• Nenhum resultado encontrado

Técnicas utilizadas para coleta de dados na pesquisa clínico-qualitativa

3. OBJETIVOS

4.7. Técnicas utilizadas para coleta de dados na pesquisa clínico-qualitativa

A técnica utilizada para realizar a coleta de dados neste estudo foi a entrevista semidirigida através de questões abertas lançando mão, logo no início, de uma questão disparadora com a seguinte pergunta: Gostaria que o senhor (a) me falasse como tem sido sua vida (ANEXO C) permitindo assim, estabelecer a escuta em profundidade. Além disso, optei por manter um diário de campo, recurso utilizado para anotações complementares com o intuito de auxiliar na interpretação dos dados, durante todo processo da pesquisa.

Tendo a finalidade de melhor compreender os elementos emocionais que permeiam numa entrevista cujo objetivo é utilizá-la tanto na clínica assistencial como na investigação científica como bem ressalta Turato (2008), acredito ser relevante recorrer aos textos do pesquisador-psicanalista José Bleger para aprofundar sobre esta técnica, a entrevista.

Segundo Bleger (1998, p.15), “todo ser humano tem sua personalidade sistematizada em uma série de pautas ou em um conjunto ou repertório de possibilidades, e são estas que esperamos que atuem ou se exteriorizem durante a entrevista”. Muito embora, este autor realce que a entrevista em si funciona como um evento no qual se observa parte da vida do paciente, sendo que nenhuma situação alcança a manifestação da totalidade do repertório de condutas de uma pessoa e, por conseguinte nenhuma entrevista consegue exaurir a personalidade da pessoa, mas sim um segmento da mesma. Vale mencionar que, para o referido autor, esse tipo de técnica é o instrumento essencial de trabalho não só do psicólogo, mas também de outros profissionais, pois certamente fatores ou dinamismos psicológicos transitam em todo e qualquer tipo de entrevista.

Recursos metodológicos 47

Outra questão assinalada por Bleger (1998), nesse tipo de técnica, é a importância do entrevistador no resultado da entrevista, entendendo que é ele mesmo o próprio instrumento de trabalho, além da sua própria personalidade que interage na relação interpessoal. Além disso, revela que o objeto a ser estudado é outro ser humano, logo, ao investigar a vida dos demais, se lança para uma revisão e exame de sua própria vida, de sua personalidade, conflitos e frustrações.

Nesse sentido, podemos dizer que é através dela (entrevista) que obtemos um valioso “conhecimento interpessoal, facilitando, no encontro face a face, a apreensão de uma série de fenômenos, de elementos de identificação e construção potencial do todo da pessoa do entrevistado e, de certo modo, também do entrevistador” (TURATO, 2008, p. 308).

No caso da entrevista aberta, torna-se evidente a liberdade do entrevistador numa flexibilidade considerável que permita, na medida do possível, que o entrevistador venha a desenhar o campo da entrevista de acordo com sua estrutura psicológica específica. Assim sendo, é durante o encontro entre entrevistado e entrevistador que se delimita e se estabelece o campo da entrevista, construindo-a em conformidade com aquilo que acontece no encontro. Também é neste tipo de técnica que se tem a possibilidade de uma investigação abrangente, permitindo um alcance maior da personalidade do entrevistado e, consecutivamente, obtendo dados de sua experiência, isto é, do que é pretendido investigar (BLEGER, 1998).

Na entrevista semidirigida de questões abertas, existe uma alternância, um revezamento natural em ambos os integrantes da relação no que diz respeito ao direcionamento da entrevista, representando ganho para reunir as informações conforme os objetivos elucidados. Além disso, somente a entrevista de questões abertas que não delimita respostas preestabelecidas é compatível com a própria definição da abordagem qualitativa, já que essa abordagem tem como intuito interpretar os sentidos e significações que as pessoas trarão a partir do assunto proposto (TURATO, 2008).

Tratando-se do uso desse tipo de entrevista, todas as perguntas deveriam estimular o livre discurso de cada entrevistado, considerando a livre associação de ideias, ao passo que o pesquisador poderia retomar pontos e esclarecer aspectos, caso estes não tenham sido aprofundados, sinalizando a alternância de diretividade. O pesquisador também pode inserir outros tópicos em convergência com os objetivos do estudo que ainda não foram contemplados. Importante considerar que as características de cada sujeito modulam as perguntas e o modo como são manifestadas. Desse modo, pode-se dizer que se caracterizam pela natureza dinâmica, sendo que a maneira de realizá-las são apenas tentativas de esquematizá-las (FONTANELLA; CAMPOS; TURATO; 2006).

Recursos metodológicos 48

Uma questão aberta, no início da entrevista semidirigida, denominada de questão disparadora focaliza o trabalho de investigação e proporciona o surgimento de ideias sem delimitações de respostas preestabelecidas, sendo que esta pergunta está relacionada diretamente com o objetivo geral do estudo (FONTANELLA; CAMPOS; TURATO; 2006).

Além do emprego dessa técnica, a utilização da observação concomitante com a auto- observação é também um dos elementos preconizados pelo trabalho de campo na pesquisa clínico-qualitativa. O pesquisador apreende o comportamento como um todo do sujeito entrevistado, observando as manifestações da comunicação verbal e não verbal manifestadas pela postura física, sorriso, choro, silêncio, gesticulações, tom de voz, etc. Por sua vez, a auto- observação tem como característica perceber elementos que são mobilizados no pesquisador em resposta às expressões do entrevistado durante a entrevista (TURATO, 2008).

Também é digno de consideração apontar que fenômenos relativos à transferência e contratransferência se manifestam em toda relação interpessoal, está presente em todas as relações das nossas vidas e, portanto, presentes também na situação de entrevista. No entanto, é indispensável que esses aspectos sejam utilizados como instrumento de observação e compreensão para o pesquisador, tendo o cuidado em não atribuir ao sujeito o que é seu, vindo a prejudicar a escuta e a captura dos fenômenos a serem investigados e recomendando uma “distância ideal” (BLEGER, 1998). Nesse sentido, ao mesmo tempo em que entra no mundo do entrevistado necessita permanecer do “lado de fora” para identificar suas próprias reações no sentido de se orientar no estudo que desenvolve, sendo as próprias impressões e informações relevantes e necessárias.

Outra técnica complementar à entrevista utilizada foram os registros com relação às observações do pesquisador denominado de diário de campo originalmente conhecido como anotações de campo. Recomenda-se que tais anotações sejam desenvolvidas durante o processo da entrevista, a fim de que possa minimizar o efeito de posteriores perdas e lembranças (FONTANELLA; CAMPOS; TURATO; 2006).

Nesse caso, considerei que seria importante procurar registrar minhas observações, buscando compreender a circunstância na qual os entrevistados se inseriam e suas reações despertadas diante de questões que lhe eram colocadas bem como o modo como discorria determinados campos da vida, auxiliando, consequentemente, no desvelamento do simbólico nas falas dos sujeitos da presente pesquisa.

Recursos metodológicos 49