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A leitura da literatura sobre recursos computacionais mostra que não há consenso quanto um termo preciso para nomeá-los. Os mais comuns nas publicações lidas incluem novas tecnologias da informação e comunicação/NTIC (KENSKI, 2010; 2007), novas tecnologias (LESSARD; TARDIF, 2008; SCHLÜNZEN, 2005). Há quem critique o adjetivo novas e use simplesmente tecnologias da informação e comunicação/TIC (ALMEIDA, 2005). Também há quem opte pelo termo tecnologias digitais (PAIS, 2008) ou tecnologias digitais de informação e comunicação/TDIC (MARINHO, 2010). Neste estudo, que remete ao uso de computadores como recurso didático, empregamos a locução “recursos computacionais” para nos referirmos a tudo que se relaciona com o computador, até a internet; porém, mantemos essas denominações diversas quando nos referirmos aos referenciais teóricos utilizados.

Kenski (2010, p. 214) afirma que “O universo particular dos textos em Educação costuma referir-se à tecnologia como algo distinto e único, sem considerar a multiplicidade de conceitos, formatos, produtos, processos, métodos e culturas diversas que existem no interior do termo”. É essa falta de cuidado que salientamos quando se trata das concepções relativas as tecnologias, em especial às computacionais, na educação escolar, ou seja, no trabalho docente. Afinal,

[...] a época da máquina é, para a consciência humana, uma época de esperança e horror, ambígua e confusa. Enquanto num momento a tecnologia

é igualada ao progresso e à promessa de um mundo de abundância, livre de labuta, noutro ela evoca a visão de um mundo enlouquecido, fora de controle, a visão de Frankenstein. (EWEN, 1982 apud RÜDIGER, 2007, p. 15).

Com efeito, diante das tecnologias, o ser humano pode se comportar como tecnófilo ou tecnófobo. Parafraseando Postman (1994), apud Rüdiger (2007, p. 19), numa perspectiva tecnicista, professores, alunos ou outros sujeitos que integram o domínio da educação podem conceber as tecnologias por um prisma de otimismo educacional: ver o “milagre” que as tecnologias podem fazer, mas não se preocupar ou ser incapaz de imaginar o que podem ou vão desfazer (o tecnófilo); ou, numa ótica pessimista, tradicional e cultural — que professores e outros assumem —, resistir, criticar pejorativamente, enxergar só “os fardos” e até impedir o desenvolvimento de trabalhos que envolvam os recursos computacionais e a aproximação entre as várias disciplinas que compõe o campo de conhecimento da educação escolar (o tecnófobo).

Para o “ensino como ofício”, conforme o ponto de vista adotado, as TIC podem — segundo Lessard e Tardif (2008) — ser consideradas como inimigas ou como aliadas,

Elas são inimigas quando sua incorporação à escola, e mais globalmente os seus impactos sobre a educação e a aprendizagem, só obedecem às vontades da economia das comunicações, cujo desenvolvimento parece ser o exemplo mais impressionante daquilo que os teóricos da Pós-modernidade chamam de aceleração da mudança. Elas são inimigas também quando só contribuem para o divertimento ou para uma proliferação tal da informação que circula, que ficamos todos ainda mais incapazes de estruturá-la e dominá-la. Aliás, elas podem ser aliadas quando tornam acessíveis a todos informações de qualidade, permitem a pesquisa, a criação e a interação. (LESSARD; TARDIF, 2008, p. 268).

