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Tecnologias e trocas sociais: expressões tribalísticas

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3.3 Vida social: dinâmicas tecno-comunicacionais

3.3.1 Tecnologias e trocas sociais: expressões tribalísticas

Nossa observação desse quadro contextual da técnica, das mudanças implicadas pela emergência da tecnologia digital estabelece uma distância crítica acerca de visões empolgadas sobre a determinação/imposição técnica na sociedade e também de discussões que reduzem a complexidade da relação técnica/sociedade ao binarismo (positivo ou negativo) para dar lugar a uma perspectiva da relação nova configuração comunicacional-expressões tribalísticas. No nosso entender, o processo de comunicação e a explosão da conexão são potencializadores das visibilidades dos microgrupos (tribos) e de seus “momentos de efervescência”, que ganham adesão e compartilhamento via rede. Ou seja, para nós importa a dinâmica de sedimentação que vai se estruturando na repetição ampliada pela interatividade desses momentos que se fermentam na socialidade (sejam eles festas, encontros ou manifestações artísticas), configurando o nós a partir do individual. Como propõe Maffesoli (2006), reportando-se à ideia de “diário figurativo” de Nietzsche, tudo o que é insignificante, no sentido do que é da ordem do cotidiano (sentimentos, odores, imagens, rituais), por sedimentação, transforma-se no ensinamento do viver aqui, do viver o que é.

O caráter prospectivo das relações tribalísticas projeta-se em escala planetária. Do local para o global. Esta é a dinâmica que tem oportunizado, por exemplo, a celebridade instantânea de um performer, um Rapper ou qualquer figura anônima que se arrisca no palco da virtualidade. Conforme destaca Maffesoli (2006), um fenômeno efervescente pode exaurir-se em si mesmo. Mas nem por isso deixa de ser o reflexo da experiência orgiástica, presenteísta, hedonista que o marca e que de alguma forma vai criando um cimento na memória da cotidianidade. A soma de vários momentos, por meio da pluralidade de identificações possíveis, pode assumir um significado particular e constituir uma tribo.

Nesse sentido, as oportunidades de trocas sociais amplificam-se pelas redes, tornando mais visível o que as estruturas tradicionais da sociedade não alcançam

enxergar. Basta lembrar o que já se tornou quase lugar comum acontecer: a mídia massiva (TV, rádio, publicidade, jornal) apropriar-se dos fenômenos instantâneos que pululam na internet, fazendo de pessoas anônimas uma celebridade, que pode durar ou não. Mas a questão não é se é duradouro ou efêmero. O que conta é o processo da construção das figuras emblemáticas como constituintes da memória coletiva, que permite aos grupamentos a apreensão de algumas noções sobre as quais conformam senão posicionamentos, pelo menos sentimentos.

Outro ponto a se levantar relaciona-se com a superação da representação moderna. A tríade: socialidade-tribalismo-tecnologias digitais, num contexto Pós- Moderno como já discutido neste trabalho, impõe antes uma auto-representação (já propunha Canevacci (2005)) ou uma “apresentação”, provoca Maffesoli (2006). Ou seja, com a saturação da identidade, do projeto, do futuro, do energetismo do trabalho caem por terra referenciais de representação. Lembrando que ao dizer saturação não queremos dizer fim desses elementos. Temos ciência de que estamos vivendo um processo de mudanças, que, para alguns configuram uma nova era, para outros não. Mas o certo é que há inúmeros indícios de que determinados dogmas e princípios tradicionais não conseguem mais responder às dinâmicas sociais da contemporaneidade.

As juventudes, e as manifestações de rua espalhadas pelo mundo (independente dos motivos que as provocam) dão mostras disso, não querem mais ser representadas. Como destaca Maffesoli (2003, 2006), há uma crise da representação, sendo a política a sua principal representante. Desta forma, as tribos vão se tornando espaços de encontros, trocas e promovem por vários artifícios sua própria apresentação. As práticas comunicacionais da cibercultura favorecem essa atitude. Resume Lemos (2003, p. 5)

