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Tantos sóis, tantos mundos

No documento CarlSagan-Bilhoesebilhoes (páginas 30-34)

tantas Terras....' Christian Huygens, Novas conjeturas sobre os mundos planetários seus haitantes e produções (cerca de 1670) Em dezembro de 1995, uma sonda de entrada, separada da nave Galileo em órbita ao redor de Júpiter, entrou em sua atmosfera turbulenta e turvada e afundou para uma morte ígnea. Ao longo do caminho, mandou de volta pelo rádio informações sobre o que encontrava. Quatro naves espaciais anteriores tinham examinado Júpiter ao passarem velozmente pelo planeta. Esse também fora estudado por telescópios com base na Terra e no espaço. Ao contrário da Terra, que é composta principalmente de rocha e metal, Júpiter é composto principalmente de hidrogênio e hélio. E tão grande que comportaria mil Terras. Nas camadas profundas, sua pressão atmosférica se toma tão elevada que os elétrons são espremidos para fora dos átomos e o hidrogênio se toma um metal quente. Considera-se que por essa razão a energia que jorra do planeta é duas vezes maior do que a energia que Júpiter recebe do Sol. Os ventos que fustigaram a sonda Galileono seu ponto de entrada mais profundo provavelmente não provêm daluz do Sol. mas da energia que se origina no interior profundo dele. Bem no âmago de Júpiter, parece haver um mundo de rochas e ferro muitas vezes maior que a massa da Terra encimado pelo imenso oceano de hidrogênio e hélio. Visitar o hidrognio metálico

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#- ainda mais o

núcleo rochoso - está além das capacidades humanas pelo menos nos próximos séculos ou milênios. As pressões são tão grandes no interior de Júpiter que é difícil imaginar vida ali - mesmo uma vida muito diferente da nossa. Alguns cientistas, entre os quais me incluo, tentaram, só de brincadeira, imaginar uma ecologia que pudesse evoluir na atmosfera de um planeta como Júpiter, algo parecido com os micróbios e os peixes nos oceanos da Terra. A origem da vida seria difícil num ambiente desses mas

agora sabemos que impactos de asteróides e cometas transferem material da superfície de um mundo para outro, sendo até possível que i mpactos na história primeva da Terra tenham transferido vida primitiva de nosso planeta para Júpiter. No entanto, isso é mera especulação. Júpiter está a cinco unidades astronómicas do Sol. Unna unidade astronómica (abreviada como UA) é a distância entre a Terra ie o Sol, cerca de 93 milhões de milhas, ou 150 milhões de quiómetros. Se não fosse pelo calor interior e pelo efeito estufa na imensa atmosfera de Júpiter, as

temperaturas no planeta estariam a cerca de 160° abaiixode zero Celsius. Essa é aproximadamente a temperatura na superfcie das luas de Júpiter - muito frias para abrigarem vida. Júpiter e a maioria dos outros planetas em nosso sistema solar giram em tomo do Sol no mesmo plano, como se estivessem confinados em sulcos separados de um disco fonográfico ou compacto. Por que deve ser assim? Porque os planos das órbitas não são inclinados em todos os ângulos? Isaac Newton, o génio matemático que foii o primeiro a compreender como a gravidade cria o movimento dos plainets, ficou perplexo com a ausência de inclinações nos plans das órbiitasdos planetas, e deduziu que, no início do sistema solar Deus devia tter posto todos os planetas a funcionar no mesmo plano. Mas o matemático Pierre Simon, o marquês de Laplace, e mais tarde o famoso filósofo Immanuel Kant, descobriram como isso teria acontecido sem recorrer à intervenção divina. unicamente eles se basearam nas próprias leis da física que Newton tinha descoberto. Um breve resumo da hipótese Kant-Laplace é o seguinte: imaginem uma nuvem irregular de gás e poeira, em rotação lenta posicionadaentre as estrelas. Há muitas dessas nuvens. Se a sua densidade é suficientemente elevada, a atração gravitacional mútua das várias parte s da nuvem vai esmagar o movimento aleatório intemo e a uvem conneçará a se contrair. Ao fazê-lo, ela vai girar mais rapidamente, como uma patina- 64 dora que ao dar uma pirueta encolhe os braços. O giro não retardará o colapso da nuvem ao longo do eixo de rotação, mas diminuirá a contração no plano de rotação. A nuvem, inicialmente irregular, se converte num disco chato. Assim, os planetas que se incorporam ou condensam a partir desse disco vão todos girar mais ou menos no mesmo plano. As leis da física são suficientes, sem

intervenção sobrenatural. Mas predizer que essa nuvem em forma de disco existia antes de os planetas serem formados é uma história; confirmar a predição vendo realmente esses discos ao redor de outras estrelas é outra bem diferente. Quando outras galáxias espirais como a Via Láctea foram descobertas, Kant achou que esses eram os discos pré-planetários preditos, e que a "hipótese nebular" da origem dos planetas fora

confirmada. (Nébula vem da palavra grega para "nuvem".) Mas essas formas espirais se revelaram galáxias distantes salpicadas de estrelas, e não

