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3.2.1 Direitos fundamentais em conflito

Devido a esse grande número de situações juridicamente protegidas no ordenamento pátrio, temos, não raras vezes, colisões entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e outros valores constitucionais. Gilmar Mendes então nos ensina que a doutrina tem subdividido as normas jurídicas em princípios e regras.84

As regras correspondem às normas que, diante da ocorrência do seu suposto de fato, exigem, proíbem ou permitem algo em termos categóricos. Não é viável estabelecer um modo gradual de cumprimento do que a regra estabelece. Havendo um conflito de uma regra com outra, que disponha em contrário, o problema se resolverá em termos de validade. As duas normas não podem conviver simultaneamente no ordenamento jurídico. No entanto, na maior parte das vezes, os direitos fundamentais se configuram no formato de princípios. Canotilho conceitua princípios como

"normas que exigem a realização de algo da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas".85 Gilmar Mendes

destaca que são mandados de otimização, impondo a sua realização na maior extensão possível, o que permite a sua aplicação em graus variados. Diferentemente do que ocorre com as regras, deve haver uma conciliação entre os princípios, fazendo-se um juízo de ponderação.86

Por vezes, um direito fundamental, no caso concreto, acaba

83 TARTUCE, Flávio, op. cit., p. 84.

84 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op. cit., p. 261 e 262. 85 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Almedina,

1986. p. 1123.

entrando em colisão com outro de mesma hierarquia. São os chamados

hard cases, nos quais a aplicação prima facie de um deles geraria a total

anulação do outro. Nesses casos de difícil solução, será utilizada a técnica de ponderação, objeto de estudo do próximo item.

Destaca-se que, como já tratado no capítulo anterior, as técnicas de reprodução assistida no Brasil possuem uma baixíssima densidade normativa. As normas éticas do Conselho Federal de Medicina, como já explicitado no item 1.3.1, não são leis em sentido estrito, mas normas profissionais paralegais, portanto, não coercitivas. Diante desse vazio jurídico, ao se deparar com um caso concreto sobre o tema em comento, far-se-á necessária a aplicação principiológica para que se chegue a uma solução.

Trataremos, então, da aplicação da técnica de ponderação e dos principais princípios que dizem respeito à questão da reprodução assistida heteróloga no que cerne ao doador anônimo de gametas.

3.2.2 Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade

O princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, no Brasil, foi resultado de duas influências: estadunidense e alemã. O princípio da razoabilidade teve origem nos Estados Unidos, estando ligado à garantia do devido processo legal e sendo usado como parâmetro de controle de constitucionalidade. Já o princípio da proporcionalidade surgiu na Alemanha como limite à discricionariedade administrativa.87 As técnicas

de ponderação foram sistematizadas pelo estudo do professor Robert Alexy, da Universidade de Kiel, na Alemanha. Destaca-se que a referida técnica foi expressamente incluída no Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 489, §2º.88 Tartuce ressalta que Alexy, em sua obra, versa

87 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª ed. São

Paulo: Saraiva. 2010. p. 263 e 264.

88 “No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.”

sobre a ponderação de direitos fundamentais, enquanto o dispositivo do Código de Processo Civil de 2015 amplia as hipóteses de cabimento da ponderação, se referindo somente a "normas".89

3.2.3 A técnica de ponderação no direito brasileiro

A ponderação surge aliada ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. Conforme Luís Roberto Barroso:90

Sem embargo da origem e do desenvolvimento diversos, um e outro abrigam os mesmos valores subjacentes: racionalidade, justiça, medida adequada, senso comum, rejeição aos atos arbitrários ou caprichosos. Por essa razão, razoabilidade e proporcionalidade são conceitos próximos o suficiente para serem intercambiáveis, não havendo maior proveito metodológico ou prático na distinção.

Alexy traz algumas premissas que devem ser observadas para que se proceda à ponderação entre os princípios. A primeira premissa é a de que os direitos fundamentais possuem, em regra, a estrutura de princípios, sendo mandados de otimização. A segunda premissa é o reconhecimento da possibilidade dos conflitos entre os princípios, que acarretarão em restrições recíprocas entre os valores tutelados. Caso nenhum deles seja retirado do sistema, ter-se-á a terceira premissa, que será o uso da técnica de ponderação. A quarta premissa é do uso da ponderação de forma fundamentada, com embasamento em argumentos jurídicos, para se resguardar de arbítrios.91

Quanto à técnica de ponderação propriamente dita, ela teria as seguintes subdivisões. Ressalta-se que essas fases de aplicação da técnica de ponderação surgiram na jurisprudência alemã, que dividiu o princípio da proporcionalidade em três subprincípios: o da adequação, o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito. O primeiro a se observar é a adequação entre o meio empregado e o fim perseguido. Também chamada de pertinência ou idoneidade. O meio escolhido deve ser apto a alcançar o fim intentado. O segundo é a necessidade ou

89 TARTUCE, Flávio, op. cit., p. 123. 90 BARROSO, Luís Roberto, op. cit., p. 265. 91 TARTUCE, Flávio, op. cit., p. 124.

exigibilidade. Não deve haver outro meio menos gravoso para se obter o resultado desejado. Pedro Lenza destaca que "a adoção da medida que

possa restringir direitos só se legitima se indispensável para o caso concreto".92 Por último, faz-se a análise da proporcionalidade em sentido

estrito, que diz respeito à avaliação de qual seria a medida necessária, adequada e legítima, no caso concreto, para melhor realização do objetivo, realizando uma ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido.93

3.3 Direitos fundamentais em espécie