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PARTE II INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA

Capítulo 5 – Metodologia

5.2 Taxonomia

Enquanto os relatos de risco descrevem os coletivos sociotécnicos e identificam os semipadrões, a taxonomia157 se apoia justamente nos resultados obtidos na etapa anterior

para promover a classificação dos aplicativos agregadores. Trata-se do eixo metodológico que comporta a terceira e última etapa da investigação: a composição. Classificar é ordenar por método comparativo usando parâmetros que tornam possível agrupar e dividir diversos elementos quando analisados em conjunto.

A taxonomia é um método bastante presente em áreas científicas que precisam lidar com grandes conjuntos interconectados, como a biologia. Uma das classificações mais conhecidas para ordenar seres vivos segue um encadeamento que vai do mais genérico ao mais específico: reino, filo, classe, ordem, família, gênero, espécie. Contudo, este é apenas um dos níveis taxonômicos: cada um destes grandes conjuntos pode ser alvo de uma nova classificação para conformar, por exemplo, subgêneros ou subespécies. Qualquer que seja o nível, é preciso definir os parâmetros segundo os quais os elementos são afastados ou reunidos. Os semipadrões provenientes da estabilização são operadores analíticos que atuam como parâmetros de classificação. A partir deles é possível verificar as diferenças e as semelhanças entre os aplicativos analisados.

Conforme debatido na seção 1.2, a literatura acadêmica tem destacado a heterogeneidade e a fragmentação dos conteúdos nos aplicativos para dispositivos móveis (Feijoó, Maghiros, Abadie & Gomez-Barroso, 2009; Scolari, Aguado & Feijoó, 2012) e já é possível encontrar trabalhos que apresentam taxonomias exclusivas para apps jornalísticos. Barbosa, Silva, Nogueira e Almeida (2013) propõem a classificação de aplicativos “autóctones” para diferenciar produtos “criados exclusivamente para tablet ou smartphone com características expressas em affordances específicas dos dispositivos móveis de forma que representem um estágio adiantado/distinto das versões PDF ou remediadas do impresso”

156 Tradução nossa a partir do original: “Controversies are complex and, if they are lively and open,

they tend to become more and more complex as they mobilize new actors and issues. When selecting your study case, be realistic and resource-aware.”

157 A literatura científica também consagra o uso das variantes ortográficas “taxinomia” e

(p. 14). Em outro nível de classificação, Canavilhas e Satuf (2013) dividem os aplicativos vespertinos para tablets (já claramente agrupados em uma subcategoria) em quatro grupos: “suporte”, “agência”, “complemento” e “nativo”.

Existem outros bons exemplos, mas o importante é destacar que existem muitas possibilidades de classificação a depender, basicamente, do escopo do material submetido à taxonomia. Fica evidente que esta tese, ao focar em um subconjunto de aplicativos - os “agregadores de informação jornalística” - já promove um recorte empírico fundamental. A este respeito, o capítulo 2, apesar de integrar o corpo teórico, ajuda a reforçar este primeiro nível taxonômico. O que esta etapa metodológica propõe é a criação de uma taxonomia exclusivamente desenvolvida para analisar esta modalidade de app à luz da Teoria Ator-Rede.

5.2.1 Terceiro movimento: composição

O estudo comparativo por meio dos semipadrões é responsável por revelar os pontos de convergência e divergência entre os aplicativos agregadores que integram o corpus de análise. Este último movimento recebe o nome de “composição” precisamente porque o resultado final é uma representação conjunta na qual a disposição de cada elemento é definida por meio da correlação direta com os demais objetos que compõem a investigação.

As diversas entidades heterogêneas que estavam em plena atividade e bastante nítidas durante o desdobramento, estão agora completamente invisíveis. Na composição, os mediadores foram para o segundo plano e não estão mais acessíveis ao escrutínio do investigador. A partir deste instante é possível visualizar somente as caixas-pretas: entidades enfim transformadas em unidades incontroversas. Cada aplicativo passa a ser visto como um “software” com “identidade” própria. São estas caixas-pretas que podem ser organizadas numa classificação coerente.

Para evitar equívocos sobre a composição, é necessário fazer dois alertas a respeito da taxonomia. O primeiro está relacionado aos parâmetros. A Teoria Ator-Rede sustenta que estes não devem ser definidos pelo investigador, muito pelo contrário, as categorias taxonômicas derivam dos semipadrões identificados nos relatos de risco. "A tarefa de definir e ordenar o social deve ser deixada aos próprios atores, não ao analista" (Latour, 2012, p. 44). Portanto, são as entidades desdobradas e estabilizadas que conformam os parâmetros a partir da resolução momentânea das controvérsias.

O segundo alerta está relacionado com a percepção inadequada da terminologia empregada nesta última etapa metodológica. Composição não é uma “estrutura fixa”, mas sim, uma “organização temporária” decorrente da classificação das entidades segundo

parâmetros definidos após a estabilização dos coletivos em caixas-pretas. Latour (2012) recorre à metáfora de mercadorias expostas em um supermercado para explicar a dinâmica da composição:

[...] chamaremos de “social” não uma gôndola ou ala especifica, mas as várias modificações feitas no lugar para exibir os produtos – embalá-los, etiquetá-los, colocar-lhes preço - porque essas pequenas alterações revelam ao observador quais combinações novas foram exploradas e que caminhos serão seguidos. (Latour, 2012, p.99)

As taxonomias que organizam agrupamentos dinâmicos, como os aplicativos agregadores, tendem a se mostrar instáveis e, por isso, devem ser utilizadas com cautela. Novos produtos com outras “embalagens”, “etiquetas” e “preços” chegam às prateleiras a todo momento e podem estimular a reorganização de todo o conjunto. Como demonstrado no capítulo 1, a configuração sociotécnica do ecossistema móvel (figuras 1 e 2) incentiva a acelerada proliferação de aplicativos.

Além disso, apps que já pareciam muito bem organizadas podem ganhar novas versões. Como destaca Satuf (2015a), o jornalismo móvel deve assumir a condição “beta” de seus objetos de estudo: “No jargão da informática, a ‘versão beta’ corresponde ao produto em desenvolvimento, é algo que já pode ser manipulado, mas não está acabado” (p. 458). Tal constatação tem impacto decisivo no percurso metodológico, pois as constantes atualizações podem reabrir a caixa-preta. Segundo Lemos (2013), “um intermediário certamente foi um actante e provavelmente será de novo no futuro ao romper a sua estabilidade” (p. 47).

Neste caso, restaria apenas uma alternativa: fazer um novo relato de risco para observar o desdobramento e a estabilização desta nova entidade. Como a metodologia é integrada, a reabertura da caixa-preta tem influência sobre a composição. Em outras palavras, se o fechamento e a estabilização implicam a formação de semipadrões distintos dos anteriores, o aplicativo vai passar a ocupar outra posição quando reclassificado.

Assim, a composição é uma etapa metodológica importante, mas não deve ser encarada como o ponto final. Ela nada mais é do que uma fotografia instantânea que não possui qualquer garantia de permanência. A próxima fotografia provavelmente revelará outra composição. Sua utilidade reside na possibilidade de promover uma organização básica a serviço de futuras investigações.

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