• Nenhum resultado encontrado

1 (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NA SOCIEDADE CAPITALISTA

3. DO CONJUNTO HABITACIONAL CIDADE NOVA AO CONJUNTO PARQUE MODELO II: PROCESSO DE OCUPAÇÃO E LUTAS SOCIAIS

3.1. SURGIMENTO DO CONJUNTO HABITACIONAL CIDADE NOVA E OCUPAÇÃO DO PAAR

No entendimento da dinâmica de ocupação do município de Ananindeua há uma necessária ligação entre o expressivo crescimento populacional do município no período pós década de 1960 e o avanço das fronteiras econômicas do Capital na região, tendo em vista que neste quadro alocam-se dois processos: o grande contingente de trabalhadores rurais que “obrigados” a deixar suas terras procuram espaços de sobrevivência nas grandes cidades; e, a existência de trabalhadores urbanos à procura de terra para fixar moradia e realizar sua reprodução ou sobrevivência.

Há também que se considerar que a produção do espaço em Belém acompanha a dinâmica capitalista engendrada nas demais cidades metropolitanas do país, e, no caso específico da região amazônica, impõe uma nova lógica de produção do espaço regional patrocinada pela política de incentivos fiscais do governo federal, responsável pela atração de grande quantidade de trabalhadores para os diversos espaços das principais cidades amazônicas.

É fato que a intensificação da ocupação de Belém vem a reboque das inúmeras alternativas de moradia da população em áreas isoladas e longínquas, a exemplo dos grandes quarteirões com aberturas de vilas e passagens, das ocupações dos terrenos de cotas mais baixas (baixadas), além da ocupação e ultrapassagem de áreas do cinturão institucional23 (TRINDADE Jr., 1998).

Percebe-se que o crescimento contínuo da cidade de Belém em direção as novas áreas ocorre enquanto consequência do desenvolvimento da urbanização capitalista na região, que segundo afirma Rodrigues (1998), mostra-se compatível com os processos verificados nas periferias das diversas regiões metropolitanas, situações em que se exacerba a função habitacional dos espaços, decorrendo, portanto, desta importante condição o crescimento da procura por habitação e moradia, seguida da tentativa de inserção no mercado de trabalho dentro da cidade de Belém e áreas adjacentes, onde o desenvolvimento espacial obedece à lógica do modo de produção vigente.

A cidade enquanto construção humana, produto social, trabalho materializado, apresenta-se enquanto formas de ocupações. O modo de ocupação de determinado lugar da cidade se dá a partir da necessidade de realização de determinada ação, seja de produzir, consumir, habitar ou viver (CARLOS, 2011, p. 45).

As formas de ocupações apontadas pela autora possuem relação direta com a reprodução da lógica do capital através das intervenções da especulação imobiliária que reduzem a disponibilidade de terras também no espaço urbano de Belém, ocasionando a necessidade de espraiamento da cidade, através do crescimento populacional que pode ser claramente identificado quando analisados os números referentes à evolução populacional de Belém e de sua Região Metropolitana nos anos de 1950 a 1980. Conforme dados do IBGE (1960, 1970 e 1980) há um crescimento populacional na capital de 96,6% no ano de 1970, sofrendo queda na década posterior 93,4%, período de maior crescimento demográfico de áreas mais distantes do centro da cidade.

23As áreas denominadas de cinturão institucional dizem respeito aos espaços institucionais pertencentes ao governo federal e estadual, dentre as quais pode se elencar: os centros de pesquisas e instituições educacionais; áreas militares; áreas de serviços de utilidade pública; áreas destinadas a atividades recreativas e de lazer; áreas de preservação para reservatório de água; área de reserva para desenvolvimento futuro e centros administrativos do Estado. Conforme descrição feita por Trindade Jr., (1998).

Tabela 5

Evolução populacional na Região Metropolitana de Belém (1960 /1980)

ANO POPULAÇÃO

BELÉM ANANINDEUA RMB

1960 402.170 20.478 422.648

1970 633.374 22.257 655.901

1980 933.287 65.878 999.165

Fonte: IBGE – Censos demográficos – Anuários estatísticos do Brasil (1960 / 1980).

Nota-se que a evolução demográfica da RMB nos períodos apontados pelos Censos demográficos demonstra o dinamismo do município de Ananindeua, sobretudo, nas décadas de 1970 e 1980, onde segundo Rodrigues (1998, p. 145), “a taxa anual de crescimento de sua população chega a 11,4%”.

