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Para compreender a temática investigada neste estudo, buscamos a base de sustentação na abordagem histórico-cultural, tendo como aporte as ideias de Vigotski (2000, 2007, 2008), Pino (2005), Rego (2010), Padilha (2011), entre outros, que foram de extrema importância

para a construção da nossa pesquisa, pois possibilitou-nos entender o desenvolvimento da criança de forma dialética a partir das relações sociais e das interações com o(s) outro(os) sujeitos, por meio de mediações culturais e históricas enraizadas no contexto do qual é parte integrante.

Somando à abordagem histórico-cultural, trazemos a Sociologia da Infância a partir dos estudos de Sarmento (1997, 2004, 2005, 2007, 2008), Corsaro (2009, 2005), Quinteiro (2009), para nos ajudar a tecer a rede de significados no que diz respeito à compreensão das infâncias e da criança na contemporaneidade, aqui percebida como sujeito atravessado por toda a história de suas invisibilizações, negações e inferiorizações.

Percebemos que os estudos sociológicos da infância tornam-se um campo importante para o nosso estudo pela valorização da criança como ator social, como já pontuamos.

Entendemos que, pela via do estudo de caso, as construções e discussões neste texto tomam forma e significado a partir das opções teóricas eleitas e, sobretudo, da inserção no contexto histórico-cultural em que essa criança está inserida e se constituindo etnicamente como criança negra.

A escolha dos procedimentos metodológicos não foi tarefa fácil. De acordo com o andamento da pesquisa, eles vão tomando direções nas quais precisamos nos posicionar e definir o caminho que melhor iria atender ao objetivo, ao campo e, principalmente, aos sujeitos da pesquisa. Foi no acontecer da pesquisa in locus que a dissertação foi ganhando forma. A cada ida ao campo, sentíamos como nosso envolvimento crescia com o sujeito do estudo e as direções iam se delineando nas idas e vindas entre a teoria e a prática.

Tentamos compreender a dinâmica da pesquisa com as crianças a partir da significação que elas iam construindo em nossos encontros. Para isso, recorremos à Rede de Significações (RedSig) que nos permitiu tecer alguns fios que começavam a dar cor, forma e estrutura aos achados durante nossos encontros. Como forma de enriquecer e ampliar nossa rede, puxamos alguns fios do paradigma indiciário (GINZBURG, 1989), para nos ajudar a desvelar as minúcias, os sinais que não são ditos.

Foi nesse canteiro de obras que pudemos potencializar nossos estudos para descortinar e desinvibilizar, nas vozes das crianças negras quilombolas, os resíduos da história da

população negra no Brasil do período escravista e que continuam fazendo com que as redes de significações sejam atravessadas por interdições e nós.

Nesse sentido, a partir das reflexões realizadas no decorrer da pesquisa, é possível inferirmos que as tensões que permeiam a constituição da criança negra estão entrelaçadas numa rede de sentidos, construída histórica e culturalmente pela e na sociedade.

O ser humano é enredado por relações que não acontecem de forma isolada. As constantes interações que se produzem no espaço e no tempo estão permeadas pelos fios da linguagem, da ideologia, da cultura, da história e, principalmente, dos sentidos sociais construídos nas relações de acordo com os valores e crenças dos sujeitos.

Percebemos, nesse processo, a existência da construção de vários vieses que se cruzam e se entrecruzam, criando uma teia por onde perpassam tênues sentidos que passam a fazer parte da rede social em que os sujeitos estão inseridos e se constituindo como seres humanos.

Na compreensão dos sentidos produzidos pela criança sobre ser criança negra, constatamos a necessidade de encontrar outras conexões e fios que nos possibilitassem transitar em diferentes trilhas na tessitura de um texto complexo que não poderia ser construído a partir de uma única direção.

Com base nessas reflexões, encontramos o nosso fio condutor de análise na abordagem teórico-metodológica da RedSig, visto que essa abordagem nos possibilita explorar os vários fatores que fazem parte do processo de desenvolvimento humano.

Rossetti-Ferreira (2004) enfatiza que, pelo fato de o bebê humano precisar de outras pessoas por muito tempo para sobreviver e, principalmente, para tornar-se humano, ele passa a ser um sujeito dialógico por natureza.

