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6 DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

6.1 SUPORTE PARA CRIATIVIDADE COLETIVA

Ao ponderar sobre o cerne de cada uma das categorias e subcategorias que emergiram da análise dos dados, detalhando a participação dos elementos materiais nas práticas criativas de uma empresa de design de mobiliário, entendo que a criatividade aqui tratada é resultado de um “esforço coletivo” (HARGADON; BECHKY, 2006). Afinal, desde o início de sua história, a Pinus atua em espaços coletivos, nos quais se prioriza a contribuição mútua de profissionais de diferentes áreas dos setores criativos para realizar projetos como “Verão noParque” e MARÉ. Este, inclusive, foi um dos norteadores do projeto de estruturação do local ocupado durante a pesquisa de campo, que privilegiava a interação daqueles que viessem a passar pelas “bancadas” da empresa. Dessa maneira, ao invés de aspectos relacionados a um processo mais ou menos "especial", em que a criação acontece como um fenômeno "ex nihilo", o enfoque está nas ideias que emergem das interações entre as pessoas para se resolver determinado problema (KURTZBERG; AMABILE, 2001; HARGADON; BECHKY, 2006; MOERAN; CHRISTENSEN, 2013).

Ainda que, no âmbito da Pinus, houvesse uma regra latente no qual a produção autoral era assinada pelo membro que tivesse o insight inicial de criação do mobiliário, sendo comum ouvir expressões como “o banco de fulano” ou “a poltrona de sicrano”, a

convivência na empresa ocorria de forma colaborativa. Igualmente como ocorria para atender as demandas dos clientes, ou seja, nenhum dos membros hesitava em contribuir quando lhe era demandado ou, até mesmo, de forma espontânea no decorrer da prototipagem de um móvel ou objeto da produção autoral. Por isso, caso qualquer um dos membros não tivesse conhecimentos necessários, capacidade ou motivação para sozinho gerar soluções criativas em “seus” projetos, buscava maneiras, por meio de momentos de “esforço coletivo”, de produzir resultados criativos desejados (HARGADON; BECHKY, 2006).

De natureza coletiva e transitória, esses momentos de criatividade são gerados com base em atividades – do tipo help seeking, help giving, reflective reframing e reinforcing – capazes de dar início às interações entre as pessoas da organização (HARGADON; BECHKY, 2006). Estas, por sua vez, dependem de um cenário composto por legitimidade social, acesso a recursos, compartilhamento de informações e ideias, uso de expertises diferenciadas, confiança e liberdade de trabalhar em equipe (MARTENS, 2011; MUZZIO; PAIVA JÚNIOR, 2015; MUZZIO, 2017) para se desdobrarem em soluções criativas. Logo, pude perceber que essa “sinergia criativa” (KURTZBERG; AMABILE, 2001) é resultado de uma cadeia de ações que envolve entidades, humanas e não humanas, que delineiam e se conectam em arranjos materiais (SCHATZKI, 2005).

Em campo, foi possível observar que a criatividade se dá em meio a essa complexa relação, na qual não tem como dissociar materialidade e sociabilidade, pois são dimensões da vida social que estão interligadas em um “nexo de práticas e arranjos” (SCHATZKI, 2002; 2005). Assim, se por um lado os elementos materiais normatizam as ações humanas, propiciando (ou limitando) as interações entre os indivíduos na busca por soluções criativas. Por outro lado, as práticas criativas também intervêm nos arranjos materiais, tornando a empresa em um espaço coletivo que funciona como “laboratório”, na qual seus membros e colaboradores podem desenvolver suas ideias colocando a “mão na massa”. Saliento que, segundo Schatzki (2005), é importante aprofundar os detalhes dessas conexões e interações, mas sem tratá-las como uma relação em que as ações humanas e o “ambiente” são vistos em domínios distintos de análise.

Na apresentação dos resultados da pesquisa é fazível vislumbrar “cenários” que suportam as práticas criativas da Pinus, na qual ocorrem micro interações que permitem aos indivíduos “criativos” se tornarem um coletivo criativo (HARGADON; BECHKY, 2006). Não se trata apenas dos espaços formais da empresa (espaço de reunião, copa, oficina etc.) que, conforme descrito, abarcam uma variedade de práticas, além das criativas, tais como vendas, gestão, marcenaria, entre outras, mas também daqueles não formais, estabelecidos com base em elementos aparentemente desconexos com as atividades observadas (como, por exemplo, o café e o cigarro). Estes, por sinal, se mostraram imprescindíveis para a “sociabilidade” entre os sujeitos e, consequentemente, relevantes para obter contribuições criativas inviáveis de serem oferecidas por um indivíduo específico (PARJANEN, 2012).

Ademais, mesmo com o esforço dos sócios em estabelecer previamente a configuração do local, até então ocupado pelo estúdio, à medida que ocorriam as atividades de criação ou produção, os elementos que faziam parte dos seus arranjos eram reposicionados. Dessa forma, novos elementos eram incorporados, enquanto outros deixados de lado, possibilitando o surgimento de novos “cenários” no estúdio, como sucedido nas interações que aconteciam na porta da empresa e na busca por referências na internet. Assim, os espaços da Pinus eram arranjados de modo a tentar realizar de forma mais “eficiente e coordenada” possível as ações coletivas de criatividade, sendo determinantes fundamentais para a continuidade e longevidade das práticas criativas na empresa (SCHATZKI, 2002; 2010).

Portanto, as “malhas criativas” observadas estão interligadas com as demais práticas sociais presentes na empresa (marcenaria, fumar, desenhar etc.), não sendo possível compreender a participação de seus elementos materiais de forma insular. Além disso, os artefatos (lápis, papel, trena etc.) e coisas (objetos de decoração, madeira, café etc.) são entidades que esboçam em suas acepções os sentimentos, afetos, humores, gostos, habilidades, conhecimentos e valores estéticos e socioambientais compartilhados pelos membros e colaboradores. Afinal, para um “ambiente” ser considerado criativo, ele depende de aspectos tangíveis e não tangíveis, que façam as pessoas se sentirem bem nele (CARVALHAL; MUZZIO; 2015). É justamente essa capacidade de “corporificar” o que faz sentido para os indivíduos engajados nas práticas criativas, habilitando/constrangendo o desdobramento de suas atividades, que torna os elementos materiais capazes de potencializar (ou restringir) a criatividade

coletiva. Isso se deve ao fato de os arranjos materiais serem forjados nas práticas, ao mesmo tempo em que exibem um caráter normativo, ou seja, refletem seus entendimentos, regras e estruturas teleoafetivas (SCHATZKI, 2002; 2005).

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