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2 TV EDUCATIVA: DIÁLOGO E POLIFONIA

2.3 TELEVISÃO E CONVERGÊNCIA

Tanto o russo Bakhtin (1895-1975) quanto o brasileiro Paulo Freire (1921-1997) escreveram suas teorias em períodos históricos em que a tecnologia analógica regia os meios de comunicação. No entanto, suas teorias e pressupostos dão conta das necessidades de interação e diálogo que estão sendo pouco a pouco atendidas pelo desenvolvimento tecnológico e, por conseguinte, das linguagens.

Como se sabe, a convergência dos meios impulsiona a fusão e combinação de linguagens, o que permite a associação de recursos literários, visuais, sonoros e audiovisuais, simultaneamente, e isso traz inúmeras possibilidades para os processos educacionais, seja para a educação básica, seja para o ensino superior.

A noção de convergência, utilizada nesse trabalho, parte dos estudos deflagrados a partir do pesquisador Henry Jenkins (2008), que analisa o fluxo de conteúdo que perpassa múltiplos suportes e mercados midiáticos, considerando o comportamento migratório percebido no usuário, que oscila entre diversos canais. Jenkins desenvolve seus estudos a partir de três conceitos basilares: convergência, inteligência coletiva e cultura participativa. Inteligência coletiva refere-se, particularmente, a questões relacionadas com o mercado consumidor e às novas mídias; a ideia de cultura participativa, por sua vez, serve para caracterizar o usuário das mídias na contemporaneidade, cada vez com uma postura mais distante da passividade, atuando em um sistema que pode ser gerenciado de forma coletiva.

Já o termo convergência é tratado como parte de um novo processo cultural e que se relaciona com uma nova narrativa, multimidiática ou transmidiática, que é fruto do potencial dos novos suportes para a convivência de diversas linguagens. Nessa perspectiva, novas e antigas mídias passam a interagir de forma cada vez mais complexa. De acordo com Jenkins (2008, p. 44):

Consumidores estão aprendendo a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo da mídia e para interagir com outros consumidores. As promessas desse novo ambiente midiático provocam expectativas de um fluxo mais livre de ideias e conteúdos. Inspirados por esses ideais, os consumidores estão lutando pelo direito de participar mais plenamente de sua cultura.

Para Jenkins (2008), a circulação de conteúdos por meio diversos sistemas midiáticos, inclusive concorrentes entre si, se relaciona diretamente com a ativa participação dos

digital, deve ser compreendida como uma transformação cultural, que revoluciona o papel do receptor.

As escolas e instituições universitárias podem se “empoderar” desse potencial participativo e dialógico, além de se valer da multimidialidade, potencialmente favorecida pelas novas tecnologias da comunicação. Os espaços educativos se multiplicam nas páginas da rede mundial de computadores, em suportes que asseguram a convergência de recursos. Todas essas aquisições vêm modificando as maneiras de fruição de produtos audiovisuais. E, indubitavelmente, a educação pode se valer de novas formas de tratar o seu conteúdo, que nos meios digitais podem utilizar, além da convergência midiática, da hipertextualidade, da possibilidade de construção de arquivos, da customização, da interatividade, dentre outros (PALACIOS, 2000).

É relevante sublinhar que a linguagem audiovisual em si já tem como característica a multimodalidade, já que combina gestos, palavras, sons, imagens etc. – em movimento. Ou seja, a linguagem audiovisual já impõe uma fruição complexa e é herdeira das diversas modalidades artísticas, tais como o teatro, a música, a literatura e as artes plásticas. Dessa forma, podemos considerar que o texto audiovisual traz vários modos de representação semiótica que se articulam para a produção de sentidos. Nessas produções, o texto verbal, hegemônico na educação, tem o mesmo valor que o texto imagético. As formas se entrelaçam e se tornam equivalentes em importância nos processos de construção e decodificação.

Sobre a multimodalidade, Kress e Van Leeuwen (1996, 2001) avaliam que a construção verbal é um dos modos de representação semiótica, e os modos de representação não-verbais podem estar ou não a serviço da linguagem verbal. No texto audiovisual, há uma construção e, posteriormente, leitura integral dos signos (imagéticos, verbais etc.), sem que necessariamente um modo de representação semiótica domine a construção ou decodificação por parte do espectador. Os elementos visuais de um texto audiovisual trazem em si uma mensagem estruturada, porém interrelacionada com as formas verbais que compõem a tessitura.

Dessa maneira, a partir da proposta de uma gramática visual, Kress e Van Leeuwen (1996, 2001) defendem a importância de um letramento visual, já que esse modo de comunicação visual é fundamental para o tráfego nas diversas redes de práticas sociais. Por esse caminho, “não ser ‘visualmente letrado’ começará a atrair sanções sociais. ‘Letramento

visual’ começará a ser uma questão de sobrevivência, especialmente no ambiente de trabalho”. (KRESS; VAN LEEUWEN, 1996, p. 3)

Assim, o audiovisual aplicado à educação, para se valer dos recursos de representação da linguagem, favorecendo ao diálogo entre os agentes implicados no processo de ensino e de aprendizagem, deve estar atento às possibilidades multimodais, associadas à convergência dos suportes digitais. Enfim, as tecnologias digitais proporcionam novas formas de articulação entre as mídias, novas maneiras de disposição do conteúdo e possibilitam a interação.

Nesse sentido, a televisão que tem compromisso com instituições educativas não pode ser concebida com base apenas nos recursos que a televisão tradicional dispõe, precisa ter um projeto estético-pedagógico diferenciado e potente, levando em conta que as tecnologias e linguagens associadas nos suportes digitais, em relação aos meios de comunicação tradicionais (o rádio, a TV, o jornal impresso etc.), possibilitam que sujeitos em diferentes tempos e espaços possam interagir, construir conjuntamente conteúdos e divulgar conhecimentos, favorecendo, assim, a democratização do processo comunicativo.

A TV é um veículo de emissão com inúmeras dificuldades para a captação da reação da sua audiência e análise instantânea da recepção dos produtos veiculados. Isso se torna ainda mais evidente com o advento de meios interativos e a facilidade como recebem com agilidade a interferência do espectador, que é mais claramente agente do processo comunicativo e, potencialmente, produtor de mensagens. Com vistas a alcançar a proposição dialógica de Freire (1970, 1987) para a Educação, é importante reconhecer que novas configurações para a comunicação, diferente de uma lógica unívoca e monológica, podem interferir positivamente nos modelos da educação tradicional, que, em muitos casos, são pautados pela rigidez e pela falta de autonomia.

Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos, mas a revolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo. (FREIRE, 1970, p. 60)

Em se tratando dos meios de comunicação, a questão do diálogo entre os agentes implicados nos processos educacionais se torna mais complexa, já que no caminho da convergência é possível ultrapassar os limites estabelecidos a partir da Teoria da Informação, que tinha como suporte a tríade linear emissor-mensagem-receptor. Isso permite uma ruptura com modelos tradicionais de comunicação de massa que se pautam na unidirecionalidade, ou

seja, comunicação feita de um emissor para muitos receptores, e na massificação, como é o caso do rádio, do cinema, dos meios impressos e da televisão.

Com a associação e convergência de potencialidades desses meios, é possível que seja estabelecida uma lógica multidirecional, quando muitos emitem conteúdo para muitos, o que poderia propiciar o estabelecimento do diálogo entre os sujeitos da comunicação, possibilitando que ambos interfiram na mensagem (LIMA, 2001). A possibilidade da multidirecionalidade aproxima os recursos da comunicação aos princípios educacionais defendidos na proposta dialógica de Freire.