• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV – EFETIVIDADE DO DIREITO SOCIAL À MORADIA ADEQUADA

10. O direito à moradia nos Tribunais

8.1 Supremo Tribunal Federal

O poder constituinte atribuiu ao Supremo Tribunal Federal a importantíssima posição de “guardião da Constituição”, incumbindo-lhe do dever de zelar pelo respeito às normas constitucionais, tarefa da qual depende a integridade do sistema político e a estabilidade do ordenamento normativo do Estado358.

No exercício de seu nobre mister, compete à Corte examinar questões relativas ao (des)respeito e à (in)efetividade dos direitos fundamentais, que podem decorrer tanto de ações como de omissões. Cabe ao Supremo o papel de último

                                                                                                               

357 Um lamentável exemplo dessa resistência ao avanço na efetivação de direitos sociais pelo Judiciário pode ser visto em decisão prolatada pelo Juiz de Direito titular da 7ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, que indeferiu pedido de tutela antecipada requerido por portadores do vírus HIV, pleiteando o fornecimento de coquetel de medicamentos para o tratamento da doença. O julgador entendeu inexistir fundado receio de dano irreparável, sob o seguinte argumento: “Todos somos mortais. Mais dia, menos dia, não sabemos quando, estaremos partindo, alguns, por seu mérito, para ver a face de Deus. Isto não pode ser tido por dano. Daí o indeferimento da antecipação da tutela”. (TJ/SP, Ação Cominatória nº 968/01, 26/7/2001).

358 STF, ADI 2.010-MC − Rel. Min. Celso de Mello − DJ de 12/4/2002. Registrou-se no decisum que o “inaceitável desprezo pela Constituição não pode converter-se em prática governamental consentida. Ao menos, enquanto houver um Poder Judiciário independente e consciente de sua alta responsabilidade política, social e jurídico-institucional”.

defensor dos direitos fundamentais dos indivíduos359, incluindo nesse rol o direito à

moradia adequada360.

Entretanto, ao consultar a expressão “direito à moradia” no repertório de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, apenas 11 resultados são apresentados 361 , sendo somente um deles especificamente relativo à sua efetividade. Entre os demais julgados foram encontrados sete decisões que tratam do direito à moradia no contexto da inviolabilidade do bem de família362, duas que se referem ao auxílio-moradia e uma que inclui o direito à moradia quando da análise da efetivação do direito à saúde.

O caso que trata detidamente acerca da efetivação do direito à moradia digna é o Agravo Regimento em Agravo de Instrumento nº 708667363. Nesse julgamento, o STF estendeu ao direito à moradia o entendimento predominante na Casa em relação a outros direitos fundamentais sociais – como saúde364 e educação365 −, no sentido de que o julgamento, pelo Poder Judiciário, acerca da

legalidade de atos dos demais poderes não representa ofensa ao princípio da separação dos poderes.

No caso em exame, o Estado de São Paulo se insurgia contra decisão judicial que determinou o cumprimento de termo de compromisso de ajustamento de conduta firmado entre ele e Ministério Público. O Estado se obrigou a promover a remoção e a regularização da moradia de famílias que habitavam em área de risco na região de Perus. Ficou registrado no julgado que

o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, como é o caso do direito à integridade física e à moradia digna dos administrados, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes,

                                                                                                               

359 STF, Rcl 11.243, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 5/10/2011.

360 Em pesquisa realizada pelo autor, foram encontradas cerca de 40 decisões acerca da efetivação/implementação de políticas públicas voltadas a direitos sociais no âmbito do STF, dentre elas apenas uma tratava sobre o direito à moradia adequada. cf. gráfico anexo.

361 Consulta realizada no mês de marco de 2014. Não foi encontrado nenhum resultado para as expressões “direito à habitação” e “direito fundamental à moradia”.

362 Acerca da temática envolvendo a penhorabilidade do bem de família, SARLET. Ingo W. SARLET, Ingo W. O direito fundamental à moradia aos vinte anos da Constituição Federal de 1988. In: Revista

Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Ano 2, n. 8, outubro/dezembro de 2008. 363 STF, AI 708667-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, 28/2/2012.

364 STF, RE 581352-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, 29/10/2013. 365 STF, ARE 639337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, 14/9/2011.

uma vez que não se trata de ingerência ilegítima de um Poder na esfera de outro.

Destarte, a Corte Maior consagrou no acórdão a possibilidade de o Poder Judiciário tomar as medidas necessárias à salvaguarda de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, em especial do direito à moradia, em hipóteses em que haja omissão indevida.

Em diversas outras oportunidades, o STF admitiu que, em situações de excepcionalidade, o Poder Judiciário pode determinar que a Administração Pública promova medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como fundamentais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes366.

Merece destaque, nesse ponto, a decisão do Ministro Celso de Mello ao julgar o Agravo Regimento em Recurso Extraordinário nº 639337367, que ao analisar a questão registrou:

DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM

SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE

INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. O Poder Público quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional, transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional.

Nesse sentido, na visão da Corte, é possível que o Judiciário, excepcionalmente, atue de forma a afastar essa lesão e a garantir a existência digna do ser humano em situações em que ficar demonstrada a omissão do Estado no tocante ao direito à moradia, podendo, inclusive, impor multa diária pelo descumprimento de obrigação imposta por decisão judicial368.

Ainda apreciando o referido AI 708667, o STF deixou claro que o indivíduo tem direito fundamental ao acesso a uma moradia e que essa deve ser “digna”. Esse entendimento consolida a ideia de que a garantia do direito à moradia não pode ser alcançada apenas com o elemento quantitativo, mas também com o                                                                                                                

366 O contexto analisado se referiu ao direito social à saúde, mas a fundamentação jurídica utilizada é plenamente compatível com o direito social à moradia adequada. STF, AI 809.018-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, 10/10/ 2012.

367 STF, ARE 639337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, 14/9/2011. 368 STF, AI 732188 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, 12/6/2012.

componente qualitativo. Dessa forma, para a Corte, esse direito social fundamental só pode ser tido como efetivamente viabilizado quando for disponibilizada moradia que seja compatível com a noção de dignidade humana.