Dessa maneira, na relação com o outro/outros e com meio cultural em que as crianças estão inseridas,

[...] começam a viver e a fazer sentido das práticas de cada dia [...]. Vivem os cuidados, os carinhos, os afetos, as distâncias, as ausências, as contingências, as contradições que vão se impondo. Vão sentindo e sofrendo, de diversas formas, as múltiplas relações com os outros e com o mundo. E vão sendo afetadas por essas relações (SMOLKA, 2004, p. 35).

Assim, as redes de significações seriam compostas por articulações e reconfigurações de elementos nas relações sociais. Esses elementos seriam

[...] de ordem pessoal, relacional e contextual, atravessados pela cultura, pela ideologia e pelas relações de poder, isto é, pelo que denominamos de matriz sócio- histórica, de natureza semiótica e polissêmica, a qual tem concretude e se atualiza continuamente no aqui e agora da situação, no nível dialógico das relações (ROSSETTI-FERREIRA, 2004, p. 17).

Nessa perspectiva, a Rede de Significação nos permite integrar, em nossas análises, diversos elementos que se ligam de maneira dinâmica, circunscritores do processo de desenvolvimento do sujeito.

Rossetti-Ferreira (2004, p. 219) acrescenta que esse processo se dá pela “[...] (re)significação e da (re)configuração da RedSig, num movimento que circunscreve possibilidades e limites para as ações, emoções, concepções”, da pessoa.

A perspectiva da RedSig concebe os processos de desenvolvimento humano como uma rede interligada por fios de natureza discursiva e semiótica que se inter-relacionam dialeticamente. Dessa maneira,

As pessoas encontram-se imersas em, constituídas por e submetidas a essa rede, e, a um só tempo, ativamente a constituem, contribuindo para a circunscrição dos percursos possíveis a seu próprio desenvolvimento, ao desenvolvimento das outras pessoas ao seu redor e da situação em que se encontram participando (ROSSETTI- FERREIRA, 2004, p. 23).

Nesse sentido, apoiamo-nos da RedSig como um instrumento que nos possibilita uma apropriação do real, em sua complexidade e multidimensionalidade, pois abre um leque de caminhos a serem trilhados, permitindo a circulação em vários campos de conhecimentos.

Também recorremos a Walter Benjamin para pensar em como trabalhar o significado de importâncias e desimportâncias, adjetivos usados pelas crianças ao se referirem aos objetos eleitos nas conversas. Benjamin (2011, p. 18) nos lembra que “[...] a Terra está repleta dos mais incomparáveis objetos de atenção e da ação das crianças”.

Diante disso, atentamos que pesquisar com a criança é algo desafiador e nos instiga a reaprender a olhar e ouvir de forma sensível e mais aberta esse universo infantil.

Benjamin (2011) ressalta que, devido às nossas amarras, perdemos o olhar para o contorno da pessoa humana e é na busca desse contorno que nos lançamos neste estudo.

Nesse caminhar, fomos fazendo escolhas na tentativa de nos livrar das amarras que nos prendiam a uma visão linear, homogeneizadora e passiva da criança. Assim, foi nas trocas e interações com esses sujeitos que pudemos experimentar novos sentidos e outros possíveis de enxergar e estar no mundo.

Mas, para que isso fosse possível, foi necessário trocarmos os “óculos”, ajustar as lentes que tínhamos construído no nosso caminhar e buscar, no colorido do caleidoscópio, novas maneiras de adentrar no universo da criança, sem com isso perder de vista nosso mundo adulto, pois “[...] se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas - sinais, indícios - que permitem decifrá-la” (GINZBURG, 1989, p. 177).

Assim, no decorrer de nossa caminhada no campo, partimos em busca dos significados, sentidos, cores e sabores encontrados nos olhares, abraços, interlocuções, observações, transcrições, leituras e releituras do material coletado.

Fomos aprendendo a ler nas entrelinhas, nas muitas vozes que ecoavam repletas de múltiplos sentidos e significações e até mesmo nos silêncios e negações, as importâncias e as

desimportâncias atribuídas pelas crianças aos processos vividos e experienciados por elas na

constituição do ser criança negra quilombola.

Pudemos experimentar, neste estudo, o que Benjamin (2011, p. 19) diz sobre o canteiro de obras, lugar em que as crianças significam as coisas do mundo, mostram as suas importâncias e desimportâncias,

Sentem-se irresistivelmente atraídas pelo resíduo que surge na construção, no trabalho de jardinagem ou doméstico, na costura ou na marcenaria. Em produtos residuais reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e para elas unicamente.