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2.2 Mecanismos de perdas em nanopartículas magnéticas

2.2.2 Taxa de absorção específica

Até a seção anterior, as propriedades de nanopartículas foram descritas considerando- se apenas a presença de um campo magnético constante ou ausência do mesmo. Contudo, se o campo aplicado for variável, efeitos relacionados a processos dinâmicos provocarão mudanças no comportamento do sistema. Um conjunto de partículas interagentes com um campo magnético oscilante estará sujeito a diversos processos de perdas que estão re- lacionados aos mecanismos de relaxação e propriedades intrínsecas dos materiais. Talvez a fonte de perda mais difundida na literatura seja a chamada perda histerética, que está relacionada à irreversibilidade que ocorre mesmo em processos quase estáticos de magne- tização devido a fatores tais como defeitos na estrutura cristalina, movimento de paredes de domínios, anisotropia, entre outros. A forma mais direta de obtenção da magnitude desta perda vem a ser através do cálculo da área de histerese ao longo de um ciclo com- pleto de magnetização [29]. As perdas por mecanismos de relaxação estão relacionados à indução, devido ao campo oscilante, de mudanças rápidas de orientação dos spins atômi- cos em relação à rede cristalina de cada partícula, assim como ao atrito dinâmico causado pela rotação das partículas em relação ao meio no qual estão dispersas [30]. Estes dois processos estão associados aos tempos de relaxação de Néel e Brown, respectivamente.

Para se estudar de que forma ocorrem os processos de perdas em um conjunto de nanopartículas dispersas em um fluido por efeito de interação com um campo magnético oscilante, pode-se recorrer inicialmente a uma avaliação do ponto de vista termodinâmico. A partir da 1a Lei da Termodinâmica, na forma diferencial2, incluindo-se o trabalho

realizado por efeito de interação do campo magnético com a amostra, temos

du = ¯dq − ¯dwmec+ ¯dwmag, (2.28)

onde u é a energia interna global, q é a transferência energética sob forma de calor para a vizinhança, wmec é o trabalho mecânico realizado sobre a vizinhança e wmag é o trabalho

sofrido por efeito de interação com o campo magnético aplicado, todos por unidade de

2Observa-se que a notação ¯d utlilizada na expressão (2.28) refere-se a diferenciais não exatos, uma vez

volume e relativos à suspensão constituída de fluido e nanopartículas magnéticas.

Agora, considerando um processo adiabático (¯dq = 0), desprezando a variação volumé- trica da suspensão ao longo do processo (¯dwmec = 0) e reescrevendo o trabalho magnético3

em função do campo de indução ¯dwmag = HdB [31], pode-se expressar, de forma diferen-

cial, a variação da energia interna por unidade de volume do sistema, como

du = HdB, (2.29)

onde B = µ0(H + m) é o campo de indução. Substituindo esta relação na equação (2.29)

e integrando ao longo de um ciclo fechado, obtém-se ¯

du = µ0

I

Hdm. (2.30)

A expressão (2.30) pode ser reescrita de forma mais conveniente por meio de uma inte- gração por partes como

¯

du = −µ0

I

mdH. (2.31)

Na expressão (2.31), a magnetização m e o campo aplicado H podem apresentar ou não defasagem entre si. Para se levar em consideração este fato, pode-se expressar a magnetização em termos da susceptibilidade magnética expandida no espaço complexo χ = χ0− iχ00 como

m = (χ0 − iχ00)H, (2.32)

onde χ0 e χ00 são a parte real e imaginária, que correspondem às componentes em fase e fora de fase da susceptibilidade, respectivamente.

Então considerando o campo H oscilante, pode-se escrever

H = H0cos(ωt) = Re[H0eiωt], (2.33)

onde H0 é a amplitude de pico e ω é a frequência angular do campo magnético.

Desta forma a expressão para a magnetização pode ser escrita por meio da substituição da equação (2.33) em (2.32) como

m = ReH0[χ0cos(ωt) + χ00sen(ωt)]. (2.34)

3Com o objetivo de tornar a notação mais compacta, chamarei w

mag de “trabalho magnético” e q de

Assim substituindo a expressão (2.34) em (2.31) e considerando dH = −H0ωsen(ωt)dt,

obtido por meio da expressão (2.33), obtém-se

∆u = µ0H02ω[ Z 2πω 0 χ0cos(ωt)sen(ωt)dt + Z 2πω 0 χ00sen2(ωt)dt]. (2.35)

Como as integrações na expressão (2.35) são realizadas ao longo de um período com- pleto de oscilação, a integral correspondente à parte real da susceptibilidade magnética se anula, verificando-se assim que o único termo que contribui para o aumento da energia interna do sistema é a parte imaginária da susceptibilidade, que corresponde à compo- nente fora de fase da magnetização em relação ao campo aplicado. Resolvendo a segunda integral da direita, obtém-se

∆u = µ0πχ00H02. (2.36)

A expressão (2.36) corresponde à variação da energia interna por unidade de volume após apenas um ciclo completo de oscilação do campo magnético aplicado sobre a suspen- são. A potência por unidade de volume, p, gerada a partir da interação das nanopartículas com o campo magnético oscilante pode ser obtida por meio do produto da frequência f do campo com expressão (2.36), assim

p = µ0πχ00f H02. (2.37)