Trindade Jr (1998) afirma que a partir da década de 1970 com a ultrapassagem do “cinturão institucional” a malha urbana de Belém se expande consideravelmente para áreas consideradas distantes da Primeira Légua Patrimonial24 do município, especificamente para Rodovia Augusto Montenegro (eixo Belém-Icoaraci), BR-316 e Estrada do Coqueiro (eixo Belém-Ananindeua).

O município de Ananindeua na década de 1960 era considerado área com características agro-urbanas, tendo em vista a grande dimensão rural existente, e que posteriormente sofreria intensas modificações devido à instalação dos conjuntos habitacionais, das ocupações populares, além dos inúmeros empreendimentos industriais e comerciais (SANTOS; DINIZ & SCALON, 1990).

Ocorre que a implantação do Conjunto Cidade Nova no povoado do Coqueiro modifica a base rural de parte expressiva da área do município de Ananindeua - antes

24Quanto à definição da Primeira Légua Patrimonial, considera-se área de terra com aproximadamente 4.110ha, que

constituiu o patrimônio fundiário inicial da municipalidade – o chamado “rossio” -, doado pela Coroa Portuguesa em 1627. Obedece a um traçado de uma légua contada a partir do marco de fundação da cidade, o Forte do Presépio (Forte do Castelo) que foi demarcada no início do século XVII. Atualmente essa área corresponde à parte mais densamente construída e valorizada de todo o espaço metropolitano, sendo igualmente, a área onde está localizada a maior parte dos bairros oficialmente reconhecidos. Trindade Jr. (1998), ao discutir a importância da primeira légua patrimonial, relata que esta se caracteriza pela predominância do uso residencial do solo e pela concentração, no âmbito regional e metropolitano, do comércio em geral, do comércio especializado e de alguns subcentros de bairros com importância significativa, tendo os principais equipamentos de interesse coletivo concentrados nessa área.

possuía uso rural-produtivo devido a grande quantidade de propriedades rurais (retiros, sítios e granjas) – transformando-o em espaço urbano-habitacional voltado para o consumo coletivo (RODRIGUES, 1998). Considera-se, portanto, que a ação de implantação do Conjunto no município foi responsável pela transformação física do sitio da área que a partir da década de 1970 sofre um intenso processo de transição rural-urbano.

Nestas condições, o Conjunto Cidade Nova deve ser compreendido enquanto complexo habitacional viabilizado através da Companhia de Habitação do Estado do Pará – COHAB/PA, na década de 1970. Neste período, chegou a ser considerado o maior conglomerado habitacional planejado do Pará, seu desenvolvimento segue a lógica da manutenção da hegemonia política do Regime Militar que no período pós década de 1968 engendra um modelo de política habitacional popular através do Banco Nacional de Habitação – BNH, utilizando como parâmetro o Plano Nacional de Habitação Popular – PLANHAP25.

Considerando-se que a área disponível pela COHAB-Pará no Cidade Nova alcança 10.589.462,01m², e tomando-se por base a média de 377,8m² correspondente à relação entre projeto urbanístico/unidades habitacionais, estima- se a possibilidade de construção de 28.030 casas, e, assim, a aglomeração de 138.468 pessoas, caso se continue com o padrão de construção horizontal adotado. Em termos comparativos a dimensão territorial, do Cidade Nova supera em 38% o tamanho do maior bairro de Belém, o Souza, que segundo a CODEM, mede 7.668,00m² (RODRIGUES, 1998, p. 148).

No caso do Conjunto Cidade Nova sua ocupação está diretamente ligada aos novos vetores de expansão urbana que reafirmam a tendência de crescimento da área urbana na RMB, sendo importante destacar que no caso dos investimentos realizados pela COHAB/PA na área, um dos condicionantes de execução dos projetos de habitação popular propostos pelo BNH direcionados para o município de Ananindeua, teria como fator primordial o valor do preço da terra que à época apresentava valores mais acessíveis no conjunto da RMB (TRINDADE Jr., 1998).

25Conforme assegura Rodrigues (1998), o objetivo principal do PLANHAP à época de sua institucionalização no ano

de 1973 era amenizar as desigualdades sociais existentes, através do acesso à propriedade imobiliária urbana, no entanto, as medidas adotadas contraditoriamente possuíam outro viés: satisfaziam os interesses dos grupos econômicos ligados à construção civil e dos agentes do mercado imobiliário.

Trindade Jr. (1998), chama atenção para um paradoxo existente nos mecanismos de escolha adotados pela COHAB/PA quanto à aquisição de terrenos para construção dos conjuntos habitacionais nas periferias distantes, pois embora os terrenos afastados da primeira légua patrimonial fossem considerados com preços acessíveis, inevitavelmente os custos com investimentos em infraestrutura e equipamentos comunitários teriam valores elevados devido à ausência expressiva da disponibilidade destes serviços nestas áreas, embora a instituição defendesse que supostamente o custo das obras seria mais rentável.