campos vizinhos para o nascimento de estrelas e planetas. Os discos circunstelares vieram a ser difíceis de encontrar. Foi só mais de um século depois, usando equipamento que incluía observatórios em órbita, que a hipótese nebular foi confirmada. Quando examinamos jovens estrelas semelhantes ao Sol, como o nosso Sol de 4 ou 5 bilhões de anos atrás, descobrimos que mais da metade estão rodeadas por discos chatos de poeira e gás. Em muitos casos, as partes próximas à estrela parecem estar esvaziadas de poeira e gás, como se planetas alija tivessem se formado, engolindo a matéria interplanetária. Não é evidência

definitiva, mas sugere com bastante força que estrelas como a nossa são frequentemente, se não invariavelmente, acompanhadas de planetas. Essas descobertas expandem o provável número de planetas na galáxia da Via Láctea até pelo menos bilhões. Mas e quanto a detectar realmente outros planetas? Certo, as estrelas estão muito distantes - a mais próxima está

quase a 1 milhão de UA -, e à luz visível elas brilham apenas como reflexo. Mas a nossa tecnologia está se aperfeiçoando a passos largos. Não seríamos capazes de detectar pelo menos grandes primos de Júpiter ao redor das estrelas vizinhas, talvez na luz infravermelha, se não na luz visível? Nos últimos anos, inauguramos uma nova era na história humana em que somos capazes de detectar os planetas de outras estrelas. O primeiro sistema planetário confiavelmente descoberto acompanha uma estrela muito improvável: a B 1257 + 12éumaestreladenêutronsem rápida rotação, os restos de uma estrela, outrora maior que o Sol, que

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#explodiu numa colossal explosão de supemova. O campo magnético dessa estrela de nêutrons capta os elétrons, forçando-os a se mover por tais caminhos que como um farol, eles emitem um raio de rádio pelo espaço interstelar. Por acaso, o raio intercepta a Terra - a cada

0,0062185319388187 segundo. É por isso que a B 1257 + 12 é chamada de pulsar. A constância de seu período de rotação é espantosa. Graças à alta precisão das medições, Alex Woisczan, atualmente em Penn State University, foi capaz de descobrir "glitches mudanças repentinas no período de rotação de uma estrela de nêutrons) - irregularidades nas últimas casas decimais. O que as causa? Abalos estelares ou outros fenômenoss na própria estrela de nêutrons? Ao longo dos anos, essas irregularidades têm variado exatamente como seria de esperar, se houvesse planetas girando em tomo da B 1257 +12, puxando de leve, primeiro para um lado e depois para o outro. A concordância quantitativa é tão exata que a conclusão é imperiosa: Woisczan descobriu os primeiros planetas conhecidos que não giram ao redor do Sol. Além do mais, eles não são planetas grandes do tamanho de Júpiter. Dois deles são provavelmente apenas um pouco maiores que a Terra, e suas órbitas ao redor da estrela estão a distâncias que não são muito diferentes da distância entre a Terra e o Sol, 1 UA. Seria de esperar que exista vida nesses planetas? Infelizmente, sai da estrela de nêutrons uma rajada de partículas carregadas colidindo entre si, o que vai aumentar a

temperatura de seus planetas semelhantes à Terra muito acima do ponto de ebulição da água. A 1300 anos-luz de distância, não vamos viajar para esse sistema em breve. É um mistério atual saber se esses planetas sobreviveram à explosão da supemova que formou o pulsar, ou se foram formados com os escombros da explosão da supemova. Pouco depois do achado de Woisczan, que marcou época, vários outros objetos de massa planetária foram descobertos (principalmente por Geoff Marcy e Paul Butier, da Universidade do Estado de San Francisco) girando em tomo de outras estrelas - nesse caso, estrelas comuns como o nosso Sol. A técnica usada foi diferente e muito mais difícil de ser aplicada. Esses planetas foram descobertos por telescópios ópticos convencionais que monitoravam as mudanças periódicas nos espectros de estrelas vizinhas. As vezes uma estrela pode estar se movendo por algum tempo em direção a nós, e depois afastando-se de nós, conforme determinado pelas mudanças no comprimento de onda de suas linhas espectrais, o Efeito Doppier- semelhante às mudanças 66 na frequência da buzina de um carro, quando ele se aproxima ou se afasta de nós. Algum corpo invisível está puxando a estrela. Mais uma vez, um mundo não visto é descoberto por uma concordância quantitativa - entre os leves movimentos periódicos que se observam na estrela e o que seria de esperar se a estrela tivesse um planeta próximo. Os planetas responsáveis giram em tomo das estrelas 51 Pegasi, 70 Virginis e 47 Ursae Majoris, respectivamente nas constelações

Pégaso, Virgem e Ursa Maior. Em 1996, outros planetas foram também descobertos girando em tomo da estrela 55 Cancri na constelação de Câncer, o Caranguejo: Tau Bootis e Upsilon Andromedae. Tanto a 47 Ursae Majoris como a 70 Virginis podem ser vistas a olho nu no céu notumo da primavera. Elas estão muito próximas em termos de estrelas. As massas desses planetas parecem estar na faixa de um pouco menores que Júpiter ou várias vezes maiores que Júpiter. O que é muito surpreendente a seu respeito é o fato de estarem muito perto da sua estrela, uma distância de 0,05 UA, para a 51 Pegasi, e pouco mais que 2 UAS, para Ursae

