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5 APROXIMAÇÕES TEÓRICAS ENTRE A ESTRATÉGIA COMO PRÁTICA, O

6.5 Técnica de Análise dos Dados

O método de tratamento dos dados será a Análise do Discurso Crítica (ADC) proposta por Fairclough. Conforme Wodak (2003), a ADC teve sua origem na Linguística Crítica (LC) na década de 1970. Para a LC, as representações linguísticas são moldadas por sistemas de valores que são incorporados à linguagem, ao mesmo tempo em que as representações podem refletir também estruturas sociais (BAÊTA; BRITO; BARROS, 2017).

Segundo Resende e Acosta (2018) a ADC baseia-se na ideia de que a linguagem atua na sociedade, podendo ser por ela modificada e ao mesmo tempo, dialeticamente, promover mudanças sociais. É considerada uma interdisciplina que oferece um rico quadro teórico-metodológico para investigações da linguagem mediante a análise situada de textos. O termo discurso em ADC pode ser compreendido sob dois prismas: como momento das práticas sociais e como um modo

particular de representar a experiência do sujeito no mundo (RAMALHO e RESENDE, 2011).

O referencial da presente pesquisa, bem como seus objetivos, estão alinhados a este arcabouço teórico-metodológico uma vez que Fairclough (2000), assim como Giddens (2003), entende e considera que a separação das teorias da ação e estrutura são improdutivas, propondo então uma análise integrada do discurso considerando esta recursividade e estruturação ao longo do tempo. Além disso, o discurso como um momento da prática social, amplia a capacidade explicativa dos fenômenos estudados sob a perspectiva da estratégia como prática (ANDRADE et al., 2016).

O primeiro modelo proposto por Fairclough (1989) apresenta três dimensões por intermédio das quais o discurso atua: o texto (oral e escrito), a prática discursiva (leitura e interpretação) e a prática social (relação entre os processos discursivos e sociais). Contudo ressalta-se que essa separação é ilusória, tendo em vista que ao se analisar o texto, analisam-se também concomitantemente as questões ligadas à forma e ao significado, sendo que as três dimensões estão inter-relacionadas (FAIRCLOUGH, 2001).

Nesta pesquisa utilizaremos do recurso texto, originado em documentos públicos e entrevistas realizadas. Portanto, estes são entendidos aqui como eventos discursivos, que podem apresentar traços da ação individual e social das quais fizeram parte, das interações proporcionadas por ele, de relações sociais mais ou menos assimétricas, de crenças, valores e contexto sócio histórico em que foram produzidos6 (RAMALHO e RESENDE, 2011).

Importante ainda considerar que para Fairclough (2001) toda prática discursiva é social e vice-versa e ambas precisam ser entendidas à luz dos aspectos micro e macro sociais, buscando entender como as estruturas sociais moldam os textos e quais seus efeitos e possibilitando desvelar efeitos ideológicos, políticos, hegemônicos em que estão imbuídos (BAÊTA; BRITO; BARROS, 2017).

O segundo modelo do autor é ampliado e propõe categorias analíticas para cada uma das dimensões expostas anteriormente, quais sejam: na dimensão texto: vocabulário, gramática, coesão e estrutura textual. Na dimensão prática discursiva: produção, distribuição, consumo, contexto, força, coerência e intertextualidade. Na

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Neste caso salientam-se principalmente os documentos públicos como atas, relatórios e leis, que passam pela leitura, discussão e aprovação de diversos participantes.

dimensão prática social: ideologia, sentidos, pressuposições, metáforas, hegemonia, orientações econômicas, políticas, culturais e ideológicas (FAIRCLOUGH, 2001).

Deste modo, é possível perceber que a linguagem possui papel fundamental nas análises, já que está presente em todos os níveis da vida social, desde os mais fixos (estruturas sociais), como aos mais flexíveis (eventos sociais) e intermediários (práticas sociais). Contudo, para a ADC é nas práticas sociais que a linguagem se manifesta como discurso, como uma parte irredutível das maneiras de agir e interagir, representar e identificar a si mesmo, ao outro e aos aspectos do mundo. Estes três modos como o discurso figura nas práticas sociais dá origem aos significados do discurso faircloughianos, os quais são atrelados à elementos de ordens do discurso, quais sejam: gêneros – significado acional; discursos – significado representacional e estilos – significado identificacional (FAIRCLOUGH, 2003; RAMALHO e RESENDE, 2011).

Além disso, a investigação do discurso como prática social é realizada por meio de um conceito de discurso vinculado à ideologia e poder (BARROS, 2008). Ramalho e Resende (2011) defendem que como uma ciência crítica, a ADC preocupa-se com os efeitos ideológicos que o sentido de textos possam desenvolver sobre as relações sociais, ações e interações, crenças, conhecimentos, valores e identidades, ou seja, como podem atuar a serviço de projetos particulares de dominação e exploração, sustentando distribuições desiguais de poder. O conceito de ideologia é retomado de Thompson e busca representar a luta, por meio dos discursos, pela universalização e naturalização de interesses particulares que estabelecem e sustentam relações de dominação (RAMALHO e RESENDE, 2011). Nas palavras de Fairclough (2003, p.9) são “representações dos aspectos do mundo que podem contribuir para estabelecer, manter e mudar relações sociais de poder, dominação e exploração”.

