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Capítulo 2 – Senso comum e conceitos

2.2 Vilania

Nas revistas de super-heróis, o antagonista é tão importante quanto o protagonista afinal, não há herói sem vilão. Todo grande super-herói – entendemos aqui grande no sentido de principais personagens – possui uma galeria de vilões que o acompanha e que, de tempos em tempos, aparece para comprometer a paz. Segundo Coogan, assim como o herói representa os valores e virtudes de uma sociedade ou cultura, o vilão representa a inversão desses valores. Além de representar, ele também executa essa inversão, causando uma quebra no cotidiano e forçando o herói a agir em defesa da comunidade.147 Nesse sentido, Duncan e Smith, afirmam que o vilão é mais importante para o enredo do que o herói, pois é ele quem causa o estopim das narrativas:

They [superheroes] typically do not seek to redistribute wealth, change sitting governments, or otherwise alter the existing social order. Supervillains, on the other hand, are out to change the world. They may well aim to take from the rich to give to the poor (albeit themselves) or underseat elected presidents in order to establish new forms of government (again benefiting themselves, presumably as dictators). Such provocative actions call the comparatively passive heroes into action, moving the story forward in exciting ways. Supervillains are active; superheroes are reactive.148

147 COOGAN, Peter. Superhero: the secret origin of a genre. Texas: MonkeyBrain Books, 2006. p. 61. 148 DUNCAN, Randy; SMITH, Matthew J. The power of comics: history, form & culture. New York:

A partir dessa perspectiva podemos afirmar que os super-heróis assumem um caráter conservativo na luta contra os vilões. Conforme defendem Ariel Dorfman e Manuel Jofré, o herói:

[...] não se opõe ao mundo, não se rebela contra as leis desse universo, mas, pelo contrário, aparece como uma emanação natural e moral dessas tendências, com quem concretiza no plano da aventura os mandatos das normas transcendentes, ou o que permite, com sua força e habilidade, que essas leis possam atuar por conta própria para que o sistema possa mostrar, sem interferências, sua incessante autorregulamentação mecânica.

[...] Por isso, a chegada do super-herói é sempre providencial. Só se produz a intervenção quando já foi colocado o primeiro ponto de desequilíbrio.149

Dessa forma, reconhecemos o super-vilão como o oposto do super-herói: egoísta e cuja busca (independente de qual seja o objetivo) visa satisfazer seus desejos pessoais acima do bem-comum e cujos propósitos geralmente destoam aos da sociedade e cultura em que está inserido. Entretanto, diferentemente dos heróis e super-heróis que são categorizados por suas capacidades físicas, o que diferencia o vilão tradicional do super-vilão consiste na capacidade do mesmo em interferir na sociedade. Um vilão respeitável, ―digno da preocupação do super-herói‖, é aquele cujas ações produzem consequências em grandes proporções, muito além da capacidade de um vilão ordinário, como Galactus que deseja se alimentar do planeta, Dr. Doom que busca governar todo o mundo ou Coringa, cujas ações são geralmente incompreensíveis.150

Segundo Coogan, por ambicionar muito mais do que um vilão comum, os super-vilões tendem a tornarem-se grandes artistas na criação de esquemas criminosos. Nesse sentido, Coringa, arqui-inimigo de Batman, é o exemplo máximo: ele não possui poderes especiais, mas sua capacidade de instaurar o caos é tão espetacular quanto o show que promove a cada crime cometido. Coogan conceitua a existência de cinco tipos de super-vilões: os monstros – formas bestais que revelam o inverso da humanidade; comandantes inimigos – líderes políticos ou militares, cujo poder é legitimado a ele por ser uma autoridade legal e que tem o domínio dos recursos e o aparato estatal; cientistas malucos – personagens com comportamento obsessivo, cuja realização de um objetivo e métodos pouco

149 DORFMAN, Ariel; JOFRÉ, Manuel. Super-Homem e seus amigos do peito. Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 1978. p. 51.

150 DUNCAN, Randy; SMITH, Matthew J. The power of comics: history, form & culture. New York:

Continuum, 2009. p. 229; COOGAN, Peter. Superhero: the secret origin of a genre. Texas: MonkeyBrain Books, 2006. p. 76-77.

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ortodoxos o torna extremamente perigoso; gênios criminosos, vilões cujos planos são tão genais que desafiam aos melhores detetives; e os super-heróis invertidos (inverted-superhero supervillain) – vilões com as mesmas características de um super-herói (poderes especiais, codinomes e fantasias), mas sem um grande objetivo e, por isso, podem vir a arrepender-se tornarem-se heróis. A categorização defendida pelo autor está diretamente ligada à missão de cada um dos vilões. Os monstros comumente são criaturas naturalmente destrutivas, que se tornam vilões ao atacar a humanidade e geralmente são comandados por um segundo vilão. Os comandantes inimigos são ideologicamente motivados a conquistar ou subverter as nações ou sociedades com as quais estão em guerra. Os cientistas malucos são dominados pela busca do conhecimento e passam do limite estabelecido, assim causam o mal por estarem dispostos a sacrificar qualquer coisa pelo conhecimento. Os gênios criminosos são dominados pela ambição e desejo de poder. Por fim, os super-heróis invertidos, que Coogan afirma serem os mais complexos, cuja missão provém de um desvio pessoal (seja ele qual for) que o personagem tenha sofrido antes de adquirir seus poderes especiais, em geral uma experiência traumatizante que o impediu de tornar-se um herói.151

A categorização desenvolvida por Coogan representa a essência da vilania nos quadrinhos desde sua origem. Nas narrativas de Captain America Comics, observamos com grande frequência o aparecimento de vilões no estilo de comandantes inimigos e gênios criminosos, sendo que também há monstros e cientistas malucos em menor escala e, no período estudado, nenhum caso de super- herói invertido.