• Nenhum resultado encontrado

O Teatro da RTP merece um especial destaque, quer pela sua importância, enquanto único meio de dar a ver a arte teatral à maior parte dos portugueses, criando-lhes o gosto pelo teatro, como também, pela qualidade do trabalho que foi efectuado durante a década em estudo.

Uma grande parte do repertório das Noites de Teatro, julgo que terá sido composto por teatro traduzido no departamento de tradução da RTP ou encomendado a tradutores em regime de “free lancer” para o mercado nacional.

Todas as traduções para teatro apresentadas, quer pelos “tradutores da casa”, quer pelos tradutores em regime de “free lancer”, eram obrigatoriamente submetidas à Comissão de Exame da Inspecção dos Espectáculos. Apesar de ter sido criado, em 1964, o Gabinete de Exame e Classificação de Programas a nível interno da RTP, as peças de teatro continuavam a ser enviadas para a Inspecção de Espectáculos, a solicitar autorização de transmissão e/ou de produção. De 1960 até 1969 foram apresentadas à Comissão de Exame e Classificação da Inspecção dos Espectáculos 276 traduções de peças de autores estrangeiros.

IDIOMAS TRADUZIDOS PARA O TEATRO RTP IDIOMA DO AUTOR Nº DE PEÇAS TRADUZIDAS Nº DE PEÇAS REPROVADAS Nº DE PEÇAS TRANSMITIDAS Francês 133 7 13 Inglês 68 11 9 Espanhol 29 0 2 Italiano 22 2 2 Russo 14 0 1 Grego Latino 3 2 0 Alemão 2 0 1 Sueco 2 0 0 Checo 2 0 1 Dinamarquês 1 0 0 276 23 29 Quadro 3

Segundo o catálogo organizado pela Direcção de Novos Projectos e Arquivo da RTP, Memórias dos Arquivos da RTP, dedicado ao teatro, pode-se ler que a década de 60 foi uma das mais produtivas: «por décadas, a mais produtiva foi a de 80, com 96 peças, seguida da década de 60, com 82 peças.)».

Os número referidos no Catálogo não são coincidentes com o número de peças apresentadas na minha tabela, pelo motivo destas 82 peças referidas no catálogo estarem incluídas as peças que a RTP gravava noutros palcos e posteriormente adaptava para a televisão: «produzidas originalmente para teatro e posteriormente adaptadas para estúdio, quer ainda das gravadas directamente em palco».

No entanto, considerando as 276 peças que foram traduzidas e submetidas ao exame da Comissão de Espectáculos, teria de haver registo de muitas mais peças apresentadas ao público, mas como já foi referido aqui neste trabalho, há muita documentação que se perdeu, ou dispersou logo a seguir ao 25 de Abril e há a questão do material gravado que se danifica com o passar do tempo, perdendo-se muitas vezes a única memória registada.

Prosseguindo nesta amostragem, verifica-se que durante os anos 60, o francês era a língua de tradução mais utilizada. Tanto no que refere a tradução directa de autores de língua francesa muito apreciados, como de traduções de idiomas como o russo, checo ou das línguas escandinavas, feitas a partir de edições francesas.

Nesta época, a RTP contava com a colaboração de Jorge Listopad de nacionalidade checa e que era realizador na empresa, mas só tenho a confirmação deste ter traduzido Tchekov, conforme o quadro 4.

AUTORES MAIS TRADUZIDOS PARA O TEATRO RTP AUTORES PEÇAS DE TEATRO TRADUTORES

Aleksandr Ostrovski O bosque Manuel Lereno (1964) Anton Tchekov Trágico à força António Carlos (1963) Anton Tchekov Ivan, o Secretário Jorge Listopad (1965) August Strindberg Páscoa João A. Oliveira (1961) August Strindberg O holandês errante Ricardo Alberty (1963) Dostowevski Cartas de amor Correia Alves (1962) Dostowevski Um ladrão honesto Manuel Lereno (1964) Esquilo Prometeu agrilhoado Eduardo Scarlatti (1961) Eurípedes Medeia XX Luis Loyce (1968) Hans Christian Anderson A bola de fogo Jorge Filgueiras (1966) Ivan Turgueniev Uma senhora da província Ricardo Alberty (1961) Ivan Turgueniev Um mês no campo Ricardo Alberty (1964)

Karel Kapek RUR Lima de Freitas (1966)

Leon Tolstoi As três verdades Luis Moreno (1962) Nicolai Gogol Os jogadores Correia Alves (1963) Nicolai Gogol A briga entre os dois Ivans Ramos Ribeiro (1961) Nicolai Gogol Os jogadores Virginia Mendes (1963) Nicolai Gogol Diário de um louco Virginia Ramos (1966) Puchkin A dama de espadas Jorge Filgueiras (1968) Slawomir Mrokec A casa fronteira J. Salazar Sampaio (1969)

Terêncio Formin Leopoldo Araújo (1967)

