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4. TAXA DE DESCONTO NO CONTEXTO DA MUDANÇA DO CLIMA

4.1 Taxas de desconto

No mercado financeiro, a taxa de desconto é aplicada a bens e investimentos com o objetivo de descontar o preço dos produtos em diferentes pontos do tempo para refletir o custo de oportunidade do capital. No contexto da mudança do clima, taxas de desconto são utilizadas para descontar o efeito da riqueza, experimentado pelas gerações futuras, de forma que se consiga comparar de maneira justa o bem-estar entre a geração atual e as futuras.

Algumas questões podem ser levantadas quando falamos em descontagem: i) o que é a taxa de desconto? ii) existe apenas uma taxa de desconto? iii) qual deveria ser o seu valor? Essa última pergunta é pertinente já que taxas muito elevadas subavaliam o valor do bem ou do dano, quando trazidos a valor presente. O dano aparentemente grande, lá no futuro, quando descontado à taxas altas, praticamente se reduz a zero. Além disso, a escolha das taxas de desconto adentra em discussões éticas e morais: porque descontar o dano se as gerações futuras serão mais ricas? Não seria melhor tratar as gerações igualmente e não descontar? Vamos tentar compreender todas essas questões na seqüência dessa seção.

Existem realmente vários tipos de taxas de desconto. Nordhaus (2007, p.10-11) faz uma introdução a respeito desse tema. Ele afirma que há dois tipos de taxas: i) a do mercado financeiro e ii) a de preferência social no tempo ou taxa de desconto social (TDS).

A taxa de desconto de mercado financeiro é aplicada com o objetivo de medir o preço relativo do bem, em diferentes pontos do tempo. Ela funciona como uma taxa de juros real, que mede o retorno sobre o capital investido e reflete o custo de oportunidade que o investidor teria caso, ao invés de emprestar o dinheiro, aplicasse no mercado. A taxa de desconto de mercado é o índice adotado nos investimentos públicos e privados, que tem horizontes de tempo mais curtos, de até 30 anos.

Já a TDS vai além da idéia de atualizar os valores futuros a valores presentes. Ela não tem o objetivo único de comparar bens e equivalentes de consumo. Ela vai além: mede variações de bem-estar e tenta refletir tratamento de igualdade entre gerações. Os propósitos da TDS entram no terreno da discussão ética, moral e filosófica (NORDHAUS, 2007, p10-11; CLINE, 1992, p235-236). Do ponto de vista social, por exemplo, alguns defendem não descontar os danos, ou seja, utilizar uma taxa de juros igual a zero. Isso significaria tratar as gerações de maneira igual. Por outro, lado, sabendo que as gerações futuras têm sido sempre mais ricas que as suas equivalentes antecessoras66, seria injusto tratá-las igualmente. As gerações que vêm antes precisariam dispor de uma parcela maior de sua renda para suportar os efeitos do aquecimento global, já que historicamente serão menos ricas.

66 Isso se deve ao fato de que as taxas de crescimento econômico e o progresso tecnológico historicamente têm

sido positivos, aumentando a riqueza da sociedade. Isso significa que as gerações seguintes têm sido mais ricas do que a gerações anteriores, embora não se possa garantir que o sejam no futuro.

Alguns autores como Cline (1992) defendem que as taxas de juros de mercado, que variam normalmente entre 5 e 10% por ano, são inapropriadas para análises de investimento de longos períodos de tempo (mais de 30 anos), como é o caso dos estudos que tratam do aquecimento global.

Cline (1992, p.237) defende que é preciso distinguir as taxas de desconto por origem da fonte de recursos e que, a princípio, o ideal seria haver vários tipos de taxas, que variassem de acordo com o tipo de projeto e origem de financiamento. Se os recursos vêem do mercado privado ou público, com propósitos de investimento, a taxa de desconto deveria ser a taxa do mercado financeiro, com algum tipo de redutor no caso de investimentos públicos. Por outro lado, se a origem do recurso é a sociedade como um todo, por exemplo, na forma de perda de consumo e de bem-estar, a taxa a ser utilizada, na visão do autor, deveria ser a taxa de desconto social (TDS). Para Cline, taxas aplicadas ao consumo tenderiam a ser mais baixas em relação àquelas aplicadas aos investimentos.

A TDS captura a idéia se descontar o futuro com um valor que seja aproximadamente a taxa de crescimento da sociedade, como veremos na seção seguinte. Dessa forma, ela não embute um lucro do capital, como normalmente seriam as taxas de juros do mercado financeiro.

Ackerman (2007, p.15-16) tem ponto de vista um tanto coincidente com o de Cline (1992). Ele diz que é um erro que as taxas de desconto devam coincidir com as taxas de juros de mercado financeiro, no contexto da mudança do clima. Para Ackerman, essa visão se apóia na idéia de que os mercados são perfeitos. Em realidade, eles não o são, o que inviabilizaria o uso de taxas de mercado para assuntos relacionados ao aquecimento global67. Ackerman diz ainda que as taxas de juros refletem decisões de mercado de curto prazo, de pessoas que participam dos mercados financeiros hoje. O autor deixa a entender que não seria conveniente o seu uso em decisões públicas, pois elas envolvem ética intergeracional, ou seja, decisões de mais longo prazo, que ultrapassam mais do que uma geração.

67 Essa opinião também é encontrada em Guo et al. (2006). Para esses autores numa economia ideal, onde não

haja externalidades, impostos ou imperfeições de mercado, as taxas de juros de mercado, sobre os investimentos e sobre o consumo são idênticas. Entretanto, na economia real, externalidades, impostos e imperfeições existem e, por isso, os autores defendem que a taxa ideal a ser aplicada neste contexto é a taxa de desconto social. Nessa mesma linha segue Dasgupta (2007b, p.12-14). Ele também defende que em economias imperfeitas, taxas de desconto que reflitam o custo de oportunidade do capital, não devem ser utilizadas para descontar custos e benefícios futuros na forma de consumo.

Para fazer comparações de montantes ou recursos, comparando os valores nos tempos futuro e presente, se empregam as taxas de desconto ou processo de descontagem. Veremos como a descontagem é feita na seção 4.5. Deve ficar claro, nesse momento, que a taxa de desconto social é a taxa de desconto mais adequada para aplicação em estudos que calculam os danos econômicos, decorrentes do aquecimento global (CLINE, 1992; ACKERMAN, 2007). Na seção seguinte vamos entender os parâmetros internos da taxa de desconto social.

No documento MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA SÃO PAULO 2009 (páginas 103-106)