• Nenhum resultado encontrado

3. MEMÓRIA OFICIAL E MEMÓRIA MARGINALIZADA DO TEATRO

3.2. TEATRO DE RESISTÊNCIA: NAS MARGENS?

Durante o levantamento das fontes sobre parte da história do teatro campinense, nos deparamos na memória daqueles que viveram a arte, enquanto o regime militar a sufocava: “o teatro de Campina Grande é um núcleo de resistência contra o regime” (Entrevista concedida ao autor por Walter Tavares em 15. mar. 2016).

Mas que tipo de resistência? Sabemos que houve, sim, o trabalho da censura na cidade, sabemos que toda realização cultural deveria passar pelo crivo da intolerância, mas afirmar que o teatro campinense foi uma “trincheira” de resistência à esquerda está entre as questões que conduziu a pesquisa levando-nos a refletir que não fora bem assim. O máximo que podemos dizer é que alguns teatrólogos e peças foram diretamente censurados, inclusive, peça de teatrólogo próximo do governo municipal.

Um clima de medo e horror da repressão existia nos bastidores dos espetáculos, além da expectativa de agradar ao público, havia o temor dos militares. Havia um interesse daqueles que pensavam em fazer da arte, uma movimentação artística mais intensa, objeto de reportagens que discutiam a situação dos grupos cênicos e o teatro, como citado, a falta de financiamento para promoção de espetáculos. Houve várias tentativas de chamar atenção do poder público tornar o uso do Teatro Municipal mais efetivo, mais cuidado com o estado físico como também

atender às exigências de financiar artistas e grupos teatrais na cidade, só, assim, acreditava-se que a arte se desenvolveria com qualidade.

Notícias com enunciados provocativos sobre o teatro, ideias, sugestões, até mesmo pesquisas sobre o desenvolvimento deste tipo de cultura foram feitas e publicadas nos Jornais

Diário da Borborema, O Norte e Correio da Paraíba. Foi proposto até mesmo que uma escola

superior de teatro fosse instalada em Campina Grande, havia um anseio para que o desenvolvimento cultural pudesse colher frutos da movimentação intensa que iniciou.

Uma pesquisa sobre a implementação do curso superior de teatro realizada se mostrou animadora para os artistas. Segundo o professor Fernando Silveira, na palestra “Ponto de

Encontro”, organizada pelo Departamento de Letras, tratou-se da criação de curso de teatro,

pela Universidade Regional do Nordeste (URNE), essa proposta poderia colocar a cidade como a “capital do teatro no norte-nordeste”, (Jornal Diário da Borborema, 04. maio. 1976). Outra reportagem sobre o teatro levou em consideração a realização do FENAT, tido como um sucesso para a cidade.

E quanto à censura e à repressão durante o regime militar? Ao iniciarmos todo este trabalho, estivemos focados no quão prejudicial a censura foi aos palcos de teatro no Brasil, dado ao momento do governo ditatorial que aparelhou sistematicamente o regime, ou seja, criou órgãos de repressão comandado pelo Estado. Era comum história de repressão entre os artistas, seja do teatro, cinema ou rádio. A preocupação voltou-se para a realização de festivais e a censura que, durante a preparação destes eventos, estava presente.

No desenrolar de uma pesquisa, as metodologias empregadas e as fontes com as quais o historiador desempenha sua análise podem ser surpreendentes. Este foi o caso das manifestações artísticas da cidade; durante entrevistas, houve relatos sobre como a censura agia. Para se apresentar qualquer peça, uma cópia deveria ser enviada ao Departamento de Diversões Públicas (SCDP), entre outros casos, como por exemplo, para se encenar, algumas vezes, eram necessárias apresentações da própria peça aos censores.

Havia todo um esquema de censura preparado para tal fim, o medo de ser pego pelos militares aparece constantemente durante os relatos, como no final do Festival de Teatro

Amador em 1974, quando todos os envolvidos no evento tiveram que prestar esclarecimentos

no quartel, a mando do Major Câmara, ficando evidente que a vigilância da ditadura estava presente no teatro campinense.

Até o momento podemos dizer que há sim, uma atenção em tornar a cidade conhecida pela promoção dos programas culturais, e que à frente destas realizações estariam pessoas ligadas à elite política e cultural, os “agitadores culturais”. Também havia aqueles pequenos grupos artísticos que estavam situados fora do círculo desta mesma elite, que procuravam fazer espetáculos com pouco ou quase nenhum financiamento.

Dentre os eventos que chamam atenção nos bastidores nos primeiros anos de sua administração, o prefeito Evaldo Cruz que, mesmo sendo político da ditadura, desempenhou uma função para desenvolver os programas culturais da cidade, sobre isso Tavares afirma:

A ação dele de conseguir aprovação da censura era mais nos primeiros festivais. Havia uma produção cultural intensa na cidade independentemente de Evaldo Cruz. E também não houve uma ação tão rígida da censura em Campina Grande porque a maioria das peças não era de temática política. Não era esse o papel de Evaldo Cruz e as peças chegavam aqui liberadas. A ação dele era em relação aos festivais que concentravam debates culturais e políticos e por isso chamavam a atenção do regime militar. (Entrevista concedida ao autor em 04. mar.2016)

A “maioria das peças não eram de temáticas políticas”, talvez isso se deva ao fato de que tipo político o narrador está citando ou mesmo por meio de suas lembranças e o meio ao qual estava inserido no papel do teatro, mas que, de qualquer forma, esta declaração deixa a impressão de contradição com o que foi discutido no segundo capítulo deste trabalho, mas por estarmos representando a visão dos entrevistados em relação aos eventos, obviamente, não eram todos os grupos teatrais que expressavam indiferença em relação à ditadura militar, no entanto, existia uma pequena parcela que não concordava com este tipo de pensamento, como o caso de Humberto Lopes que buscava fazer teatro com pretensões de politizar o público.

O prefeito Evaldo Cruz é tido como o que mais investia na cultura campinense e isso não somente ao corpo cênico, mas também “Evaldo Cruz era o homem que nas linhas telefônicas buscava de Brasília e no Rio de Janeiro apoio financeiro para o teatro”. (Entrevista concedida ao autor por Walter Tavares em 04. mar.2016)

Abrandar a censura ou deixar claro que os programas culturais não apresentavam nenhuma ameaça ao poder vigente parecia ser o papel do “prefeito da cultura”, já que uma de suas características parecia ser a obediência cega ao regime. Outro ponto discutível sobre Evaldo Cruz é o título de prefeito da “cultura” encontrado em alguns jornais, na fala de alguns entrevistados e sobre isso é bom frisar que independentemente da ação da prefeitura, a movimentação cultural acontecia, os eventos e os espetáculos eram apresentados, e em virtude

desse ciclo de prestígios elitizados, a bajulação dos jornais ao prefeito da “cultura” ligado à ditadura rendia elogios.

3.3 AH, O TEATRO! A GRANDE TERAPIA DAS ALMAS. SOBRE OS