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Tema nevrálgico que preocupa hoje mais do que nunca a todos os povos do mundo

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Sempre que nos dedicamos ao estudo destas questões, cujas profun- das raízes remontam-se aos tempos mais remotos, o fazemos com a mais inteira liberdade de consciência e com prescindência absoluta de toda sugestão estranha a nossos próprios convencimentos. Assim, pois, temos tratado destes assuntos sem nos afastar um ápice da posição equânime e reta que conforma a todo espírito investigador que oferece o resultado de suas observações e estudos, como neste caso, à considera- ção dos estadistas, a cuja perícia e sagacidade pareceria estar reservada a tarefa de encontrar as soluções mais acertadas, em caráter permanente, destes problemas.

Nos tempos atuais, e principalmente nos últimos anos, tem-se falado muito sobre a chamada justiça social; porém ela não é definida com a precisa clareza com que é exigida pela ansiedade pública; ansie- dade pública que, como parte integrante da sociedade, civil, social e juridicamente organizada, desejaria compreender qual é em realidade a definição que se dá a essa expressão, com a qual se quer expressar as preocupações que nestes momentos embargam o pensamento dos estadistas, pois é natural que se deva admitir com inteira justiça, em toda a exatidão desta palavra, que essa preocupação absorve também quase por completo a todos, porém, naturalmente, se evidencia com maior intensidade nas camadas cultas, instruídas e responsáveis da

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Em nossa edição de janeiro de 1942(1) dizíamos que “a nosso juízo, o

problema deve ser encarado do ponto de vista da administração indivi- dual dos haveres. A maioria gasta tudo o que tem e até o que não tem, sem levar o menor controle de suas possibilidades nem de suas despe- sas. Isto ocorre porque de tudo se ensina ao homem em sua juventude, menos de saber administrar a si mesmo. Como pode, então, manejar inteligentemente seu salário ou honorários e cobrir honestamente suas necessidades sem ter que recorrer a meios que em vez de solucionar oneram mais ainda sua situação?”

“O homem, impelido pelas dívidas, dificilmente coordena seu pensa- mento sobre a base de um reajuste de sua conduta ou de sua maneira de pensar. Geralmente confia no acaso ou que outros resolvam suas necessidades”.

“Julgamos que deveriam criar-se cursos especiais destinados a propor- cionar à inteligência do empregado ou trabalhador as normas a seguir para organizar as economias domésticas. Ninguém ignora que os salões de cinema e teatro, os ambientes de diversões, os clubes, os restaurantes e cafés estão sempre cheios de empregados e trabalhadores”.

“Haveria, pois, que ensinar com decidido empenho a forma de admi- nistrar os próprios haveres. Os excessos são os que desequilibram o orçamento”.

Isto prova que a questão social tem nos preocupado de modo especial, por se tratar de um problema medular que afeta a toda a huma- nidade. Prescindimos de citar aqui muitos outros artigos publicados em datas anteriores, mas nos referiremos a um, publicado nestas páginas em novembro do mesmo ano, intitulado: “O capital não existe”, com a seguinte epígrafe: “Cotação do esforço e soma do produto humano para a apreciação do trabalho”. Neste estudo, no qual alguns aspectos da questão foram aprofundados extensamente, chamávamos a atenção sobre as qualidades do trabalhador e dividíamos o trabalho em supe- rior e inferior, destacando o errôneo que é referir-se aos trabalhadores e operários como únicos representantes do trabalho, pois seria inge- nuidade desconhecer a nobre tarefa dos que pensam, se sacrificam e assumem a responsabilidade de tudo o que gira ao seu redor, moti- vados pelo exercício de suas atividades, como diretores de empresas

ou dirigentes das diversas atividades em que cada um situa sua vida conforme sejam as qualidades de sua inteligência e seu caráter.

Sobre este assunto, pode-se dizer que já vai acentuando em muitos estadistas da atualidade o convencimento de que a questão social deve ser encarada de outros pontos de vista que, certamente, hão de diferir em sumo grau dos que existiam antes da guerra atual. Isto significa que as exigências das massas operárias vão encontrando os diques naturais que haverão de represar suas legítimas aspirações, a fim de que elas possam concretizar-se um dia em justas realidades. Veja-se que disse- mos “legítimas aspirações”, pois queremos fazer notar o fato de que, se efetivamente existem ou podem existir, como é lógico, também é lógico pensar que para alcançá-las, ou melhor ainda, para que essas aspirações se convertam em realidades palpáveis, devem recorrer aqueles que as tenham, neste caso as massas operárias, aos esforço de superação que dignifica a vida, cultivando as vantagens da inteligência na medida que lhes seja possível, em vez de entregar-se, como comumente ocorre, a um improdutivo abandono, abandono que as empurra depois, reacionaria- mente, contra os que sacrificam suas horas no estudo e na preocupação de seus interesses, de suas pátrias e de seus famílias, e que por isso mesmo e por seus outros méritos, conseguiram situar-se em posições folgadas e rodear-se da consideração e do respeito de todos.