TRADUTORES PARA O TEATRO RTP

Quadro 5

TRADUTOR PROFISSÃO IDIOMAS DE TRABALHO Nº TRADUÇÕES Alice

Ogando Tradutora Francês 5

Ana Luisa Pais da Silva Funcionária da RTP Francês/Italiano/Espanhol 5 Armando Vieira Pinto Escritor Espanhol/Italiano 5 Botelho da Silva Cenógrafo da RTP Inglês 24 Correia Alves Realizador da RTP Inglês/Francês/Espanhol 11 Eurico Lisboa (Filho)

Escritor Francês/ Espanhol 6

Francisco Mata Realizador da RTP Francês/Inglês 5 Jorge Filgueiras Artista Inglês/Francês 5 Manuel Lereno Artista Francês/Espanhol/Italiano 17 Mª Ana Pereira da Silva Tradutora RTP Francês 20 Nuno Fradique Realizador RTP Inglês/Francês/Italiano 8 Odette Saint- Maurice Escritora Francês 5 Ricardo Alberty Escritor Inglês/francês 11

Rui Ferrão Realizador da RTP

Italiano/Espanhol 5 Rui Pilar Tradutor da

RTP

Francês 47

Virginia Mendes

As preocupações com a incapacidade interpretativa da maioria do público e ainda os cuidados a ter com a língua portuguesa é referido

por Marcelo Caetano em carta enviada a Ramiro Valadão, em 14/1/72, de que apresento um pequeno excerto:

Já mais de uma vez tenho pedido a sua atenção para o telejornal. O comentário ontem acrescentado à nota da Direcção-Geral de Segurança era, decerto, muito bem - intencionado: mas era também a negação do jornalismo televisivo. «Os bombistas é que têm razão», dito para milhões de ouvintes, na maioria incapazes de subtilezas interpretativas, é de uma falta total de inteligência e senso.

Depois…o irritante «enquanto isto» já nem chegou a irritar-me. Todas as noites tenho esperança de que haja alguém na RTP com gosto pela língua portuguesa que ponha termo a tais aleijões. Mas não há.

Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, A Política de Informação no Regime Fascista, 1984:249

Na resposta de Ramiro Valadão apercebemo-nos das suas preocupações com a formação de pessoal qualificado:

Dado a falta de tempo não pude ler – e ainda menos escrever – aquele comentário. (…) O problema da revisão das legendas dos programas que as tenham vai ser resolvido mercê de contacto a fazer com quem para tal tenha categoria e tempo bastantes. (…) A gente mais nova não tem preparação bastante e, por isso, estou a procurar que a R.T.P. consiga formar os seus próprios quadros. Trata-se porém de uma tarefa que não

Também a questão «de milhões de ouvintes, na maioria incapazes de subtilezas interpretativas», levava a que a Comissão de Exame lesse com um extremo cuidado tudo o que era escrito, de modo a não deixar dúvidas nos telespectadores Havia uma vigilância e um grande controlo sobre tudo o que era discurso conotativo e as figuras de estilo exigiam cuidados redobrados.

As peças de teatro estrangeiro traduzidas e reprovadas durante a década de sessenta são-no em parte, devido às temáticas que se prestam a interpretações que os censores consideram ruinosas para a moral tradicional.

O poder do tradutor ao serviço de uma empresa como a RTP era inexistente, dada a apurada filtragem feita pela ideologia dominante. Os requisitos do tradutor eram os da sua aptidão técnica para o ofício. A sua responsabilidade era nula em termos da sua manipulação interventiva na mensagem.

As traduções, neste caso de teatro, numa empresa como a RTP, eram censuradas pelo tradutor que se auto-vigiava para não ter deslizes técnicos e interpretativos e conseguir assegurar o seu trabalho. No entanto, embora passando por vários censores a nível interno, quem tinha a última palavra era sempre a Comissão de Exame da Inspecção dos Espectáculos.

Este exercício do poder está patente no caso que passo a apresentar e que junto no Anexo 6.

Em 1965, o Director de Serviços de Programas da RTP enviou um ofício ao Inspector Chefe dos Espectáculos, juntando dois exemplares da tradução de uma peça de Harold Pinter, Chá de Aniversário, programada para ser transmitida num programa especial da Eurovisão – O Maior Teatro do Mundo - do qual a televisão portuguesa era parceira.

A peça que foi enviada pelo Comité da Eurovisão e traduzida por Maria Teresa Ataíde, tradutora da RTP, explora a frustração sexual de um homem de meia – idade, que inventou a cegueira para satisfazer o seu desejo de tocar na secretária, o objecto dos seus lúbricos desejos. Com o passar do tempo a cegueira acabou por tornar-se realidade.

Conforme o ofício enviado pela RTP, a tradução foi vista e revista e já tinham sido eliminadas as situações que no original ofereciam problemas para o público português.

Contudo, a deliberação da Comissão de Exame da Inspecção dos Espectáculos, após a leitura da referida tradução «deliberou aprovar a peça “CHÁ DE ANIVERSÁRIO”, para Maiores de 17 anos, pelo que a mesma não pode ser transmitida.»

A Comissão de Exame recorria a esta decisão sempre que queria reprovar as decisões feitas a nível interno da RTP

Este era o eufemismo habitual considerando o art. 36 do Decreto –Lei nº 42660, que regulava os horários e tipos de programa, havendo apenas programas «para todos» e «para maiores de 12 anos».

Documentos relacionados