A expressão (2.37) foi reportada por Rosensweig em 2002 [28]. No entanto, é mais conveniente escrevê-la em termos da massa de nanopartículas. Para isso, pode-se dividí-la pela densidade ρ do material magnético para obter-se

SAR = 1

ρµ0πχ

00

f H02, (2.38)

onde SAR = pρ é a chamada taxa de absorção específica (specific absorption rate) que em alguns trabalhos também é chamada de potência específica de perda SLP (specific loss power) [30, 32]. A SAR pode ser definida como a taxa de trabalho, por unidade de massa de nanopartículas magnéticas, sofrido pela suspensão por efeito de interação com o campo magnético oscilante.

Para se expressar a parte imaginária da susceptibilidade magnética em termos do tempo de relaxação efetivo τe, pode-se escrever partir da equação de relaxação de Shliomis[27]

dm(t)

dt =

1 τe

onde m0 é magnetização de equilíbrio expressa como [28]

m0(t) = Re[χ0H0eiωt], (2.40)

sendo χ0 a susceptibilidade de equilíbrio correspondente a processos quase estáticos de

magnetização.

Então, considerando dm(t)dt = χH0iωeiωt obtida por meio das expressões (2.32) e (2.33)

e substituindo também a expressão (2.40) em (2.39), obtém-se

χ = χ0

1 + iωτe

. (2.41)

Por meio da representação complexa da susceptibilidade e após um pouco de mani- pulação algébrica, pode-se reescrever a expressão (2.41) como

χ0− iχ00 = χ0 1 + (ωτe)2

− i ωτe 1 + (ωτe)2

χ0. (2.42)

Desta forma, é possível escrever uma expressão para a taxa de absorção específica em termos do tempo de relaxação efetivo substituindo a parte imaginária da expressão (2.42) em (2.38) com ω = 2πf como SAR = 1 ρµ0πχ0f H 2 0 2πf τe 1 + (2πf τe)2 . (2.43)

Na figura 12, estão representados de forma esquemática a defasagem da magnetização em relação ao campo aplicado, as componentes real e imaginária da susceptibilidade dinâmica e os mecanismos de perdas que podem ocorrer em nanopartículas sujeitas a um campo magnético oscilante.

Na prática a forma mais usual de obtenção experimental da taxa de absorção específica em nanopartículas baseia-se em um método calorimétrico no qual a amostra é submetida a um campo magnético oscilante durante um curto período de tempo, onde sua variação térmica é medida. Considerando-se um processo aproximadamente adiabático define-se, levando-se em conta a conservação de energia e as considerações usadas para escrever a expressão (2.29), a relação

∆Ususp = Wmag = Csusp∆T, (2.44)

onde Ususp é a energia interna total da suspensão, Wmag é o trabalho realizado por efeito

de interação entre o campo magnético oscilante e as nanopartículas magnéticas, ∆T é a variação da temperatura durante um período de tempo suficientemente curto para que

Figura 12: Ilustração dos mecanismos de perdas em nanopartículas sob ação de um campo magnético oscilante. Figura adaptada da referência [30].

não ocorra troca de calor significativa entre o sistema medido e a vizinhança, e Csusp é a

capacidade térmica da suspensão que pode ser expressa de forma generalizada como Csusp =

X

j

mjcj, (2.45)

onde mj e cj são as massas e o calores específicos, respectivamente, dos constituintes da

suspensão.

Desta forma, pode-se obter a taxa de absorção específica considerando-se a taxa de va- riação na energia interna da suspensão, que tem como fonte os processos de perdas devido à interação do campo oscilante com as nanopartículas. Dividindo-se a expressão (2.44) pela massa de nanopartículas mnp e pelo intervalo de tempo ∆t pode-se expressar a taxa

de absorção específica como

SAR = 1 mnp ∆Wmag ∆t = 1 mnp Csusp ∆T ∆t. (2.46)

Da expressão (2.46) pode-se observar que a temperatura será tomada como uma fun- ção linear do tempo, já que em princípio a SAR deverá ser constante ao longo de um processo calorimétrico ao qual os parâmetros do campo oscilante se mantenham inaltera- dos. No entanto esta relação, como já foi comentado, só será válida para aproximações adiabáticas. Contudo, a forma como um sistema de partículas magnéticas troca calor com um sistema vizinho é altamente relevante sobretudo no que diz respeito a aplicações práticas. Em seções posteriores será apresentado um estudo mais completo e generalizado de processos calorimétricos de nanopartículas por efeito de campo oscilante levando-se em conta também a interação do sistema medido com a vizinhança.

Com o objetivo de um estudo mais completo e consistente do comportamento térmico de uma suspensão de nanopartículas magnéticas dispersas em uma matriz líquida sob ação de um campo magnético oscilante, este capítulo se baseia na construção de um modelo teórico, assim como na descrição e discussão de seus parâmetros em termos das propriedades físicas dos elementos constituintes do procedimento experimental.

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