Esses diques naturais, aos quais nos referimos, não seriam outra coisa que a lógica contenção de tais aspirações, quando elas se convertem em exigências irracionais pela carência de ideais superiores. Isto permitiria determinar as causas propícias que servem ao progresso no qual está empenhada a sociedade humana, evitando-se assim que se transbordem em ímpetos de violência, como quiseram as hordas comunistas em seus primitivos afãs de dissolução social, nos quais se pretendia implantar sistemas absurdos, na base de uma igualdade que era, precisamente, a negação mais acabada de toda justiça social.

Wendell Willkie, o destacado líder republicano dos Estados Unidos, ao informar-nos em seu livro “Um mundo” sobre a viagem que reali- zou em agosto de 1942, durante 49 dias, pelos países mais distantes do mundo, nos fala de quanto tem melhorado esse comunismo na Rússia Soviética, ao dizer-nos que teve de comprovar como se estimam atual- mente nesse país o esforço e o produto da inteligência. Refere Willkie,

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escutado da boca de um trabalhador de categoria, que o lema do socialismo stalinista era: “de cada um conforme suas capacidades e a cada um conforme seu trabalho”, mas depois expressou que, conforme o mesmo informante, o desiderato comunista é hoje “de cada um conforme suas capacidades, a cada um conforme suas necessidades”. O que assim falava ao ilustre viajante norte-americano era um alto empregado de uma das fábricas que funcionavam na Rússia e que, em suas conversas, se referia a como foram aumentando seus haveres, à medida que progredia em seus estudos, em sua técnica, em sua dedi- cação ao trabalho.

Isto viria a ser um grande engano aos que, levados pela sedução de teorias exóticas, esperam tudo dos arbítrios do Estado, sem que preo- cupe em absoluto àqueles que podem afetar suas eternas demandas em busca de melhoramentos que uma e outra vez lhes foram concedidos, sem que se advirta neles os sintomas do melhoramento que em cada um deveria pronunciar-se como resultado de suas aspirações, se em verdade estas tendem a servir a propósitos de bem e de ordem no seio da sociedade em que vivem.

Os estudantes, por exemplo, que aspiram a completar seus cursos e se esforçam, dedicados ao estudo, para alcançar essa realidade, poderiam esperar que suas matérias fossem aprovadas e seus títulos outorgados, ano após ano, com o só fomentar protes- tos e greves; seria uma melhora a ser reclamada ao Estado com os mesmos direitos dos que a reclamam sem se preocupar em melho- rar-se e contribuir com seu esforço individual para o melhoramento da sociedade.

Isto não quer dizer que haja que desconhecer as necessidades pelas quais podem atravessar as chamadas classes operárias, pois, mais que elas mesmas, as massas responsáveis e ilustradas se preocupam em beneficiá-las em tudo o que seja possível e em todas as ordens. O que mais se quer destacar é a necessidade de levar ao entendimento destas gentes, que a ninguém devem culpar mais que a si mesmas pelo fato de encontrar-se – e não em todos os casos – em situações de inferioridade em relação ao resto de seus semelhantes. Não há que esquecer-se aqui que muitos dos que hoje, como antigamente, se acham em situações de privilégio, se assim se pode dizer, no seio da sociedade, descendem

de lares de trabalhadores cujos pais, tendo idênticos recursos que seus demais companheiros de trabalho e, às vezes menos que estes, puderam dar a seus filhos uma educação esmerada e conseguir a satisfação de que eles ostentassem depois seus títulos de médico, engenheiro, advogado ou ocupassem altos postos no comércio e na indústria.

Isto é o que deve ter-se muito presente toda vez que se tratam as questões trabalhistas e se queira em verdade dar um conteúdo puro e verdadeiro ao que se tem dado em chamar justiça social. Como se expli- caria, então, semelhante contradição: enquanto uns gemem, protestam e ameaçam reclamando melhoras após melhoras, em prejuízo dos que se desvelam para equilibrar suas finanças, outros, com menos recursos conseguem viver dignamente e até para custear os estudos de seus filhos? Não sugere isso, acaso, a necessidade de promover uma ampla, minuciosa e equânime investigação sobre semelhante fenômeno?

Aos estadistas de alto voo, aos governantes aos quais afligem tais problemas corresponde extrair destas sugestões as conclusões mais edificantes. Por nossa parte, frente às preocupações que, como dissemos, embargam a toda humanidade pensante e responsável, consideramos um dever irrecusável contribuir para soluções de tanta transcendência com nossas opiniões, que são o fruto de longas jornadas de trabalhão no campo da observação e da análise.

(Junho 1945 – página 19)