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2. O TEATRO EM CAMPINA GRANDE

2.1 TEATRO E CENSURA EM CAMPINA GRANDE

Nas últimas décadas, os estudos historiográficos vêm trazendo questões com a renovação da história política, representações políticas, relações de poder e poder simbólico. A dinâmica destes estudos permite analisar, no âmbito da ditadura militar, as ações sistemáticas da censura que faziam parte de uma política distinta, ou seja, visava uma “proteção” da ordem vigente para manter os valores conservadores, um dos exemplos deste tipo de política adotada é a fundamentação para justificar os valores da moralidade e dos bons costumes. Com a intensificação da ditadura, a censura desempenhou um papel de silenciador das ideias “perigosas”, tentando suprimir a propagação dessas ideias nas quais o poder vigente não pode ser questionado pela sociedade, amordaçar e aprisionar aqueles que apresentassem alguma contestação.

Em Campina Grande, mesmo não sendo uma cidade do porte das metrópoles do eixo sudeste-sul, os programas artísticos por volta dos anos 1970 ocorreram intensamente. Ao que se sabe sobre os anos mais intensos do teatro é justamente o fato de acontecer durante os tempos

mais duros da dita ordem militar, a movimentação de diversos grupos artísticos e o uso do

Teatro Severino Cabral não se mostrou acanhada, ou seja, mesmo com a repressão, os shows e

apresentações continuavam a acontecer, o que nos leva a perguntar que tipo de evento era realizado já que existia a censura monitorando as ações dos artistas. Isso tem levado alguns a acreditarem que o teatro campinense não seria apenas para o entretenimento, mas que os espetáculos, talvez, buscassem objetivos a mais, a ideia de engajamento político social de conscientização da plateia, o homem de hoje se interessa por situações e por ocorrências que possa enfrentar ativamente. (BRECHT, 1978, p. 6).

Percebendo a experiência antes de iniciar essa intensa movimentação artística a partir dos anos 1970, a década anterior mostrou um teatro precário, o próprio teatrólogo Adhemar Dantas afirmou sobre a dificuldade de se formar um público teatral na cidade. Diante disso, o que levou a década de 1970 a ser promissora para a vida cultural da cidade, mesmo com a censura e repressão?

O teatro, de modo geral, se configurou como uma ferramenta de expressão cultural, pode também trazer o engajamento político e atrair olhares para o tema apresentado em espetáculo, pela história do teatro, nota-se que nenhuma apresentação teatral encenada é ingênua, pois há sempre uma mensagem a ser discernida pelos olhares atentos.

A definição de teatro engajado diz respeito à capacidade de conscientização político social, questionando valores e fazendo a plateia repensar as problemáticas a partir da mensagem transmitida da encenação teatral.

Engajado o teatro sempre foi: ou na defesa de valores progressistas e mesmo revolucionários ou até, por omissão, emprenhado na defesa de ideias conservadoras. Mas para os que não se submetem, os que recusam o silêncio e não aceitam compactuar com a comemoração ou a encenação da mentira, o teatro assumido enquanto tal, pode ser a origem de um ato produtivo: para o espectador, um espetáculo pode ser não o simples reconhecimento de sua subjetividade, mas sim o conhecimento de sua existência como ser social (PEIXOTO, 1981, p.29).

Para Peixoto não existe modo de se fazer teatro se não for engajado, de uma forma ou de outra, ele comporta os interesses de uma ideologia. A mensagem transmitida ao espectador pode surtir o seu efeito ou não, seja por influência dos temas apresentados, pode trazer um efeito de ordem social, política ou econômica, ainda mais contestar valores, padrões sociais. O teatro tem esta capacidade de fazer, transpassar por meio da expressão artística a contestação ou confirmação dos interesses. O palco do teatro pode imitar o mundo.

Durante o período ditatorial no Brasil, o regime militar se deteve à prática da repressão e censura em várias frentes de comunicação como, por exemplo: jornais, revistas, livros, rádio, teatro, entre outros. Essa prática consistia justamente em barrar a ferramenta política crítica que estes meios poderiam exercer. O teatro, por sua vez, foi alvo destes mecanismos da censura fortemente devido ao AI-5, decreto que endureceu a ação destes órgãos como DOPS (Departamento de Política Social), o DOI CODI (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna) e SCDP, (Departamento de Censura de Diversões Públicas.) (FICO, 2010, p.175).

