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2 AS INTERPRETAÇÕES DO ARTIGO 1.015 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE

2.4 A TAXATIVIDADE MITIGADA

Da análise dos itens anteriores, extrai-se que a interpretação taxativa, a interpretação taxativa com possibilidade de extensão ou analogia e a interpretação exemplificativa encontram diversos apoiadores na doutrina brasileira, cabendo destacar que a primeira detém apoio majoritário, sendo inclusive posição reiterada nos tribunais brasileiros.

Entretanto, como já adiantado no subtítulo 2.2.3, alguns tribunais começaram a admitir a interpretação extensiva de alguns dos incisos do art. 1.015 do CPC/2015, destacando-se o já mencionado Recurso Especial 1679909/RS, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 14/11/2017 e publicado em 01/02/2018, que permitiu o agravo de instrumento para impugnar decisão que verse sobre competência, enquadrando-o no inciso III do mencionado dispositivo legal.

Desse modo, é possível perceber a controvérsia que se instaurou no Poder Judiciário brasileiro: de um lado, julgadores não conhecendo do agravo de instrumento

para combater decisões que não estavam previstas no rol do art. 1.015 do CPC/2015, do outro lado, julgadores admitindo o recurso para tais hipóteses.

Evidente que a situação narrada trouxe grande insegurança jurídica às partes, que poderiam ter o mesmo recurso conhecido ou não, a depender do julgador sorteado para apreciação.

Afora a insegurança jurídica, pendia a questão da preclusão. Afinal, se a parte não apresentasse recurso imediatamente, seguindo a linha da taxatividade, e interpusesse apelação, e se o julgador entendesse pela interpretação extensiva, a matéria teria precluído, como também mencionado anteriormente, no subtítulo 2.1.

Diante dessas circunstâncias e da profusão de agravos de instrumento com fundamento em idêntica questão de direito nos tribunais do país, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sua função institucional de uniformização da interpretação de lei federal, nos termos do art. 105, inciso III alínea B da CRFB, admitiu a proposta de afetação ao rito dos recursos repetitivos, no dia 20/02/2018, dos Recursos Especiais n° 1.704.520/MT e n° 1.696/376/MT, a fim de delimitar a seguinte controvérsia:

definir a natureza do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos de referido dispositivo do Novo CPC (BRASIL, 2018).

Ressalta-se que ambos os recursos versavam sobre a possibilidade de interpretação extensiva do rol do art. 1.015, sendo que o primeiro se referia especificamente à questão da competência e o segundo às questões de revisão do valor da causa e da competência.

Após uma contextualização histórica do agravo de instrumento no Brasil, seguida de explicações sobre a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza do rol do art. 1.015 do CPC/2015, a relatora Ministra Nancy Andrighi defendeu em seu voto que nenhuma das três correntes mencionadas é adequada.

Afastou-se a taxatividade em razão da impossibilidade de o legislador enumerar todas as hipóteses que necessitam de apreciação imediata. Ademais, sustentou-se que a ratio legis se coaduna com a urgência, diante da manifestação constante do Parecer n° 956 de 2014, do Senador Vital do Rego de que o agravo de instrumento está limitado a “situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação” (BRASIL, 2014). Do trecho, extraiu-se que o elemento

norteador da interpretação correta do artigo em análise reside na urgência da situação, justificada pela “inutilidade do julgamento diferido se a impugnação for ofertada apenas conjuntamente ao recurso contra o mérito, ao final do processo” (BRASIL 2018, p. 40/42).

Pautado numa leitura constitucional do processo civil, especialmente à luz do princípio da inafastabilidade de jurisdição, vislumbrou-se múltiplas decisões não abarcadas no rol do art. 1.015 do CPC/15 cuja apreciação diferida implicaria a inutilidade do julgamento, dentre as quais merece destaque a hipótese de decisão que indefere o pedido de decretação do segredo de justiça. Evidente que a análise da matéria somente quando da apelação não mitigará possíveis efeitos negativos decorrentes da publicização de eventuais documentos ou fatos de caráter pessoal. Por isso, defendeu-se a impugnação imediata de tal decisão (BRASIL, 2018, p. 42/43).

Ainda nesse exemplo, a relatora afastou a interpretação extensiva dos incisos do art. 1.015, uma vez que nenhum deles abarcaria, em tese, o caso em comento. (BRASIL, 2018, p. 43).

Outrossim, citou-se o caso da decisão que versa sobre competência, na medida em que não seria razoável aguardar o julgamento da apelação para apreciação do recurso, diante do relevante prejuízo na realização de atividade jurisdicional no âmbito de um juízo incompetente. (BRASIL, 2018, p. 45).

Ponderou-se que a interpretação sustentada por Didier e Cunha de permitir a impugnação via agravo de instrumento de decisões que versam sobre competência por analogia ao inciso III, que o permite em decisões de rejeição de alegação de convenção de arbitragem, não merece prosperar.

