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2 TV EDUCATIVA: DIÁLOGO E POLIFONIA

2.4 TELEVISÃO E A EDUCAÇÃO PARA A SENSIBILIDADE

Na perspectiva de uma educação dialógica, é preciso repensar a utilização do uso dos meios de comunicação social, especificamente da televisão, tanto do ponto de vista da relação emissor-receptor, quanto da forma de disposição e elaboração dos conteúdos.

O conteúdo da Televisão Educativa quando construído de maneira polifônica, conforme definição de Bakhtin, favorece ao diálogo entre o educando e o educador, entre as linguagens que compõem a sua construção e entre as diversas áreas do conhecimento, que fundamentam seu discurso. Dessa forma, não apresentará um discurso autoritário, centrado no autor (emissor). Todas as vozes implicadas nos questionamentos apresentados estarão presentes. Trata-se de uma televisão que assume o contraditório.

O desafio do audiovisual educativo é ainda proporcionar a educação para a

sensibilidade (DUARTE JÚNIOR, 1991) e valorizar a dimensão estética dos processos de

ensino e de aprendizagem. A escola corriqueiramente separa razão de emoção e privilegia a racionalidade. Entretanto, para fruir conteúdos multimodais, fazendo leituras complexas de textos verbais e não-verbais, é importante educar para a sensibilidade. Duarte Júnior (1991, p. 12) defende a educação através da arte ou a arte-educação:

[...] Arte-educação não significa o treino para alguém se tornar um artista, não significa a aprendizagem de uma técnica, num dado ramo das artes. Antes, quer significar uma educação que tenha a arte como uma de suas principais aliadas. Uma educação que permita a sensibilidade para o mundo que cerca cada um de nós. De forma genérica, a associação entre educação e audiovisual vem sendo feita por três caminhos por parte de instituições da educação formal e não-formal no Brasil: o primeiro

caminho pode ser definido como educação pelo audiovisual, quando o conteúdo é construído para suprir demandas da Educação à Distância ou meta-presencial, nessa caso o audiovisual é sobretudo uma ferramenta que estabelece vínculos entre educadores, tutores, educandos e o conteúdo a ser transmitido; no segundo caminho, o educando agrega valores e conhecimentos ao experimentar os processos de construção de produtos de comunicação, incluindo a produção de vídeos – educação a partir do audiovisual, que vem sendo desenvolvida por meio de projetos de educação social, realizados, particularmente, por organizações não- governamentais. Alguns especialistas e realizadores das atividades feitas nessa ótica denominam essas vivências socioeducativas como educomunicação.

A USP desenvolve, por meio do Núcleo de Educação e Comunicação, estudos e experimentações fundamentados na lógica da educomunicação. Em sítio na internet, o Núcleo define brevemente essa perspectiva:

O conceito da educomunicação propõe, na verdade, a construção de ecossistemas comunicativos abertos, dialógicos e criativos, nos espaços educativos, quebrando a hierarquia na distribuição do saber, justamente pelo reconhecimento de que todas as pessoas envolvidas no fluxo da informação são produtoras de cultura, independentemente de sua função operacional no ambiente escolar. Em resumo, a educomunicação tem como meta construir a cidadania, a partir do pressuposto básico do exercício do direito de todos à expressão e à comunicação.

Já o terceiro caminho para o encontro entre educação e audiovisual – educação para o

audiovisual – requer leitura em profundidade, contextualização e experimentação, e, para

tanto, se fundamenta nos princípios da arte-educação. Nessa derradeira perspectiva, a compreensão das linguagens artísticas presentes na construção gramatical do audiovisual é fundamental, e o processo é mais importante até que o produto. Entretanto, a consciência estética necessária para a plena realização dessa perspectiva metodológica, quando voltada para a construção de produções audiovisuais, acaba por assegurar o diálogo permanente entre forma e conteúdo.

A arte-educadora Ana Mae Barbosa (1998) propõe a experiência artística enquanto processo que implica o fazer (desenvolvimento do percurso criador, cultivado em oficinas de fazer artístico), o apreciar (desenvolvimento da competência de leitura e desfrute das próprias produções, das produções de outros e da natureza) e o contextualizar/refletir (desenvolvimento de teorias próprias a partir de interação com fontes informativas, informantes e outras pessoas que refletem sobre arte).

Esse processo permite que educadores e educandos implicados no processo possam ter uma visão das linguagens artísticas entrelaçadas, que permeiam a complexa linguagem audiovisual. Dessa forma, torna-se possível que a tevê possa experimentar, atuar com singularidade, evitando que haja uma reprodução acanhada dos modelos impostos pela televisão comercial e as suas maneiras de tratar o conhecimento, a informação e a reconstrução da realidade para o telespectador. De acordo com a proposta triangular de Barbosa (1998, p. 17), é muito importante, além da experimentação e contextualização, a leitura consciente de produtos referenciais:

Em nossa vida diária, estamos rodeados por imagens impostas pela mídia, vendendo produtos, ideias, conceitos, comportamentos, slogans políticos etc. Como resultado de nossa incapacidade de ler essas imagens, nós aprendemos por meio delas inconscientemente. A educação deveria prestar atenção ao discurso visual. Ensinar a gramática visual e a sua sintaxe através da arte [...].

