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Os reflexos na vida adulta do TDAH é assunto relativamente novo no meio acadêmico. Até a década de 80, considerava-se a extinção do quadro na adolescência, como explica Barkley (2008) “Os clínicos diziam aos pais que, se resistissem aos anos do ensino fundamental dos filhos hiperativos, o futuro seria um mar de rosas.” (p.436)

Hoje, diversos estudos de acompanhamento de crianças que foram diagnosticadas com TDAH até a idade adulta demonstram que de 50 a 70% continuam a apresentar sintomas de forma significativa. Barkley justifica que a demora dos pesquisadores em admitir a persistência do transtorno está relacionada à questão de que a hiperatividade, aspecto mais visível e perturbador do TDAH, tende a diminuir com a idade. De acordo com Biederman (1987), a diferença do diagnóstico entre crianças e adultos se justifica, primeiro, pela qualidade das manifestações, mais físicas na infância e mais cognitivas em adultos, como dificuldades com a falta de planejamento, pensamento acelerado, auto-regulação, controle do tempo, desorganização e impulsividade e, segundo, pela frequência de co-morbidades, como ansiedade, transtornos de humor, abuso de substâncias ilegais, transtorno de personalidade anti-social e explosivo intermitente. Também se relacionam às áreas afetadas no funcionamento adaptativo, como o funcionamento ocupacional e social, atenção específica para educação, adaptação à vida conjugal, vida financeira, o ato de dirigir, atividades criminais e o uso e abuso de drogas. (Barkley, Murphy&Ficher, 2013). Outra dificuldade em diagnosticar o TDAH, descreve Barkley (2008), se deve ao fato de que se tratam de comportamentos básicos da natureza humana:

Todos nós estamos propensos a ter desatenção e impulsividade em um momento ou outro, especialmente se estivermos sob estresse físico ou mental. O simples fato de que o indivíduo pode ser desatento ou impulsivo tem pouco valor diagnóstico, pois existem muitas tendências humanas nesse sentido. Se alguns sintomas de doenças mentais (p.ex. alucinações) são patognômicos, não se pode dizer o mesmo do TDAH. Os sintomas em si, não demarcam necessariamente o funcionamento anormal, e é claro que o TDAH não é o único nesse sentido. Quase todas as doenças mentais, da depressão à mania, representam tendências humanas normais que deram errado. (p439)

É, portanto difícil qualificar o diagnóstico, pois fica na dependência de um julgamento clínico sobre a intensidade dos problemas, que fica numa zona cinza entre o normal e o anormal. Além disso, os sintomas não são somente típicos do comportamento normal como também de outros transtornos psiquiátricos.

Apesar das características do TDAH na infância apresentarem distinções em relação ao TDAH na vida adulta, o diagnóstico, atualmente, segue os mesmos critérios do DSM. Por este motivo, estudos apontam que os critérios clínicos para aplicação do diagnóstico em adultos deveriam ser mais flexíveis por uma insuficiência de dados que possam distinguir diferentes fases na vida adulta. Tais insuficiências estimularam autores a pesquisar e desenvolver novos instrumentos de avaliação além do DSM-IV, como por exemplo, o Wender-Utah, o Conner`s, o

Adult Self-Report Scale entre outros. (Barkley, 2008)

Desse modo, investigar a existência dos sintomas na infância tornou-se também critério para o diagnóstico em adultos. A constatação da persistência na vida adulta depende da rigidez dos critérios de avaliação: aproximadamente 15% dos sujeitos mantém o quadro na visão daqueles que avaliam a persistência sindrômica através de um conceito mais rígido que exige a presença de 6 ou mais sintomas, e até 60% para os que trabalham com um conceito mais flexível, de persistência sintomática ou de comprometimento funcional. (Faraone&Biederman et al. 2006 apud Louzã, 2010)