As práticas comunicacionais da cibercultura são inúmeras e algumas verdadeiramente inéditas. Dentre elas podemos elencar a utilização do e- mail que revolucionou a prática de correspondências pessoais para lazer ou trabalho, os chats com suas diversas salas onde a conversação se dá sem oralidade ou presença física, os muds, jogos tipo role playing games onde usuários criam mundos e os compartilham com usuários espalhados pelo mundo em tempo real, as lans house, nova febre de jogos eletrônicos em redes domésticas, as listas de discussão livres e temáticas, os weBlogs, novo fenômeno de apresentação do eu na vida quotidiana (Lemos, 2002c) onde são criados coletivos, diários pessoais e novas formas jornalísticas, sem falar nas formas tradicionais de comunicação que são ampliadas, transformadas e reconfiguradas com o advento da cibercultura a exemplo do jornalismo online, das rádios online, das TVs online, das revistas e diversos Sites de informação espalhados pelo mundo.

Diante dessa ampla esfera comunicacional, que ganhou ainda mais fôlego com o Twitter45, o Snapchat46 e o Whatsapp47 fica mais fácil entender a proposta de Maffesoli (2006) sobre o declínio do individualismo na sociedade de massa. Embora pareça paradoxal. Coadunando com o pensamento do autor francês, Lemos (2003, 2008) observa que a cibercultura está sincronizada com a dinâmica societal. Por meio dela ou nela cria-se o que o autor (2008, p. 80) denomina de “cibersocialidade”. Nesse sentido, a tecnologia digital promove outras formas de socialidade, nas quais os indivíduos não ficam isolados, relacionam-se, vinculam-se por microrrituais comunitários.

Um exemplo dessas novas expressões tecnossociais pós-modernas pode ser o que uma pesquisa48 de André Lemos traz sobre os “ciber rebeldes”. Nela, destaca que toda tecnologia cria novos rebeldes, no caso, figuras que polemizam e ao mesmo tempo provocam reflexões sobre a relação técnica-sociedade (representadas tanto por operários que tentaram destruir as máquinas na revolução industrial quanto pelos “rebeldes sem causa” da geração “baby boom” popularizados pelo cinema). Os rebeldes emergentes da tecnologia digital, diz ele, são os do underground high-tech49, entre eles os Ravers e os Zippies. Os ativismos de grupos como estes protagonizam práticas desconexas, fluidas, até moralmente questionáveis (se pensarmos nos padrões tradicionais), mas em sintonia com os movimentos de uma ordem sensível que toma as tecnologias nas mãos. Podemos dizer que os grupos exemplificados podem ser a metáfora da cibercultura. Uma

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Twitter é uma rede social e servidor para microBlogging, que permite aos usuários enviar e receber atualizações pessoais de outros contatos, em textos de até 140 caracteres. Os textos são conhecidos como tweets, e podem ser enviados por meio do webSite do serviço, por SMS ou por celulares.

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Snapchat é um mensageiro, disponível para IOS e Android, cujas imagens enviadas pelo bate- papo só podem ser visualizadas durante alguns segundos. Depois, elas desaparecem.

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Whatsapp é um software para smartphones utilizado para troca de mensagens de texto instantaneamente, além de vídeos, fotos e áudios através de uma conexão à Internet.

48

Ver mais em http://www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/rebelde.html.

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Os principais representantes dos ciber-rebeldes são os "phreakers", os "hackers", os "crackers", os "cypherpunks", os "ravers" (através da mùsica "tecno" misturada ao hedonismo do corpo e do espìrito pela dança, o primitivo e o tecnológico interagem de forma simbiótica. Eles se reúnem em mega-festas, as raves, com o intuito de dançar horas a fio) e os "zippies” (misturam o sentimento comunitário dos hippies com as novas possibilidades das tecnologias do ciberespaço, para reforçar laços comunitários, inclusive com propostas alternativas de trabalho). O que todos têm em comum é a rebeldia de “quebrar” estigmas, destruir fronteiras, sejam elas de segurança ou de espaço/tempo, e a energia orgiástica do viver intensamente. Ver mais no artigo de André Lemos, Ciber rebeldes, Online, (s/d). Disponível em http://www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/ rebelde.html.

metáfora que analogamente pode descrever outros infinitos microgrupos em múltiplas manifestações sociais no interior da socialidade contemporânea.

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