Já a concepção de poder aqui, relaciona-se à hegemonia é retomado de Gramsci, onde é concebido como temporário e de equilíbrio instável, posto que os indivíduos com sua agência podem alterar e buscar superar relações assimétricas de poder. Desse modo, defende-se que há diferentes formas de instaurar e manter a hegemonia, dentre elas, por intermédio do discurso. Quando perspectivas se dão para benefício de poucas pessoas em detrimento de outras, acontecem representações ideológicas e distribuição desigual de poder, a qual normalmente é baseada no consenso e não na força, o que reforça a utilização de argumentos discursivos ideológicos. Para que os grupos particulares mantenham-se em posição hegemônica é

preciso que eles estabeleçam e sustentem liderança moral, política e intelectual na vida social (RAMALHO e RESENDE, 2011).

Segundo Baêta, Brito e Barros (2017) a ADC é oportuna ainda para análises que envolvam problemas práticos da vida social e compreensões de significados atribuídos pelos atores sociais dentro dessas práticas. Neste sentido, a esta pesquisa, interessa a compreensão de como os discursos e recursos de texto atuaram por meio das práticas sociais. Especificamente, compreender de que forma eles influenciaram e foram influenciados pelas ações estratégicas de atores sociais no processo de criação e consolidação do campus; desvelar aspectos subjetivos, ideológicos, políticos e hegemônicos contidos nos mesmos e observar os efeitos indutores e inibidores, possibilitando ao final, críticas potenciais e explanatórias relacionadas ao fenômeno de consolidação de campus fora de sede.

Ademais, embora Fairclough (2003) admita que a relação entre os significados seja dialética e que cada um deles internalize traços um do outro, esta pesquisa se dedicará à compreensão dos significados identificacional e representacional na análise dos textos.

O significado representacional está ligado à maneira de representar particularmente os aspectos do mundo, ou seja, diferentes discursos apontam para diferentes olhares ou visões dos indivíduos sobre os fatos e o meio em que estão inseridos, o que por sua vez associa-se também às relações que eles estabelecem entre si e às posições que ocupam. Desta forma, um mesmo evento pode apresentar vários discursos, compatíveis ou não, dependendo da relação tecida entre eles. Assim uma das categorias de análise deste significado é a interdiscursividade, que ocorre quando um mesmo texto articula vários discursos, realçando e validando determinados aspectos e refutando outros, por exemplo. Além disso, o significado representacional também pode ser observado à luz da categoria de representação dos atores sociais, ou seja, a forma como eles são representados nos textos, sendo protagonizados ou ocultados, os juízos de valor que lhe são imputados, seus papeis, podem revelar posicionamentos ideológicos relacionados a eles e suas atividades (FAIRCLOUGH, 2003; SOUZA, 2012).

O significado identificacional está ligado aos estilos, ao modo como o sujeito identifica a si e aos outros, às identidades sociais e individuais. É importante considerar que para Fairclough (2003) a identidade está diretamente ligada ao discurso, sendo que ela é um efeito dele e está nele construída, considerando-se que os atores sociais

não estão hermeticamente definidos em textos e eventos, mas que agem, criam e modificam no meio em que estão. Para Castells (2004), identidades são construídas em contextos marcados por relações de poder, assim, o autor sugere três tipos de identidades:

Identidade Legitimadora: introduzida por instituições dominantes objetivando expandir e consolidar sua atuação aos atores sociais;

Identidade de Resistencia: construída por atores que estão em posições ou condições desvalorizadas, sendo marcada por focos de resistência;

Identidade de Projeto: ocorre quando os atores sociais redefinem suas posições na sociedade e criam uma nova identidade.

Neste sentido, entende-se que essas identidades podem ser alteradas ao longo do tempo, de modo que uma identidade de resistência possa se tornar adiante uma identidade de projeto ou até mesmo legitimadora. A ADC interessa-se em compreender como ocorrem esses embates discursivos entre identidades e quais os efeitos dessa dinâmica no contexto social analisado (SOUZA, 2012).

Em relação às categorias de análise do significado identificacional, serão utilizadas a avaliação e metáfora, sendo que a primeira se refere às afirmações avaliativas ou juízos de valor expressos no discurso e que podem ser representados por meio de adjetivos, advérbios, exclamações, exposição dos fatos como importantes ou não, desejáveis ou não, por exemplo. Já a segunda é utilizada para realçar ou encobrir aspectos nos discursos, de modo que quando o sujeito utiliza-se de uma metáfora e não de outra, acaba por construir sua realidade de uma forma e não de outra e apontar sua maneira de representar o mundo e identificar-se com ele (FAIRCLOUGH, 2003).

Com o intuito de facilitar a leitura e compreensão dos resultados, as análises dos discursos que remeterem à ADC, seus significados e variáveis, bem como menções relacionadas a poder, ideologia e hegemonia serão destacadas em itálico, já sua localização nos textos analisados será destacada em negrito. A figura abaixo sintetiza os significados, categorias e variáveis analisados:

Figura 16: Significados, categorias e variáveis utilizados nas análises dos discursos.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Fairclough (2003), Castells (2004) e Souza (2012). Por fim, salienta-se que investigações pautadas pela ADC buscam ir além do conteúdo, examinando como ele é utilizado para alcançar certos efeitos e quais são seus significados (VERGARA, 2009), assim, não exclui-se a subjetividade e interpretação do pesquisador, ao contrário, elas se tornam imprescindíveis à pesquisa, fazendo com que seus resultados assumam um caráter sui generis (FAIRCLOUGH, 2001).

Assim sendo, ressalta-se que as interpretações e resultados aqui encontrados não possuem objetivo de generalizar ou limitar o entendimento dos fenômenos estudados, mas apenas oferecer algumas, dentre as várias possibilidades, para análise e compreensão dessas realidades observadas com base nos discursos obtidos. A seção abaixo traz o desenho da pesquisa de forma sintética, elucidando os passos adotados para o alcance dos resultados.

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