Majoris. Esses sistemas também podem conter planetas menores semelhantes à Terra, ainda não descobertos, mas o seu traçado não é igual ao nosso. Em nosso sistema solar, temos os pequenos planetas semelhantes à Terra na parte intema e os grandes planetas semelhantes a Júpiter na parte extema. Para essas quatro estrelas, os planetas com a massa de Júpiter parecem estar na parte intema. Como isso é possível, ninguém atualmente compreende. Nem sequer sabemos se eles são planetas verdadeiramente semelhantes a Júpiter, com imensas atmosferas de hidrogênio e hélio, hidrogênio metálico em camadas mais profundas e um núcleo semelhante à Terra em camadas ainda mais profundas. Mas sabemos que as atmosferas de planetas semelhantes a Júpiter que estejam muito próximos de suas

estrelas não vão se evaporar. Parece implausível que tenham se formado na periferia de seus sistemas solares, e que depois, de algum modo, se desviaram e se aproximaram de suas estrelas. Mas talvez alguns grandes planetas primitivos tenham sido retardados pelo gás nebular e levados para dentro da espiral. A maioria dos especialistas sustenta que Júpiter não poderia ter se formado tão perto de uma estrela. Por que não? A nossa compreensão padrão da origem de Júpiter é mais ou menos a seguinte: nas partes mais extemas do disco nebular, nas quais as temperaturas eram muito baixas, pequenos mundos de ge- 67

#lo e rocha se

condensaram, algo parecido com os cometas e as luas geladas nas partes extemas de nosso sistema solar. Esses pequenos mundos frios colidiram em velocidades baixas, grudaram-se uns nos outros, e gradativamente se tomaram bastante grandes para atrair gravitacionalmente os gases hidrogênio e hélio predominantes na nébula, formando um Júpiter de dentro para fora. Em oposição, mais perto da estrela, considera-se que as temperaturas nebulares seriam elevadas demais para que o gelo em primeiro lugar se condensasse, e assim todo o processo sofre um curto-circuito. Mas eu me pergunto se alguns discos nebulares não

estavam abaixo do ponto de congelamento da água mesmo em pontos muito próximos da estrela local. De qualquer modo, agora que descobrimos planetas com a massa da Terra ao redor de um pulsar e quatro novos planetas com a massa de Júpiter ao redor de estrelas como o Sol, segue-se que a nossa espécie de sistema solar pode não ser típica. Esta é a chave, se temos alguma esperança de construir uma teoria geral da origem dos sistemas planetários: ela agora deve abranger uma diversidade desses sistemas. Ainda mais recentemente, uma técnica chamada

astrometria foi usada para detectar dois e possivelmente três planetas semelhantes à Terra ao redor de uma estrela muito próxima de nosso Sol, a Laiande 21185. Nesse caso, o movimento preciso da estrela é monitorado durante muitos anos, e o recuo devido a algum planeta em órbita ao seu redor é cuidadosamente observado. Os desvios das órbitas circulares ou elípticas traçadas pela Laiande 21185 nos permitem detectar a presença

de planetas. Assim, temos um sistema planetário parecido, ou pelo menos um pouco parecido, com o nosso. Parece haver pelo menos duas e talvez mais categorias de sistemas planetários no espaço interplanetário

adjacente. Quanto à vida nesses mundos semelhantes a Júpiter, não é mais provável que no próprio Júpiter. Mas o que é provável é que esses outros Júpiteres tenham luas. como as dezesseis que giram em tomo do nosso Júpiter. Uma vez que essas luas, assim como os mundos gigantescos em tomo dos quais giram, estão próximas da estrela local, sua temperatura em especial no caso da 70 Virginis poderia ser favorável à vida. A uma distância de 35 a 40 anos-luz, esses mundos estão suficientemente perto de nós para começarmos a sonhar que um dia mandaremos naves espaciais muito velozes visitá-los, sendo os dados recebidos pêlos nossos

descendentes. 68 Enquanto isso, está surgindo toda uma gama de outras técnicas. Além dos glitches de tempo nas rotações do pulsar e das medições Doppier das velocidades radiais das estrelas interferômetros na Terra ou, ainda melhor, no espaço: telescópios na Terra que eliminam a turbulência da atmosfera da Terra; observações feitas na Terra usando o efeito da lente gravitacional de grandes objetos distantes; e medições muito precisas, feitas no espaço, do ofuscamento de uma estrela, quando um de seus planetas passa pela sua frente. Todas parecem prontas a produzir resultados significativos nos próximos anos. Estamos agora prestes a rodar por milhares de estrelas vizinhas, procurando seus companheiros. Acho provável que, nas próximas décadas, tenhamos informações sobre pelo menos centenas de outros sistemas planetários perto de nós na imensa galáxia da Via Láctea - e talvez até sobre alguns pequenos mundos azuis agraciados com oceanos de água, atmosferas de oxigênio e sinais indicadores da maravilhosa vida.

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