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Capítulo 1 – Quadrinhos e cultura popular

1.1 Surgimento dos quadrinhos

Conceitua-se que as histórias em quadrinhos, da forma como conhecemos hoje,83 tiveram sua origem em 1837 com a publicação Les Aventures de Monsieur

Vieux-Bois, criada pelo suíço Rudolphe Töpffer. Descoberto em 1998 em Oakland,

Califórnia, o livro de 40 páginas, sem balões de fala, mas com textos sob painéis para descrever a história, foi considerado o primeiro livro impresso em quadrinhos, sendo traduzido para diversas línguas, entre elas o inglês, e publicado na Inglaterra em 1841 e nos Estados Unidos em 1842, com o título The Adventures of Mr.

Obadiah Oldbuck, como parte do periódico Brother Jonathan, publicado em Nova

York desde 1839. Denominada por Töpffer de la litterature en estampes, o artista criou uma nova forma de expressão e publicou pelo menos sete outros álbuns com narrativas que incorporavam letras e imagens.84 Conforme Randy Duncan e Matthew

J. Smith:

One of Töpffer‘s innovations was that he used the medium of sequential art to tell entertaining fictional stories. Morality tales and propaganda were replaced by slapstick tales of absurdist antiheroes who struggled against the whims of fate. Yet his greatest innovations were not in content, but in form.85

83 Há uma grande quantidade de pesquisas que procura determinar a ―verdadeira origem‖ das

histórias em quadrinhos, remetendo-a ao protestantismo inglês, à Idade Média e até às pinturas rupestres. Já que este é um tema mais distante no que se refere ao assunto tratado aqui, optamos por nos silenciar quanto às origens remotas e trazer à tona apenas as informações referentes à trajetória da mídia no contexto estadunidense.

84 GROENSTEEN, Thierry. Töpffer, the originator of the modern comic strip. In: LEFEVRE, Pascal;

DIERICK, Charles. Forging a new medium: the comic strip in the nineteenth century. Brussells: VUB University Press, 1998. p. 105 et seq.; GABILLIET, Jean-Paul. Of comics and men: a cultural history of American comic books. Mississippi: The University Press of Mississippi, 2010. p. 3.

85 DUNCAN, Randy; SMITH, Matthew J. The power of comics: history, form & culture. New York:

47 O livros de Töpffer foram publicados nos Estados Unidos até 1877 e, segundo Duncan e Smith,86 serviram de inspiração para outros gravuristas, entre eles Gustave Doré, que, em seu primeiro trabalho, Les travaux d'Hercule, seguiu o modelo de Töpffer em forma e estilo, mas foi superior na qualidade do desenho.

Na segunda metade do século XIX, a popularidade de livros ilustrados cresceu consideravelmente. Em geral, eles não eram compostos por histórias em quadrinhos, mas influenciaram a percepção de que a imagem auxiliava o produto a se tornar popular. Logo os jornais decidiram investir nesta novidade para atrair as vendas. Surgiu assim o cartum Hogan’s Alley, criado por Richard Outcault em 1894, para o jornal Sunday World, que eternizaria o personagem principal, carinhosamente batizado de Yellow Kid pelos leitores nova-iorquinos. Yellow Kid se tornou um personagem extremamente popular e muito comercializado. Como resposta à popularidade, em março de 1897, foi publicado The Yellow Kid in McFadden's Flats, a primeira coleção de histórias em quadrinhos dos Estados Unidos, um álbum de 196 páginas, publicado em preto e branco e vendido a 50 centavos. A reimpressão de quadrinhos de jornais em coletâneas se tornou prática dominante no mercado até 1934.

David Hadju afirma que o primeiro objetivo dessas publicações ilustradas era alcançar as classes mais baixas e aumentar o apelo informativo para o público que não era capaz de ler, ou que não lia inglês, já que, naquele período, Nova York era formada por um grande número de imigrantes. Segundo o autor, a iniciativa fora tão bem-sucedida que, em menos de uma década da criação de Yellow Kid, dezenas de jornais utilizavam a mesma fórmula. 87

Segundo Gabilliet, a imprensa diária desenvolveu-se drasticamente após a inserção dessa classe trabalhadora urbana – que apreciava muito imagens acompanhando as notícias e, preferencialmente, acompanhada de sensacionalismo – como sua consumidora. O autor afirma que rapidamente a prática foi seguida pelas revistas, que passaram a ser ainda mais ilustradas do que os jornais, e pelas revistas infantis, que perceberam o potencial comercial das imagens. Desse modo, Gabilliet concorda que esse movimento gerou quatro consequências sociais: a formação do gosto do público americano pelo cartum humorístico; a emergência de

86 Ibidem, p. 25-26.

87 HADJU, David. The ten-cent plague: The great comic-book scare and how it changed America.

corporações informais de ilustradores, que posteriormente se tornariam os ―pais dos quadrinhos americanos‖; a mudança de ilustrações em um único painel para o uso de painéis sequenciais e o surgimento de um mercado de jornais publicados em cores.88 A transformação da mídia jornalística causou impacto aos trabalhadores

imigrantes de Nova York, que passaram a se sentir inclusos. Conforme Hadju:

In their earthiness, their skepticism toward authority, and the delight they took in freedom, early newspaper comics spoke to and and the swelling immigrant populations in New York and other cities where comics spread, primarily through syndication (altrought locally made cartoons appeared in papers everywhere). The funnies were theirs, made for them and about them. Unlike movements in the fine arts that crossed class lines to evoke the lives of working people, newspaper comics where proletarian in a contained, inclusive way. They did not draw upon alleys like Hogan’s as a resource of rened expression, as Toulouse-Lautrec had employed the Moulin Rouge, nor did they use Hooligan’s clashes with the law for pedagogy, to expose powerful to the plight of the underclass, as John Steinbeck would utilize Cannery Row. The comics offered their audience a parodic look at itself, rendered in the vernacular of caricature and nonsense language. The mockery in comics was familial – intimate, affectionate, and merciless.89

Hadju afirma ainda que, logo que as publicações de quadrinhos em jornais começaram a disseminar-se, uma forte crítica passou a condenar e censurar grande parte do material que circulava pela classe trabalhadora de Lower Manhattan. O motivo inicial dessas críticas está relacionado a aspectos econômicos, pois os quadrinhos estavam diminuindo o mercado para os romances vitorianos e ganhando ainda mais espaço por alcançar o público de imigrantes não leitores de inglês. Entre as críticas, estava a que denunciava o fato de os quadrinhos serem infantilizados e brutais, além de se constituírem em subliteratura, sem qualidade ou sofisticação, e de sua arte ser considerada muito rústica. Para Hadju, entretanto, essas acusações iam muito além das questões literárias ou artísticas. Segundo o autor, havia certa ―perseguição social‖, pois os críticos condenavam muitos aspectos dos jornais que publicavam esses quadrinhos simplesmente por eles serem produzidos pela e para a classe social mais baixa. Conforme pesquisa do autor, foram poucas as publicações que procuraram adaptar-se à crítica, que, por sua vez, tornou-se quase

88 GABILLIET, Jean-Paul. Of comics and men: a cultural history of American comic books.

Mississippi: The University Press of Mississippi, 2010. p. 5.

89 HADJU, David. The ten-cent plague: The great comic-book scare and how it changed America.

49 nula quando os eventos da Primeira Guerra Mundial passaram a afetar o cotidiano dos cidadãos americanos.90