Os mecanismos de censura e repressão durante o período ditatorial no Brasil tiveram um papel atuante no combate à “subversão”. Existiam os departamentos aparelhados ao Estado, organização vinculada ao Sistema Nacional de Informação (SNI) dedicado à espionagem de tudo e de todos, pois reprimir significava manter a “ordem” e disciplina, uma polícia política repressiva a serviço do regime prezando pela boa imagem do governo em detrimento dos seus possíveis opositores: os comunistas.

O serviço de censura teve um crescimento assombroso com o golpe de 31 de março de 1964. Dentro dos mecanismos da censura e repressão, as práticas de tortura eram constantemente usadas para delação e confissão daqueles que foram presos sob qualquer acusação. Apesar dessas práticas não terem começado em dezembro de 1968, data que marca o decreto do AI-5, foi neste período que se encontra um vertiginoso crescimento de acusações de subversão, prisões e torturas. O Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), criado no final do Estado Novo em 26 de dezembro de 1946, respondia pela censura a manifestações artísticas e demarcava a separação definitiva entre a censura da imprensa e censura de peças teatrais, filmes, letras, musicais, programas de rádio (GARCIA, 2008, p.29).

Embora a censura já fosse praticada no Brasil durante o Estado Novo e também, com menos intensidade na redemocratização, a forma que tomou durante o regime militar pós 1964, tomou medidas de um novo sistema que ganhou estrutura propriamente repressiva como “aquela que seria responsável pelas prisões, tortura e assassinatos políticos que marcariam a ditadura militar brasileira do pós-1968 – foi criada a partir de diretrizes secretas” (FICO, 2010, p. 184).

Nas atividades visadas pelo serviço de censura encontraremos ações nos diversos meios de comunicação, os técnicos censores estavam atentos às mais diversas manifestações, a

exemplo de pichações com dizeres que ovacionavam apelos comunistas. Ressaltando estas atividades da censura, alguns militares encarregados de avaliarem o material apreendido julgavam de forma simplória que “muitas vezes produziam avaliações truncadas ou equivocadas, classificavam como “secretas” informações consabidas, faziam leituras ingênuas ou simplórias dos grandes clássicos de esquerda ... (que incluíam Marx, Lênin, Trotski etc.). Apesar da bizarrice cometida por muitos e despreparados militares, se orienta a gravidade do problema gerado pela atuação da censura. (FICO, 2013, p.191).

O que se chama de “porões da ditadura”, é uma referência aos órgãos que ficaram mais conhecidos como o DOPS (Departamento de Ordem Política Social), utilizado também no Estado Novo e na ditadura militar, cujo objetivo era reprimir movimentos sociais contrários ao governo. O DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), este último vinculado ao exército era pautado na Doutrina de Segurança Nacional da Escola Superior de Guerra. Trabalhavam de forma conjunta e coordenada com outros sistemas de repressão ligados ao Exército, Marinha e Aeronáutica, do SNI, do DPF e da Secretária de Segurança Pública (JÓFFILY, 2013, p. 42). Todos esses aparatos são a chave para compreensão da ação censória, órgãos com objetivo principal de investigar, identificar e capturar subversivos.

A construção deste aparato foi resultado de várias motivações políticas para atingir seus interesses, mas outro órgão criado em 1940, durante o regime do Estado Novo, objetivava fiscalizar e censurar as “diversões públicas” que estivessem fora dos parâmetros da moral e dos bons costumes. Este exigia uma censura prévia, ou seja, antes de qualquer manifestação seria necessário aos censores averiguarem o material que se apresentaria ao público. O teatro, cinema, espetáculos musicais, circo e entre outros estariam na lista do Departamento Federal. Sua ação foi intensificada em 1970, com a ampliação do sistema censório via SCDP (Serviço de Censura de Diversões Públicas), que se encontrava espalhado por todo país.