Evidentemente que o discurso de redução dos custos na realização das obras dos conjuntos habitacionais não pode ser tomado como principal justificativa para a implementação dos projetos, tendo em vista que a construção de conjuntos habitacionais, bem como as ações de remoção populacional propostas pela política habitacional possui estreita relação com o objetivo de expulsão da população das áreas destinadas à especulação imobiliária para periferia distante do grande centro.

Rodrigues (1998, p. 196) ao discutir o processo de desconcentração populacional de Belém para periferia distante da primeira légua patrimonial, revela que no seu estudo sobre o Conjunto Cidade Nova 71,4% das pessoas pesquisadas moradoras do Conjunto, teriam como moradia anterior o distrito de Belém que desponta como lugar predominante, seguido de Ananindeua (23,6%), outros municípios do Pará (33,6%) e fora do Estado (1,4%). A autora identifica ainda, que os números referentes à quantidade de antigos moradores das áreas de Belém demonstram que nos últimos anos tem aumentado o potencial freador da migração para Belém.

Corrêa (2011) afirma que a descentralização das áreas consideradas de grande importância política e econômica (centros regionais) tem a ver com a reprodução interna da expansão capitalista verificada atualmente em escala global, pois a necessidade de descongestionamento do sistema de transporte e comunicação, a dificuldade de obtenção de espaços para expansão devido às restrições ao uso e valor da terra, e o crescimento demográfico e espacial da cidade condicionam a necessidade de adequação de novas áreas limítrofes à área central, responsáveis pela garantia de reprodução do capital e da força de trabalho.

Abelém (1992) ao observar esse processo cada vez mais recorrente no espaço urbano regional amazônico, identifica uma contínua desconcentração demográfica e

espacial ocorrida no cenário regional principalmente a partir da década de 1960, acentuando que:

Embora a população urbana regional continue concentrada nas capitais estaduais (64,3% em 1980), principalmente em Belém e Manaus (53,8% da população das capitais regionais), outras localidades de porte pequeno e médio apresentam um acelerado ritmo de crescimento, superior inclusive ao das capitais, como é o caso, entre outros, de Marabá, Ananindeua, Santarém, Altamira, Ariquemes e Ji- Paraná. Há, portanto, uma dispersão concentrada, evidenciando a tendência da população amazônica a se aglomerar cada vez mais em uma fração cada vez menor de seu território (ABELÉM, 1992, pp. 04-05).

A autora aponta ainda que esta dinâmica é responsável por apresentar inúmeras alterações na constituição da rede urbana na Amazônia, pois o espaço urbano a partir desta lógica é continuamente organizado e desorganizado, tendo o Estado como responsável pelos investimentos produtivos e infraestruturais funcionais à expansão das fronteiras do espaço global do capital.

Em Ananindeua, o processo de dispersão concentrada a partir dos índices elevados de adensamento populacional e espraiamento demográfico e espacial do Conjunto Cidade Nova, tem como foco o conjunto PAAR26 (Pará, Amazonas, Acre e Rondônia), que inicialmente surge como parte da estratégia de ordenamento da periferia, no entanto, em sua fase final o conjunto habitacional foi amplamente ocupado, e durante muitos anos chegou a ser considerado enquanto a maior área de ocupação do país e da América Latina.

A lógica de ocupação dessa área, resultou não só no espraiamento dos assentamentos, como também num quadro urbano construído de maneira caótica, com uma malha urbana única, porém descontínua e fragmentada. As áreas de ocupação estão, em sua maioria, dispostas em torno dos conjuntos residenciais e núcleos urbanos. Cerca de 90% das ocupações realizadas a partir da década de oitenta no espaço metropolitano se situam nessa área, ratificando a tendência de suburbanização do processo de periferização, que no primeiro momento da metropolização se verificou nas áreas de baixadas da Primeira Légua Patrimonial (Trindade Jr. 1998, p. 141).

Segundo Barros (2007), as terras do Conjunto PAAR faziam parte do Curtume do Maguari, sendo posteriormente adquiridas pela COHAB/PA em meados de 1989,

26O Conjunto PAAR tem aproximadamente 1.804.200 m², situa-se a Nordeste do Estado do Pará, às margens da BR-316 e abrange uma área territorial de 185 km². Dados disponíveis no site da ONG Arca de Noé: http://socialarcadenoe.org

tendo em vista o objetivo de construção de um novo conjunto habitacional denominado “Guajarazão”, financiado pela Caixa Econômica Federal (CAIXA). O projeto do conjunto habitacional seguiria o mesmo padrão de construções de casas populares realizadas anteriormente, nos Conjuntos Cidade Nova e Guajará.