Isto porque a competência versa sobre organização interna da jurisdição estatal, enquanto na arbitragem discute-se a preferência da jurisdição arbitral sobre a estatal (BRASIL, 2018, p. 46), crítica já feita pelo jurista Marco Antônio Rodrigues (2017, p. 170) e mencionada no subtítulo 2.2. do presente trabalho.

Ademais, sustentou-se que a utilidade do julgamento é matéria imprescindível na análise da questão. Nesse sentido:

O que se quer dizer é que, sob a ótica da utilidade do julgamento do recurso diferido, revela-se inconcebível, a partir do princípio da inafastabilidade da jurisdição, que apenas algumas poucas hipóteses taxativamente arroladas pelo legislador sejam objeto de imediato enfrentamento. (BRASIL, 2018, p. 44)

Quanto ao não cabimento da intepretação extensiva dos incisos, cabe ressaltar o seguinte trecho do acórdão:

De igual modo, deve ser afastada a possibilidade de interpretação extensiva ou analógica das hipóteses listadas no art. 1.015 do CPC, pois, além de não haver parâmetro minimamente seguro e isonômico quanto aos limites que deverão ser observados na interpretação de cada conceito, texto ou palavra, o uso dessas técnicas hermenêuticas também não será suficiente para abarcar todas as situações em que a questão deverá ser reexaminada de imediato – o exemplo do indeferimento do segredo de justiça é a prova cabal desse fato. (BRASIL, 2018, p. 47/48)

A interpretação exemplificativa, por sua vez, foi afastada ao argumento de que conduziria à repristinação do art. 522 do CPC/73, em afronta à vontade do legislador, sendo inadmissível (BRASIL, 2018, p. 48).

Por todo o exposto, a relatora entendeu que o mais adequado é reconhecer o cabimento do agravo de instrumento em hipóteses de “urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação” (BRASIL, 2018, p. 48), ou seja, reconhecer a taxatividade mitigada pelo requisito da urgência.

No que tange a questão da preclusão, muito levantada por todas as correntes doutrinárias destacadas, sustentou-se que uma vez admitida a possibilidade de impugnar decisões de natureza interlocutória que não constam no rol do art. 1.015 do CPC/2015 em caráter excepcional, não haverá preclusão, pois

o cabimento do agravo de instrumento na hipótese de haver urgência no reexame da questão em decorrência da inutilidade do julgamento diferido do recurso de apelação está sujeito a um duplo juízo de conformidade: um, da parte, que interporá o recurso com a demonstração de seu cabimento excepcional; outro, do Tribunal, que reconhecerá a necessidade de reexame com o juízo positivo de admissibilidade. Somente nessa hipótese a questão, quando decidida, estará acobertada pela preclusão. (BRASIL, 2018, p. 53)

Isto é, ausentes os requisitos supramencionados, a questão estará inerte, o que possibilita sua apreciação no momento processual do julgamento da apelação.

De se ressaltar que os efeitos da decisão foram modulados para que a tese se aplique somente às decisões proferidas após a publicação do acórdão, como meio de conferir maior segurança jurídica aos jurisdicionados.

Cabe destacar, ainda, que a Ministra consignou a posição de que o uso do mandado de segurança, embora defendido por muitos juristas, como já destacado em diversos pontos do presente trabalho, é contraproducente e não se afigura harmônico

com as demais normas do processo civil, mormente considerando que o agravo de instrumento é mais eficiente para correção de decisão judicial nessas hipóteses (BRASIL, 2018, p. 57).

Após a exposição detalhada das razões do voto da Sra. Ministra Relatora Nancy Andrighi, destaca-se que a posição foi consolidada por maioria, acompanhando o voto os Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Felix Fischer, vencidos os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques.

Assim, para integral compreensão do tema, imprescindível trazer à baila a ementa do acórdão analisado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS.

1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal.

2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as “situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação”. 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo.

4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o

uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos.

5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo.

6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.

7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão.

8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência.

9- Recurso especial conhecido e provido.

(STJ. CORTE ESPECIAL. REsp n° 1.704.520/MT. Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 05/12/2018, DJe 19/12/2018, trânsito em julgado em 22/02/2019)

Ressalte-se que em ambos os recursos afetados (REsp 1.696.396/MT e 1.704.520/MT), os acórdãos foram idênticos, com a exceção da análise da matéria de fato do recurso. A conclusão alcançada foi que a decisão que versa sobre competência é recorrível via agravo de instrumento, e a decisão que versa sobre valor da causa não o é.

No capítulo seguinte, pretende-se analisar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, através de revisão bibliográfica, a fim de averiguar se o posicionamento adotado se afigura harmônico com os princípios constitucionais, bem como com as disposições legais sobre a matéria.

3 A INTERPRERTAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUANTO AO

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