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1. Algumas formas de narrativas acerca da gênese da Música Eletrônica de Pista

1.1. Tecnologias

A tecnologia não é neutra. Estamos dentro daquilo que fazemos e aquilo que fazemos está dentro de nós. Vivemos em um mundo de conexões - e é importante saber quem é que é feito e desfeito.

Donna Haraway.

Sempre há riscos quando se assume a tarefa de tentar deliniar uma trajetógia possível de uma história tecnológica que visa postular uma ligação entre mudança tecnológica e uma prática específica, no caso da presente pesquisa a prática da discotecagem baseada na sincronização de diferentes registros sonoros, esbarra em uma série de desafios. Pois, ao assumer tal tarefa acaba- se entrando em questões que apresentam relações arriscadas pela ambíguidade que pode surgir da postulação de situações de causa e efeito para o desenvolvimento dos elementos mobilizados para o desenho desta trajetória histórica com interesses específicos, a questão é que provavelmente na maioria dos casos a tecnologia aparece tanto como causa e efeito das mudanças que são narradas por meio dos seus desdobramentos ao longo do tempo.

Em certa medida o risco que surge, ao se tentar delinear esse tipo perspectiva histórica, parece de correr em parte, quase de maneira intrinseca, ao signficado que a palavra tecnologia é utilizada cotidianamente, quase como sinônimo para “alta” ou “nova” tecnologia. A simples utilização de aparatos que representem essa concepção de tecnologia às vezes é o suficiente para a incitação quase automatica de uma condição que conote inovações radicais em diversos sentidos, sejam estéticos, politicos, éticos, morais, etc., e tal situação se dá pela maneira como este siginificado da tecnologia está diretamente atrelado a uma noção etéria de “progresso” formal ou estético sobre a capacidade de produção de novidade da tecnologia. Com isto em mente, a proposta neste trabalho passa ao largo desta postura tecno-otimismo ou tecnofilica que identificanos desdobramentos tecnológicos uma teleologia inevitavelmente libertadora. No entanto, não pretendo com isso fazer um retorno nostalgico a um humanismo que tem na aversão e no medo (tecnofobia) os únicos sentimentos possíveis com a tecnologia, à tecnologia pode ser tão perigosa quanto é benigna.

Então, neste primeiro capítulo a tarefa entral a qual me de dicarei é tentar minimamente mapear e descrever as mudanças ocorridas com as tecnologias de reprodução de som utilizadas pelos DJs (que vieram a se tornar DJs de MEP pela sua implicação com as tecnologias), e como estas tecnologias permearam ao invés de determinar a prática da discotecagem. Por isso considerarei a tecnologia em um sentido mais amplo, para que desta forma consiga demosntrar claramente o caráter ativo das tecnologias nos processos de recontextualizaçãodos quais participaram influenciando de significativamente a mareira socio-cultural de manipulação e recepção dos registros sonoros.

Parece-me importante levantar estes pontos desde já para ressaltar o tipo de interpretação histórica do contexto presente se dá da relação da tecnologia com seus usuários em seus diversos níveis, mas um dos mais evidentes é no âmbito da política estética, em que alguns itens são considerados mais tecnológicos que outros. Nesta interpretação, na maioria das vezes uma bateria eletrônica, um sintetizador, um toca-discos, um CDJ são considerados mais tecnológicos do que uma guitarra elétrica, por exemplo. Este tipo de consideração se baseia em uma ordem do real guiada por preferências estéticas e políticas que acabam por transformar estas distinções em distinções ontológicas. Neste sentido, estas distinções do status tecnológico dos diferentes aparatos tecnológicos são usados, via de regra, como forma de crítica por setores estabelecidos de uma prática a fim reivindicar para si a autenticidade e superioridade estética, mas a inversão ou subversão destas críticas também é usada como contra argumento pelos neófitos com vistas a legitimarem suas opções.

Com estas ressalvas em mente posso iniciar a traçar o trajeto das tecnologias de reprodução sonora que participaram da formação da MEP e seus DJs como fenômeno cultural. A prática dos DJs de MEP pode ser apresentada em termos tecnológicos a parir de dois períodos distintos, e o segundo período diferencia-se em seu interior em um primeiro momento em que inicia a digitalização, e um segundo momento, em que a digitalização se estabilizou. Partindo de uma genética7 das linhagens tecnológicas que constituíram a cabine de som viso apresentar as mudanças pelas quais essa figura passou ao longo do tempo.

Antes de entrarmos na descrição das linhagens tecnológicas devemos ressaltar que essas mudanças tecnológicas também são usadas como argumento político de legitimação de usuários de um tipo de tecnologia frente aos usuários de outras tecnologias. Geralmente, os acusadores                                                                                                                          

7 No sentido de gênese da relação entre homem e máquinas sonoras, isto é, dos elementos tanto humanos quanto não

estão vinculados a uma linhagem tecnológica já estabelecida, enquanto que os acusados estão vinculados a uma linhagem que busca se firmar. Essa situação foi muito bem trabalhada por Ferreira (2004) em seu texto “O Analógico e o Digital: a politização tecnoestética do discurso dos DJs”. Aspectos tecno-culturais e econômicos também entram no jogo de legitimação dos “verdadeiros” DJs, bem como a disputa entre o underground e o mainstream. Essa disputa e a busca de legitimação via um argumento tecno-estético-cultural fica evidente na imagem abaixo.

Imagem 1: Jeff Mills VS Swendish House Mafia (trio formado pelos DJ-produtores Steve Angello,

Sebastian Ingrosso e Axwell)8.

Na imagem acima o argumento para legitimação de um tipo de DJ frente ao outro é de viés tecnológico, e surge com a oposição tecnológica uma questão estética que distingue o

underground do mainstream. Pois, Jeff Mills é um dos criadores e divulgadores do Techno de

Detroit, enquanto o SHM representam, atualmente, umas das vertentes denominadas mainstream da MEP. A imagem apresenta um “antes”, e a relação se dava nos termos de “3 decks and 1 DJ”, enquanto que hoje, um “depois”, os termos são “3 DJs and 1 deck”. O uso de fones de ouvido9 também é mobilizado como parte do argumento, bem como os tipos de mídias (vinil ou MP3)                                                                                                                          

8 Nos vídeos 07 e 13, disponíveis na videografia ao final do texto, podem ser vistas as diferenças ressaltadas pela

imagem, exceto a econômica.Todas as imagens usadas nesta seção foram retiradas da internet.

9 Para melhor compreensão do papel dos fones de ouvidos no contexto da MEP, ver NYE, Sean - Headphone–

utilizadas, que tipos de habilidades são desenvolvidas e quem é o detentor de maior controle sobre as habilidades segundo a configuração de cada conjunto. É importante notar que ocorre uma polarização do controle da ação nos diferentes momentos. Enquanto no “antes” o fator humano sobrepujava o tecnológico, no período referido como “depois” a relação se inverte. E, por último é apresentado o fator econômico.

Apesar de em sua legenda a imagem propor uma questão para reflexão seu tom crítico e a sua tomada de posição em favor do underground como representante legitimo da MEP por direito adquirido por meio das tecnologias e habilidades. A situação apresentada na imagem, neste ponto do trabalho, tem um caráter ilustrativo, ou seja, para ressaltar o emaranhado de relações que estão em jogo na escolha tecnológica e nas habilidades constituídas10.