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A história da tecnologia vem sendo registrada junto com a história das técnicas, com a história do homem. Tendo Gama (1986) como referência, retomaremos o contexto de cinco períodos históricos da técnica e da tecnologia.

O primeiro período histórico é o da energia dos músculos humanos, período em que o homem utilizava apenas a força física para a realização das tarefas. No segundo período, de domesticação dos animais, o homem consegue aumentar a energia disponível para o trabalho no momento em que coloca cargas sobre alguns animais, avançando mais com a utilização dessa força para a tração de carros e como montaria. O terceiro período abre-se com o uso do moinho d’água, no baixo Império Romano, momento de significativo avanço, em que o homem, além da força dos animais, aprende a utilizar a força dos recursos naturais, como a água e o vento, para a produção de alimentos . O quarto período, o da máquina a vapor, representa um período de grande avanço na história, pois essa força motriz foi-se transformando, gradualmente, em um importante instrumento para a produção. Já o quinto e último período está relacionado ao momento contemporâneo, da energia atômica e das TIC, representando um momento de grande velocidade nas transformações, período sobre o qual nos iremos deter nos próximos capítulos.

Quanto ao conceito de tecnologia, para White (1985), citado por Gama (1986), de um modo amplo, a tecnologia é “a maneira pela qual as pessoas fazem as coisas.” (p.11) Esse conceito inicial é criticado por Gama (1986), sendo considerado muito amplo, já que, nele, poder-se-ia inserir muitas coisas que, não necessariamente, seriam tecnologia. Alguns anos após a formulação desse conceito por White, o cientista Gordon Childe (1986), com sugestões de Charles Singer, divulga que “tecnologia deveria significar o estudo daquelas atividades dirigidas para a satisfação das necessidades humanas, que produzem alteração no mundo material.” (GAMA,1986, p.11)

Os dois conceitos iniciais acima apresentados divergem-se, cormo sustenta Gama (1986). O conceito de White refere-se ao fazer (técnica) e o conceito de Gordon Childe (1986) refere-se ao estudo das atividades dirigidas à satisfação das necessidades humanas. Aproximando-se da vertente de White e também citado por Gama (1986, p.12), Melvin Kranzberg, além de apontar que, na mentalidade popular, tecnologia é “sinônimo de máquinas de diversos tipos, assim como: imprensa, fotografia, rádio e televisão”, argumenta que a história da tecnologia é uma narrativa cronológica dos inventores e de seus aparelhos, somados a outros dispositivos e processos técnicos. E conceitua:

Como explicação mais simples, a tecnologia consiste nos esforços do homem para enfrentar seu entorno físico, tanto aquilo no que diz respeito à natureza, quanto no que foi criado pelas próprias conquistas tecnológicas do homem, como por exemplo, as cidades – e suas tentativas de dominar ou controlar esse entorno por meio de sua imaginação e engenho na utilização de recursos disponíveis. (KRANZBERG, 1981, citado por GAMA,1986, p.12)

E Kranzberg ainda complementa que tecnologia é mais do que ferramentas, máquinas e processos, põe em evidência o trabalho humano – a dimensão do homem enquanto ser.

Para Gama (1986), a tecnologia aparece, muitas vezes, como sinônimo de saber ou como um conjunto de técnicas. Muitas vezes, é conceitualmente confundida apenas com invenções, instrumentos ou maquinaria primitiva ou moderna. Justifica-se, em parte, a ocorrência dessa sinonímia pela tradução errônea da palavra inglesa technology, comumente traduzida como técnica. O

autor sintetiza que tecnologia é o “estudo e conhecimento cientifico das operações técnicas ou da técnica, [...] aplicação dos métodos das ciências físicas e naturais, assim como a comunicação desses conhecimentos pelo ensino técnico.” (GAMA, 1986, p.30-31) Assim, a tecnologia seria uma

categoria distinta da técnica.

A partir dos significados apresentados, já encontramos divergências em relação ao conceito de tecnologia. Para tentar clarear um pouco mais a conceituação do termo, trazemos a análise de Vieira Pinto. Para este filósofo, a tecnologia tem, pelo menos, quatro significados. O primeiro, com base em seu significado etimológico, a tecnologia pode ser entendida como “a teoria, a ciência, o estudo, a discussão da técnica, abrangidas nesta última noção as artes, as habilidades do fazer, as profissões e, generalizadamente, os modos de produzir alguma coisa.” Esse sentido, primordial, evidencia a tecnologia “como valor fundamental e exato do logos da técnica.” O segundo significado toma a tecnologia como “pura e simplesmente a técnica”, sendo esta a tradução mais frequente e popular desse vocábulo – e, portanto, a mais utilizada corriqueiramente, principalmente quando não se exige maior rigor quanto à apropriação desse termo. O terceiro significado está vinculado à definição anterior, a tecnologia é também a expressão do “conjunto de todas as técnicas de que dispõe uma determinada sociedade, em qualquer fase histórica de seu desenvolvimento.” Assim, o termo tecnologia é aplicável não apenas às civilizações pretéritas, mas também “às condições vigentes modernamente em qualquer grupo social.” Para o autor, essa concepção, assim representada, permite a mensuração do grau de avanço do processo das forças produtivas de uma sociedade. Por fim, no quarto significado, também relacionado à definição anterior, Vieira Pinto representa a tecnologia como sendo a “ideologização da técnica.” Processo pelo qual a técnica se converte numa “mitologia”, ou seja, numa espécie de ideologia social, estabelecendo, assim, as bases sobre as quais se assentarão as múltiplas faces do que se convencionou chamar “desenvolvimento tecnológico e científico”. Quanto à noção de técnica, Pinto (2005) a representa como “um modo de ser, um existencial do homem, e se identifica com o movimento pelo qual realiza sua posição no mundo,

transformando este último de acordo com o projeto que dela faz.” (PINTO, 2005, p. 219).

