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1.1 Revisão de Literatura

1.1.4 Técnicas Moleculares em Ecologia Microbiana

Historicamente a microbiologia baseou-se no isolamento e cultivo de estirpes microbianas, visando principalmente sua caracterização morfológica e metabólica. Estas técnicas têm permitido uma ampla caracterização e exploração de microrganismos obtidos nos mais diversos ambientes. Juntamente com técnicas de microbiologia, é possível a utilização de bioensaios, nos quais grupos de organismos de interesse podem ser estudados quanto ao seu crescimento e atividade, por meio da manipulação de condições específicas de interesse. Os bioensaios são experimentos in vitro, que permitem investigar o efeito de substâncias específicas no crescimento e/ou atividade de um determinado organismo. Estes ensaios também podem auxiliar na triagem e busca por determinadas funções e organismos. Isto se dá principalmente por meio da manipulação de compostos (e.g. contaminantes orgânicos) em meio de cultura, visando buscar organismos capazes de processar (i.e. degradação parcial ou total) estes compostos, de acordo com condições externas constantes.

Apesar do uso de métodos microbiológicos, os avanços nas técnicas moleculares, aplicados ao estudo da ecologia de microrganismos em sistemas complexos, têm contribuído significativamente para o entendimento das comunidades microbianas do solo, principalmente por acessar a grande maioria dos microrganismos, os quais são ainda considerados não cultiváveis (ROSADO et al., 1997; HANDELSMAN; SMALLA, 2003).

Métodos baseados na amplificação de ácidos nucléicos por reação de polimerase em cadeia (PCR, do inglês Polymerase Chain Reaction), como bibliotecas de genes, sequenciamento de DNA, pirosequenciamento, PCR em tempo real, análise de “fingerprint”

(e.g. T-RFLP - Terminal Restriction Fragment Length Polymorphism), entre outras, permitem aos pesquisadores comparar diferentes comunidades de microrganismos derivados de diferentes ambientes (MARSH, 1999).

As bibliotecas genômicas consistem em coleções de sequências de DNA, construídas considerando-se material genético de qualquer organismo, bem como em sequências obtidas de amostras ambientais (TINGRE; RUBIN, 2005).

O processo de construção de bibliotecas genômicas consiste na extração do DNA/RNA de organismos ou de uma comunidade total; as seqüências de interesse são amplificadas por PCR utilizando primers seletivos e específicos para o gene de interesse; os fragmentos amplificados são clonados em vetores, geralmente plasmídeos; os plasmídeos são inseridos em células competentes de Escherichia coli, onde são multiplicados; o vetor é extraído das células e o fragmento clonado é sequenciado. O seqüenciamento realizado nas diferentes cópias do gene obtidas por PCR e sua comparação com bases de dados fornecem informações sobre a diversidade do gene de interesse do material estudado (JESUS, 2008).

As sequências geradas a partir do sequenciamento podem ser comparadas com os bancos de dados públicos. Os bancos de dados do GenBank e do RDP (Ribosomal Database Project) permitem a determinação do organismo ou gene com sequência mais similar (BENSON et al., 2005; COLE et al, 2007; CURY, 2006). Adicionalmente a esta análise de identificação, diversos outros softwares vêm sendo desenvolvidos, visando principalmente inferir sobre a riqueza e a diversidade de espécies nas bibliotecas de genes analisadas, bem como estabelecer um padrão comparativo entre bibliotecas de genes construídas a partir de diferentes amostras [e.g. MOTHUR, S-Libshuff, FastGroupII, TreeClimber, SONS e o Unifrac (SINGLETON et al., 2001; SCHLOSS; LARGETE; HANDELSMAN, 2004; SCHLOSS; HANDELSMAN, 2005; SCHLOSS; HANDELSMAN, 2006)].

O pirosequenciamento foi inicialmente descrito por Ronaghi et al. (1996), ao demonstrar que a molécula de pirofosfato (PPi) produzida durante a reação de polimerização do DNA poderia ser utilizada para detectar a incorporação de um nucleotídeo específico. O método foi denominado “sequenciamento por síntese”, uma vez que a sequência-alvo é determinada na medida em que é sintetizada a fita complementar. Todo o processo envolve a participação de quatro enzimas, responsáveis pela síntese da fita complementar através da incorporação de nucleotídeos, e da conversão do PPi em ATP e consequentemente em sinal luminoso, que pode ser detectado pelo equipamento. A conversão de PPi em luz é um

processo estequiométrico, onde cada molécula de PPi gera uma quantidade definida de fótons e a intensidade luminosa emitida pela reação é captada pelos sensores do seqüenciador (RONAGHI, 2001). Outro avanço significativo da técnica de pirosequenciamento deve-se ao trabalho de Parameswaran et al. (2007), que adaptaram ao primer utilizado para a detecção do gene-alvo uma sequência curta de nucleotídeos, denominada “código de barras” ou barcode. Este código permitiu o uso da técnica de piroseqüenciamento para várias amostras diferentes em paralelo, pois as sequências podem ser utilizadas posteriormente como referência na identificação e separação de diferentes amostras por ferramentas de bioinformática.

Assim como as bibliotecas genômicas, o pirosequenciamento também possibilita que as sequências geradas sejam comparadas com os bancos de dados públicos, e que softwares auxiliem na análise dos dados gerados, mas vale ressaltar que pela grande quantidade de seqüencias geradas, técnicas de bioinformática se tornam essenciais nas análises dos resultados obtidos.

Outra técnica molecular utilizada no estudo da ecologia microbiana é a PCR em tempo real, que possibilita a quantificação de genes de interesse. A reação de polimerização em cadeia em tempo real combina a metodologia de PCR convencional com um mecanismo de detecção e quantificação por fluorescência. A metodologia permite que os processos de amplificação, detecção e quantificação de DNA sejam realizados em uma única etapa, agilizando a obtenção de resultados e com maior acurácia.

Ainda em estudos de ecologia microbiana, quando quer se comparar uma comunidade com outra, é possível utilizar técnicas de fingerprint. Uma conhecida técnica de comparação de estruturas de comunidades é o T-RFLP, que ganhou popularidade nos últimos anos devido à alta reprodutibilidade e o acesso a um grande número de unidades taxonômicas operacionais (UTOs) (OSBORN; MOORE; TIMMIS, 2000). Essa técnica determina o polimorfismo no comprimento dos fragmentos terminais de uma reação de restrição, provenientes de um produto de amplificação de PCR, sendo um dos primers marcado com fluorescência. É um método muito sensível a mudanças nas estruturas de comunidades microbianas do solo, além de possuir alta capacidade de processamento disponível, permitindo a análise de uma grande quantidade de amostras (LIU et al., 1997; TIEDJE et al., 1999). A técnica pode ser utilizada como uma triagem rápida de algum gene para buscar diferenças entre comunidades em amostras ambientais. Os fragmentos de restrição terminal resultantes são medidos e

comparados entre as amostras, podendo ser convertidos em matrizes de similaridade e estudados por meio da análise de componentes principais.

De maneira geral conclui-se, portanto, que técnicas de cultivo têm auxiliado amplamente estudos de caracterização e manipulação de linhagens bacterianas. Por outro lado, devido a não culturabilidade da grande maioria das bactérias (conhecido como “the great plate count anomaly”) técnicas de biologia molecular tornam-se indispensáveis quando se tem como objetivo obter uma visão mais aprofundada da constituição filogenética e funcional de diversos ecossistemas.