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Trilhas cotidianas ou por onde caminham as juventudes

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2.2 Ritmos da vida: identificações múltiplas e o novo imaginário Pós-Moderno

2.2.1 Trilhas cotidianas ou por onde caminham as juventudes

Um exemplo que ilustra bem não apenas essa inferência das juventudes de uma juvenização do mundo como figura emblemática, mas também as noções maffesolianas de presenteísmo (reconfiguração tempo/espaço), de energetismo (implicações sobre a produção e o trabalho) e de religação ao mundo pelo viver orgiástico/dionisíaco: o perfil do Facebook Jovem o suficiente23. Nele temos acesso à história de um jovem gaúcho que aos 18 anos resolveu percorrer o mundo fotografando crianças. “Queria ouvir as palavras, os sonhos, a visão de mundo delas, e recuperar um pouco da juventude que eu e todo mundo perdemos a cada dia”. Assim Felipe Pereira, o jovem em questão, explica sua proposta em uma entrevista à revista Ponto Jovem24. Após visitar 32 países em três continentes (Ásia, Europa e América Central), ele voltou ao Brasil e reuniu sua experiência num livro. A publicação, batizada de Jovem o Suficiente foi escrita originalmente como uma carta para o amigo de Felipe, que na adolescência compartilhou com ele o sonho da viagem, mas pelo percurso da vida os dois se separaram.

A vivência acima relatada apresenta todos os ingredientes do que estamos chamando de novos modos de ser e estar no mundo. Facilmente conseguimos identificar os aspectos que Maffesoli no conjunto de sua obra levanta como constituintes/constituidores desses tempos de agora. O primeiro traço e mais óbvio é o do não-projeto. O paradoxo é de que há um plano para a consolidação de uma vontade porque a viagem demandou alguns preparativos; depois o livro necessitou de uma ação no Site de financiamento coletivo. O que muda, é mesmo a lógica. Já não é um projeto de futuro, para passar a vida fazendo o mesmo; menos ainda determinado pela via econômica. O que move é a emoção, o prazer, a liberdade do movimento na socialidade. Ao dizer na reportagem da revista Ponto Jovem “[...] Tenho a convicção de que, no futuro, vai ser cada vez mais comum que cada um

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A página refere-se a um projeto iniciado por um jovem de 18 anos, Felipe Pereira, que deu a volta ao mundo. Segundo a descrição do perfil, é “a história do brasileiro que deu uma volta ao mundo entrevistando e fotografando crianças, com uma só missão: aprender a se manter jovem para sempre”. A experiência do rapaz virou campanha através de um Site de financiamento coletivo e rendeu um livro. Na página, o jovem troca suas experiências e apresenta seus novos projetos. Disponível em: https://www.Facebook.com/JovemOSuficiente?fref=ts.

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Entrevista concedida à revista Ponto Jovem. Disponível em http://revistapontojovem.com.br/jovem- o-suficiente-um-sonho-de-crianca-que-virou-realidade-e-que-agora-virou-livro/. Acesso em abril de 2015.

construa a sua própria profissão em vez de aderir a um modelinho já formulado”, Gaúcho, como é chamado nas redes sociais, confirma o que pensadores Pós- Modernos têm dito sobre a saturação do modelo moderno de trabalho, de vida. E para se ter uma ideia de que não é uma opinião exclusiva ou muito própria, basta fazer uma rápida pesquisa na Internet para descobrir inúmeros Sites, Blogs e publicações voltados para “pensar cada vez mais fora da caixa”, como anuncia o Hypness25, um Site que aposta em modos originais de viver e ganhar a vida e que abriga, entre outras, a comunidade/Site Nômades Digitais26. Neste último há, inclusive, um manifesto, com mais de 14 mil compartilhamentos no Facebook, que questiona toda a forma tradicional de trabalho e apresenta “uma alforria” via Internet para que as pessoas possam se libertar do modo “normal” (aspas deles) de viver. Para começar, quem comanda essas experiências (as aqui exemplificadas) são jovens, na faixa de 20 a 35 anos, que estão se sustentando de forma bastante alternativa para os padrões da sociedade criados pós-revolução industrial.

Percebe-se nos exemplos dados a associação da potência tecnológica (a Internet e seu poder de interação) com os arcaísmos Pós-Modernos de que nos fala Maffesoli (1988,2006): o retorno de Dionísio (dimensão hedonista da vida representada pela vontade de viver sem amarras, curtindo, viajando); o tribalismo (estar-junto a partir de um gosto compartilhado, que se manifesta na adesão das pessoas às propostas dos Sites e perfis do face) e o nomadismo (superação do espaço, retorno ao que é selvagem no sentido de natural, livre, em que os exemplos encaixam tão bem).