Na mesma linha de compreensão da tecnologia aprofundemo-nos no conceito de técnica. O conceito de técnica é discutido, desde a Grécia antiga, por pensadores como Platão e Aristóteles. Os filósofos discutiam como a técnica (do grego: techné), é exclusiva ao ser humano, corroborando o seu processo de hominização – diferenciação entre o homem e os animais através da utilização das técnicas e do trabalho. Pinto (2005) analisa que é facultado à espécie humana produzir e inventar meios artificiais para resolver os problemas e usá-los diante da natureza. Diferente da tecnologia, que é a ciência da técnica, que surge, como exigência social, numa etapa ulterior da história evolutiva da espécie humana.

Para Vieira Pinto (2005), a técnica é mais do que instrumentos ou ferramentas, o próprio homem é um animal técnico, pois ele produz a si mesmo. As técnicas são os procedimentos de ação, as produções humanas, as ações humanas concretas, mas que incluem produtos, mecanismos, procedimentos nos quais se materializam. A técnica só aparece com o surgimento da consciência, não podendo ser pensada sem o homem, sem o homem executor. É importante neste estudo tal proposição desse autor porque considera que a técnica personifica o portador da técnica, sendo ela a própria ação do homem. Sendo expressão do processo de hominização, do caminho evolutivo do homem, de sua ação sobre o mundo, empresta-lhe características que o diferenciam de seus antepassados primatas. A técnica, em si, não tem intencionalidade, mas é carregada das relações humanas, sociais e de produção nas quais está inserida, sendo representada e significada por tais relações.

A partir das análises anteriores, Vieira Pinto (2005) considera a técnica como um conjunto de regras práticas para fazer determinadas coisas, envolvendo habilidades, o uso das mãos, dos instrumentos, das ferramentas e das máquinas. Como argumenta Gama (1986), a esse conceito de técnica

acrescenta-se o conjunto de processos de uma ciência, arte ou oficio, obtendo o melhor desempenho da atividade realizada.

Respondendo a uma das questões iniciais postas neste capítulo, apesar da confusão histórica já apresentada, podemos identificar o nascimento da técnica com o nascimento do próprio homem como espécie, ou seja, a técnica é inerente ao homem, ou seja, o homem começa quando começa a técnica, como conclui Pinto (2005).

O homem serve-se da técnica para expandir sua razão humana, incorpora, na técnica, a sua ação, relacionando-se assim com a natureza, explorando o mundo material. Quando o homem projeta uma máquina, por exemplo, ele está imprimindo nessa máquina as suas intencionalidades. A máquina corporifica uma apropriação cultural, uma acumulação social do conhecimento por meio do homem que a projetou. O humano materializa-se ao projetar a máquina. Assim como, para Mumford (1971), a máquina é um produto da construção humana, ao compreendermos a máquina, compreendemos a nós mesmos, a sociedade. Entretanto, conforme afirma o autor, devemos estar atento às profundas modificações das culturas sociais, a partir do desenvolvimento da máquina. Para Vieira Pinto (2005), a máquina é “todo engenho que capte uma força da natureza e a coloque a serviço do homem.” (p.101) A partir desse conceito, podemos considerar que a origem da máquina dá-se pela capacidade humana de projetar.

Para exemplificar a discussão sobre como a tecnologia pode ser confundida com maquinaria moderna, citamos as experiências realizadas na disciplina/curso Tecnologias da Informação e Comunicação: Teorias e

práticas.9 Era comum, para muitos cursistas da disciplina, a associação direta

do termo tecnologia como sinônimo daquilo que é moderno, sofisticado e inovador. Tecnologia sendo entendida, portanto, como avanço, como um

9 A oferta da disciplina insere-se no projeto de pesquisa, ensino e extensão, objeto desse

software, ou até mesmo um aparelho móvel de comunicação, como celulares, tablets, notebooks, televisões, dentre outros.

Não se pode confundir o termo tecnologia tomando-o como sinônimo daquilo que é moderno e inovador. Uma enxada, por exemplo, não seria uma tecnologia, por não ser moderna, apenas um instrumento rudimentar de trabalho.

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Ao empreendermos, aqui, uma interlocução entre os pensadores, Gama (1986) e Pinto (2005), identificamos um diferencial, em relação aos outros teóricos, acerca do conceito de tecnologia. Para os dois autores, a tecnologia poderia ser identificada como estudo, como ciência. A tecnologia como ciência teria, portanto, uma história mais recente do que a técnica. Diante dessa interlocução, como se localizaria a tecnologia enquanto ciência?