez que a espera pessoal do polo litigante referia-se ao próprio direito subjetivo material (res in iudicium deducta), e não ao processo (iudicium) considerado em si mesmo.140

Por seu turno, a teoria desenvolvida por Jaime Guasp (La pretensión procesal, Espanha, década de 1940), concebia o processo como uma instituição jurídica, ou seja, “um conjunto de atividades relacionadas entre si pelo vínculo de uma idéia comum e objetiva, à qual aderem as diversas vontades particulares dos sujeitos dos quais procede aquela atividade, seja ou não a finalidade de cada qual a idéia comum”.141

138

Idem, ibidem, p. 223-225.

139 SILVA, Ovídio A. Batista da. Curso de processo civil: Processo de conhecimento. 6. ed., São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2002. v. I, p. 50.

140 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pelegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

Geral do Processo. 22. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 300.

Sob a ótica institucional, pois, o processo era visto como “um complexo de atos, um método, um modo de ação, unitário, regulado pelo direito para a obtenção de uma finalidade”.142 A instituição jurídica do processo era constituída pelo liame formado pelas vontades particulares dos sujeitos processuais, projetadas sobre uma ideia objetiva e comum, a qual representava a satisfação de uma exigência, ora retratada pela sentença (juiz), ora pelo pedido (autor) ou pela defesa (réu).

A grande crítica assinalada em desfavor da teoria do processo como instituição jurídica diz respeito à influência direta da sociologia na sua construção, o que, por via de consequência, ocasionou a perda do caráter de juridicidade. De fato, considerando o próprio conceito de instituição, criado e consolidado sob alicerces sociológicos, a concepção de Jaime Guasp ruiu por conferir ao processo um caráter despido de balizamentos essencialmente jurídicos.143 Além disso, a definição de instituição é, por si só, incerta e dotada de vários significados, o que pode acarretar indesejada insegurança jurídica.

Por fim, a teoria desenvolvida na França pelos juristas Gaston Jèze e Léon Duguit tratava o processo como um serviço público, isto é, um préstimo estatal colocado à disposição dos particulares. Independentemente do órgão prolator da decisão, o processo servia como instrumento de realização de uma função jurisdicional tendencialmente voltada ao caráter administrativo do Estado, sendo despicienda a existência de duas partes em litígio.144

É fácil inferir que a referida teoria desconsiderava a própria essência do processo. Ligando-se à natureza publicista da função estatal, a concepção do processo como serviço público não se preocupava com o caráter substancial do processo, mas, tão somente, com a natureza da atividade jurisdicional exercida.

Em suma, essas foram as principais teorias sobre a natureza jurídica do processo surgidas ao longo da história do Direito Processual. E assim se torna necessário, nesse momento, o exame da teoria do processo como procedimento realizado em simétrico contraditório entre as partes, desenvolvida por Elio Fazzalari e Aroldo Plínio Gonçalves, para que seja possível, posteriormente, compreender a ideia do processo justo como fundamento de legitimidade democrática da função jurisdicional.

142 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3. ed., Depalma: Buenos Aires, 1976, p.

144, tradução livre.

143 CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Elementos de teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.

137.

3.1.4 A teoria do processo como procedimento realizado em simétrico contraditório entre as

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