Com essa exposição de elementos implicados no debate acerca do potencial educativo da televisão, fica clara a amplitude do problema. Para sintetizar, encontram-se relacionados à questão a relação entre emissores de conteúdo e seu público, possibilitada pelo meio televisivo tradicional; a forma de definição de conteúdos que sustentam os programas exibidos, ou seja, a relação destes com os currículos, como as leis da Educação, com as diversas áreas do conhecimento e matrizes culturais; a possibilidade da experimentação com a linguagem; e, ainda, os processos de construção dos produtos, isto é, as perspectivas metodológicas que norteiam a sua lógica de concepção e produção.

Para finalizar o capítulo, é possível estabelecer analogias entre o ponto de partida de Bakhtin e de Freire, particularmente na forma como compreendem a linguagem, já que os dois pensadores traduzem a existência humana a partir de um princípio dialógico e, por essa ótica, a possibilidade de interação entre sujeitos torna-se elemento que concebe não só a linguagem, como também a consciência.

A produção de sentidos se dá não apenas pela combinação de signos linguísticos, mas abrange as entonações, expressões faciais e corporais, os gestos, as imagens, e inclui até o silêncio. Dessa maneira, a interação entre sujeitos se dá na tradução, apreensão e ressignificação de conteúdos, de enunciados, na medida em que estes enunciados vinculam os agentes implicados no processo comunicativo. A comunicação, portanto, se dá a partir do movimento que se estabelece entre estes agentes, não sendo possível entender o diálogo de maneira estática.

Assim, nesse movimento é possível contemplar os conflitos, os antagonismos, os espaços de poder estabelecidos e a compreensão de que as vozes presentes numa movimentação dialógica representam discursos sociais, já que o indivíduo e as suas circunstâncias sociais são indissociáveis. O jogo de palavras, entonações, gestos e imagens resultam de um confronto ou encontro entre perspectivas similares, complementares ou antagônicas. As consciências que se comunicam representam um ponto de vista sociocultural, uma classe social, além da sua própria singularidade.

Lima (2001) estabelece conceitos acerca da interação e da interatividade: a interação como fruto do relacionamento entre agentes da comunicação, seja verbal, não-verbal, midiatizada ou não e da possibilidade da interlocução e produção de sentidos. A interação seria, nesse caminho, uma interatividade que produzisse a reciprocidade e a compreensão entre esses agentes. A interação produziria de fato transformações nas perspectivas desses interlocutores. Dessa maneira, interagir não é apenas receber informações ou emiti-las, mas a participação numa dinâmica que não pode dispensar uma consciência dialógica.

Essa consciência precisa nortear a práxis educacional, que deveria evitar as relações autoritárias e monológicas, sobretudo se esse projeto pedagógico se realiza por meio de recursos da comunicação, tais como as televisões universitárias e educativas.

Com base no que foi exposto, reforça-se aqui a premissa de que, para assumir uma posição diante dos desafios da Educação, a televisão, como veículo e como linguagem, teria que optar por uma lógica de produção, acessibilidade e avaliação que lhe constituísse como polifônica, adotando os princípios arte-educativos para definir a concepção e desenvolvimento da sua grade de programação. Forma e conteúdo teriam que ser pensados sem dicotomia, e seus realizadores e espectadores exercitariam continuamente a avaliação dos signos e redes de sentidos expressos em imagens, sons, performances, palavras, ambientes, fontes e demais recursos. De acordo com Bakhtin (1998, p. 86):

[...] Todo discurso concreto (enunciação) encontra aquele objeto para o qual está voltado sempre, por assim dizer, já desacreditado, contestado, avaliado, envolvido por sua névoa escura ou, pelo contrário, iluminado pelos discursos de outrem que já falaram sobre ele. O objeto está amarrado e penetrado por idéias gerais, por pontos de vista, por apreciações de outros e por entonações. Orientado para o seu objeto, o discurso penetra neste meio dialogicamente perturbado e tenso de discursos de outrem, de julgamentos e de entonações. Ele se entrelaça com eles em interações complexas, fundindo-se com uns, isolando-se de outros, cruzando com terceiros; e tudo isso pode formar substancialmente o discurso, penetrar em todos os seus estratos semânticos, tornar complexa a sua expressão, influenciar todo o seu aspecto estilístico.

A polifonia aqui defendida, no sentido estabelecido a partir da obra de Bakhtin, revelaria na programação da Televisão Educativa, particularmente quando associadas a escolas e universidades, as diversas facetas e daria visibilidade às diversas vozes sociais que discursam.