Nessa lógica, afirmam que os docentes devem aprender a usar as TIC para fins pedagógicos, pois, nos dois casos, parecem completamente inevitáveis. Assim, ao refletirem sobre as transformações atuais do ensino, visualizam um terceiro cenário que se apresenta entre os dois pólos: o da “Marcha prudente mas aberta das organizações discentes e profissionais” (LESSARD; TARDIF, 2008, p. 274). Alertam que não é fácil traçá-lo, por ser mais indeterminado que os outros dois. É complexo, apresenta contradição, não há modelo canônico exterior à prática docente e imposto aos docentes, dá-se pela experiência construída, e, portanto, a docência é mais exigida. Conforme descrevem os autores,

Este cenário é o da “organização discente”, no sentido de que enfatiza um processo de aprendizagem coletiva. No início, ele não detém todas as respostas e não oferece todas as garantias; aceita caminhar sem tê-las previamente; nesse sentido, assume a incerteza e a ambigüidade; tem uma idéia relativamente precisa do seu destino, mas o mapa e a bússola não estão perfeitamente ajustados, de qualquer forma não o suficiente para reduzir ao mínimo ou fazer desaparecer qualquer risco; já tendo acumulado uma boa experiência da inovação e da gestão da mudança, ele prevê obstáculos, desconfia de certas derivas possíveis, mas avança assim mesmo e aprende com esse próprio movimento. É menos afirmativo e seguro de si, mas permanece obstinado na sua escolha da aprendizagem significativa e do desenvolvimento de pessoas autônomas e livres. (LESSARD; TARDIF, 2008, p. 274–5).

Na tentativa de dissipar essa nuvem de ambiguidade e paradoxo, descreveremos primeiramente neste capítulo as tecnologias e sua influência na formação humana, para então diferenciarmos tecnologia de técnica e, enfim, discutirmos os recursos computacionais, sua configuração na educação, o ensino de astronomia e a importância dos recursos computacionais e da formação de professores.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais/PCN (BRASIL, 1997a, p. 25–8), a associação estreita entre ciência e tecnologia permitiu um processo intenso de criação científica não vivenciado até então. Por consequência, a sociedade, a cada dia, torna-se mais complexa, produzindo e incorporando informações novas a todo instante, alterando as relações e modos de vida em curtos espaços de tempo.

A sociedade atual tem exigido um volume de informações muito maior do que em qualquer época do passado, seja para realizar tarefas corriqueiras e opções de consumo, seja para incorporar-se ao mundo do trabalho, seja para interpretar e avaliar informações científicas veiculadas pela mídia, seja para interferir em decisões políticas sobre investimentos à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias e suas aplicações. (BRASIL, 1997a, p. 25). Contudo, mesmo antes da existência da ciência, as “tecnologias” já influenciavam a realidade humana. Kenski (2007, p. 21) afirma que o homem transita culturalmente mediado pelas tecnologias que lhes são contemporâneas, transformando-lhe sua maneira de pensar, sentir e agir; porque “As tecnologias são tão antigas quanto a espécie humana” (KENSKI, 2007, p. 15), ou porque, diria Vargas (1994, p. 172), a linguagem e a técnica são tão antigas quanto o homem. Segundo Fischer (1983), na história humana, o homem, desde sua fase inicial de humanização, descobriu que podia empregar elementos da natureza como instrumentos, dando-lhes funções que ampliassem sua forma e utilidade material; de início, esses objetos serviam como extensões da mão humana. Retomar essa origem da

transformação da matéria natural em objeto útil às necessidades do ser humano serve para elucidar a condição dos objetos se tornarem instrumentos padronizados. Isto significa que o homem descobre “[...] que não é preciso esperar pelas ofertas acidentais, porque a natureza pode ser corrigida” (FISCHER, 1983, p. 28).

Nessa concepção “naturalista”,

Os primeiros meios técnicos teriam sido extensões de nossas capacidades corporais, prolongamentos materiais de nossos órgãos que, rebatendo ou realimentando desde fora o processo, nos projetariam em níveis de complexidade em constante desenvolvimento. (RÜDIGER, 2007, p.21–2). Segundo Pais (2008), cada tecnologia provém de outras anteriores que, ao longo da história, modificaram-se sucessivamente e que, por isso, exigiram dos usuários o desenvolvimento de técnicas que também “[...] resulta[ssem] normalmente de uma síntese evolutiva de informações e conhecimentos acumulados no transcorrer de um certo período” (PAIS, 2008, p. 92). Eis por que Kenski (2007, p. 20) considera o corpo e, sobretudo, o cérebro humano como “[...] a mais diferenciada e aperfeiçoada das tecnologias, pela sua capacidade de armazenar informações, raciocinar e usar os conhecimentos de acordo com as necessidades do momento”.