No final dos anos 80, a área do PAAR foi demarcada para a construção de um grande conjunto residencial com 4.289 unidades habitacionais além de equipamentos de uso comunitário. A área do Conjunto a partir de uma observação aérea feita pelos técnicos da COHAB/PA teria a configuração geográfica dos Estados do Pará, Amazonas, Acre e Rondônia.

Alves (1997) revela que a principal proposta do Projeto para a implantação do Conjunto PAAR elaborado em maio de 1990, era inserir a população alvo assegurando- lhes a participação desde a escolha do padrão habitacional, bem como o acompanhamento de sua construção. Neste sentido, a construção desde Conjunto fazia parte de uma nova proposta que vinha sendo adotada pela CAIXA, onde o mutuário poderia participar de todas as etapas do planejamento de conjuntos destinados à moradia, desde a fase inicial até o momento de recebimento do imóvel.

Com base em informações coletadas junto aos técnicos da COHAB/PA responsáveis pela operacionalização do projeto no conjunto, Barros (2007), destaca que no primeiro momento da elaboração do projeto PAAR, foram liberados recursos pela CAIXA para a implantação de infraestrutura (limpeza da área, terraplenagem, rede de drenagem, pavimentação, rede de água e esgotos, meio-fio, posteamento e sistema de energia elétrica e loteamento), além de equipamentos de uso comunitários, tais como: escolas, creches, postos de saúde e outros.

No período que antecede o momento da ocupação do conjunto por cerca de seis mil famílias em setembro de 1990, já haviam sido realizados investimentos em diversos equipamentos comunitários e infraestrutura, embora haja divergências acerca dos percentuais de infraestrutura construída que variam entre 65% a 80%, conforme imprecisão de dados contidos nos documentos da COHAB/PA, que tratam da implantação do conjunto (BARROS, 2007).

Outra questão que norteia o processo de ocupação do PAAR diz respeito ao repasse de recursos financeiros do Governo Federal para o término das obras no conjunto que ocorriam de acordo com as parcelas liberadas pela CAIXA para a continuidade das obras. Sobre este processo Alves (1997, p. 98), afirma que “a invasão do Conjunto PAAR

reflete a crise do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e a precariedade no repasse financeiro do Governo Federal à Política Habitacional”, fato que segundo a autora associa-se diretamente ao afastamento e/ou diminuição das funções do Estado enquanto provedor dos serviços básicos de consumo coletivos, o que foi determinante para a ocorrência das ocupações, muito presentes nas décadas de 1980 e 1990.

Conforme assegura Barros (2007), a ocupação do conjunto PAAR ocorre a partir da área do canteiro central, próxima ao Conjunto Icuí-Guajará, sendo planejada por lideranças comunitárias, a ação não atingiu um ordenamento na ocupação do espaço, tendo em vista a depredação de muitos equipamentos de uso coletivo existentes na área, a ocupação de espaços destinados ao lazer, educação, além do furto de equipamentos do sistema elétrico.

Esta realidade demarca um fenômeno constante na região ao se considerar o processo de reprodução social dos trabalhadores nos diversos espaços da RMB, e as condições de sobrevivência de grande parcela da população, tendo, consequentemente inúmeros reflexos na configuração espacial intra-urbana da metrópole e áreas contíguas, situação gerada pelas precárias condições de vida dos trabalhadores nos espaços urbanos, pois,

[...] Com o empobrecimento da classe trabalhadora e dos migrantes a população mais carente é expulsa das áreas centrais através de programas de remoção e renovação urbana ou expulsas indiretamente pelos impostos, aluguéis, especulação imobiliária. As próprias baixadas vão sendo urbanizadas e sua população passa a migrar internamente nessas áreas em busca da casa própria que lhe dê abrigo e garanta sua reprodução (ABELÉM, 1992, p. 07).

A ocupação do PAAR ocorreu quando os lotes e arruamentos já haviam sido demarcados, e com a ocupação das unidades habitacionais pelas seis mil famílias de trabalhadores que buscavam alternativa de moradia, não se deu a continuidade do projeto por parte da COHAB/PA, ficando assim a cargo dos próprios moradores. Posteriormente a extensão e o desmatamento de sua área deram origem ao Bairro Curuçambá, considerado inicialmente como área de ocupação agregada.

3.2. PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO BAIRRO CURUÇAMBÁ E SURGIMENTO