A literatura médica aponta que o quadro clínico do TDAH na vida adulta, assim como na infância, apresenta sérias perturbações devido a comportamentos impulsivos e desatentos ao

longo da vida, como problemas no trabalho, ansiedade intensa, sentimento de inquietação, perda de emprego, mau desempenho acadêmico, insatisfação nos relacionamentos interpessoais e inadequação geral ao cotidiano. Além disso, é frequente a presença de “problemas secundários” (p.444), como depressão, baixo-estima e cansaço, relacionados aos anos de frustração e fracasso. (Barkley, 2008) Também é encontrada em adultos a manifestação sintomática paradoxal de “hiperfoco”, definido como a capacidade que alguns indivíduos com o transtorno têm de hiperconcentrar em algumas ações ou ideias. Silva (2003) explica que a contradição do hiperfoco em pessoas com dificuldades de atenção é um reflexo de uma “instabilidade” da atenção, como defende a autora, que prefere não utilizar o termo “déficit”: “movidos por um impulso passional, são capazes de permanecer horas e dias hiperconcentrados em uma determinada ideia.” (p.93) Tal característica pode ser observada também em certas modalidades de vício como trabalho em excesso (workaholics) entre outras compulsões.

Alguns outros autores pesquisados buscaram descrever com mais detalhes as características das manifestações do TDAH em adultos, tal como Marks (2004, apud Lopes et al. 2005), que buscou organizar seu estudo a partir de 8 domínios em prejuízo: a) hiperatividade nas formas de inquietude e inabilidade para permanecer em atividades sedentárias; b) déficit de atenção (distrabilidade e esquecimento); c) labilidade afetiva (oscilações espontâneas de humor); d) temperamento quente (episódios de irritabilidade e excitabilidade); e) reação emocional excessiva; e) desorganização; f) impulsividade (por exemplo, interrompem os outros e mostram decisões apressadas).

Barkley, Murphy& Fischer (2013), em um estudo substancial de follow-up de crianças com TDAH até a idade adulta, conhecido como Estudo de Milwaukee (assim denominado devido à cidade na qual foi conduzido), encontraram resultados parecidos aos de Marks ao comparar dados de sujeitos adultos diagnosticados desde a infância a dados de outro estudo que buscou avaliar sujeitos diagnosticados somente na vida adulta (Estudo UMASS). Os pesquisadores precisaram 8 sintomas relevantes das funções executivas (FE) que, articulados ao DSM, formam a seguinte lista: agitação ou sensação subjetiva de inquietação (DSM); é facilmente distraído por eventos externos ou pensamentos irrelevantes (DSM/FE); tem dificuldade para aguardar a vez (DSM); toma decisões impulsivamente (FE); parece não conseguir manter em mente coisas que necessita lembrar-se de fazer; é menos capaz de lembrar- se de eventos da sua infância que os outros (FE); parece não conseguir manter a concentração na leitura, nos trabalhos, nas palestras ou no trabalho (FE); parece não ouvir quando lhe dirigem a palavra (Barkley, Murphy& Fischer, 2013, p.227-228).

Ainda do Estudo de Milwaukee, que comparou os adultos diagnosticados na infância com um grupo controle, resgatamos alguns itens não mencionados na lista combinada, mas com alta percentagem no grupo pesquisado e de interesse especial para nossa pesquisa: Acha difícil tolerar esperar (73%); procrastina ou adia tarefas até o último minuto (87%); fica frustrado facilmente (73%); parece não conseguir persistir em coisas que não acha interessante (82%); facilmente entediado (76%); sua caligrafia é ruim ou desleixada (69%), tem dificuldades em gerenciar dinheiro ou cartões de crédito (71%). (Barkley, Murphy& Fischer, 2013, p.217-223)

Ao justificarem a separação prévia entre os dois estudos (diagnosticados na vida adulta e diagnosticados na infância sem remissão dos sintomas), os autores justificam que crianças com encaminhamento precoce podem indicar casos de maior gravidade. Adultos que procuram ajuda, também podem demonstrar maior preocupação e consciência dos problemas adaptativos do que aqueles levados pelos pais quando crianças, sendo estes menos propensos a aceitar sua condição e procurar tratamento, fato constatado nas pesquisas.