A necessidade de aprender, de buscar viver melhor (VARGAS, 1994, p. 174) e de viabilizar a comunicação levou o homem a criar um tipo especial de tecnologia, que Lévy (1993) chama de “tecnologias da inteligência”, cuja base é imaterial, ou seja, não existem como máquina, mas como linguagem — a escrita, oral ou digital. Segundo esse autor, conhecimentos inéditos surgem do uso de “novas tecnologias intelectuais” baseadas na informática; mas os tempos sociais e estilos de saber ligados aos computadores não impedem que “[...] antigas tecnologias intelectuais” como a impressão, a escrita e os métodos menemotécnicos das sociedades orais tenham, “[...] ainda, um papel fundamental no estabelecimento dos referenciais intelectuais e espaço-temporais das sociedades humanas” (LÉVY, 1993, p. 75).

Para Lévy, conforme o instante em que cada grupo social se encontra em situação singular e transitória rente às tecnologias intelectuais, a presença ou ausência de certas técnicas fundamentais de comunicação permite classificar as culturas em algumas categorias gerais. Por exemplo, “A oralidade primária remete ao papel da palavra antes que uma sociedade tenha adotado a escrita, a oralidade secundária está relacionada a um estatuto da palavra que é complementar ao da escrita, tal como o conhecemos hoje” (LÉVY, 1993, p. 77). Segundo esse autor, “A escrita foi inventada diversas vezes e separadamente nas grandes civilizações agrícolas da Antigüidade” (LÉVY, 1993, p. 87) e se caracteriza por permitir “[...]

uma situação prática de comunicação radicalmente nova” (LÉVY, 1993, p. 89). Assim, enquanto a transmissão oral era sempre, simultaneamente, uma tradução, uma adaptação e uma traição, a mensagem escrita, por estar restrita a uma fidelidade, a uma rigidez absoluta, corre o risco de se tornar obscura para seu leitor. A eficácia da escrita como tecnologia intelectual é que ela “[...] permite estender as capacidades da memória a curto prazo” (LÉVY, 1993, p. 124). O desenvolvimento de uma nova técnica — a impressão —, em meados do século XV, rompe o elo da tradição, em que o “[...] leitor [...] introduzido às suas interpretações por um mestre que tivesse, por sua vez, recebido um ensino oral [...]” passou a conviver com “O destinatário do texto [...], agora, um indivíduo isolado que lê em silêncio” (LÉVY, 1993, p. 96). A imprensa trouxe possibilidades de recombinação e associações de textos numa rede incomparavelmente mais extensa e mais disponível do que no tempo dos manuscritos, sobretudo graças à quantidade de livros em circulação.

Mais recentemente, a informação e a comunicação ganharam uma nova configuração. De acordo com Santos e Okada (2003, p. 3), “A informação que vinha sendo produzida e circulada ao longo da história da humanidade por suportes atômicos (madeira, pedra, papiro, papel, corpo), na atualidade também vem sendo circulada pelos bits, códigos digitais universais (0 e 1)”. Afirmam essas autoras que, após o surgimento da chamada revolução digital — que possibilita digitalizar sons, imagens, gráficos e textos —, as tecnologias da informática associadas às telecomunicações têm provocado mudanças radicais na sociedade.

Como se vê, o desenvolvimento de técnicas e a criação das tecnologias são importantes ao processo de humanização. Existe uma íntima relação entre estas e o homem. Por isso é preciso compreender mais a natureza de cada uma delas, a fim de tornar mais claro seu uso para lhe dar uma função mais coerente com a ação educacional.