A busca de Gaúcho pela juventude (questionamento das verdades; as crianças como vivência do lúdico, da alegria; a aventura que se faz em instantes eternos; a troca do energetismo do trabalho pela energia da vida representada pela aventura/viagens) traz à cena a criança eterna de Maffesoli. Sites que promovem um nomadismo digital como meio de ganhar a vida; que organizam financiamentos

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Hypness é um Site que se define como espaço para divulgar conteúdos inovadores em áreas como arte, design, negócios, cultura, entretenimento e tecnologia. A proposta central é pensar o trabalho fora das amarras do espaço físico delimitado, sendo em casa, ou em qualquer parte do mundo. Tudo facilitado pelas possibilidades da Internet. Estão na rede por meio de Site, Blog, abrigando várias comunidades, no Facebook, no Twitter, em e-mail e instagram. Ver mais em http://www.hypeness.com.br/.

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Site e comunidade de Facebook destinado a quem se interessa em trabalhar e viajar ao mesmo tempo. O slogan é: “Usando a tecnologia para trabalhar e viajar ao mesmo tempo”. http://nomadesdigitais.com/er mais em http://nomadesdigitais.com/.

coletivos para projetos artísticos, literários, publicitários refletem a sombra de Dionísio que se espalha em nosso cotidiano. Uma sombra muito mais para o poder instituído (seja ele político, econômico ou social) do que para os bastidores subterrâneos da socialidade, cuja redundância dos fenômenos sociais (as pequenas narrativas) “contam” uma vida cotidiana diferente das lições repetidas que se cristalizam como grande narrativa (História, política, economia). É assim que se dá o “enraizamento dinâmico” (MAFFESOLI, 2006), pois há algo de arcaico que se prende a uma raiz fruto de sedimentações sucessivas (culturais, sociais, imaginárias), mas esta não é fixa, definitiva como nos princípios formatados da Modernidade. Ela é dinâmica, alterável, líquida, diria Bauman.

Poderíamos ampliar e muito os exemplos para demonstrar os caminhos do estar-junto das juventudes e suas formas de vivenciar a socialidade. A cada passo dado na pesquisa nos surpreendemos com o mundo que se esconde e ao mesmo tempo se mostra em nosso cotidiano. E obviamente é preciso considerar o recorte necessário, porém delimitador, ao qual estamos submetidos nesse olhar pelas frestas da Internet, já que tomamos como um dos métodos de investigação a observação de Sites e páginas de Facebook relacionadas a juventude, tecnologia e arte. A fala de Maffesoli (2005, p. 7) é sintomática sobre essas surpresas que nos esperam na mudança que se opera no seio social:

Tudo isso que é o forte sinal de uma mudança de imaginário. Tudo isso que é a marca da Pós-Modernidade. A elaboração de uma coerência social vivida, paradoxalmente, de perto, mas com a ajuda dos sonhos imemoriais que embalam a infância de cada um de nós e que atualizam a juventude do mundo.

É isso mesmo que nos surpreende nos numerosos fenômenos sociais contemporâneos, em especial nas práticas juvenis. É o que está em curso na criação artística e na vida de todos os dias. É o que se necessita pensar: a profunda significação do sem-sentido da vida.

Esse sem-sentido talvez seja o que está fazendo grande sentido para os grupamentos juvenis – contraditoriamente, os fenômenos dessas micronarrativas cotidianas embora pareçam invisíveis socialmente pelos “proprietários da sociedade”, como provoca o sociólogo francês, vêm se espalhando do subterrâneo à massa via mídia (dentro da apropriação que a interessa) ou pelo processo de autorrepresentação (Maffesoli já prefere falar em apresentação) das próprias tribos, por meio da tecnologia digital. O paradigma cultural, conforme o autor, está se alternando: no lugar do trabalho e do sacrifício, o lúdico e a criação. E exatamente

por essa inversão de valor acreditamos no lugar da arte como espaço privilegiado para a apresentação dessas juventudes que parecem tão distantes de quem tem lugar de fala na sociedade: governos, política, escola, igreja e a mídia, que já feita a ressalva, eleva apenas os aspectos que favorecem o mundo do espetáculo.

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