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2.1 O que posso saber sobre o tempo?

2.1.1 O tempo em Carlos Fuentes

No livro de ensaios Este é meu credo o autor disserta sobre diferentes temas que se repetem ao longo de suas obras e dedica um texto ao Tempo; o que consideramos importante por se tratar de uma visão do autor sobre o nosso objeto de pesquisa e objeto estético de sua obra.

Fuentes relata que certa vez, perdido em um labirinto de montanhas no Estado de Morelos no México, ele perguntou a um velho camponês o nome da aldeia onde estava: “_Depende- respondeu o ancião- O povoado se chama Santa Maria42

em tempos de paz e Zapata43 em tempos de guerra” (FUENTES, 2006, p. 238). A sabedoria do homem nos revela que o tempo não é único, ele é relativo, este fato ofereceu a Fuentes a certeza de que a defesa do tempo, que de algum modo é sua identidade romanesca, é a defesa da cultura e da maneira de vivê-la na história.

42 Santa Maria de Guadalupe, padroeira do México. 43 Líder revolucionário que nasceu em Morelos.

Para Fuentes, o episódio confirma o fato de que existe um tempo que não se encontra no tempo linear dos calendários ocidentais, um tempo mitológico vivido em ambiente e espaço cultural próprio, um tempo que a ansiedade da sociedade atual desconhece porque parece tê-lo esquecido. “O mundo natural não é criação humana, mas o mundo social, e histórico, e cultural antropológico sim” (FUENTES,1992, p.31).

Ademais, pactuou com a visão de Giambattista Vico44 que rechaçava o método cientifico como único método para conhecer a verdade. Vico recusou um conceito puramente linear da história concebido como marcha inexorável em direção ao futuro que se desprendia do suposto racionalismo. Concebeu a história como um movimento de corsi e ricorsi45, um ritmo cíclico em virtude do qual as civilizações se sucedem, nunca idênticas entre si, mas cada uma portando a memória de sua própria anterioridade, conquistas ou fracassos das civilizações precedentes; problemas não resolvidos, mas valores assimilados; tempo perdido, mas também tempo recobrado.

Fatidicamente, para o ensaísta o fim do tempo pode ser o tempo do progresso, o tempo do século XXI, tempo em que ele prevê que conseguiremos assassinar a natureza ao mesmo tempo em que nos suicidamos.

O tempo sempre foi um problema. Desde o principio do tempo. Um problema redundante, pois o problema do tempo é o próprio tempo. Na raiz do problema, existem duas maneiras de conceber o tempo. Para uns, a realidade é mudança incessante. O mundo está em chamas. A lei dos opostos é sangrenta. Tudo tende a transformar-se no seu contrário e é isso que cria a mudança. A história é a história da violência. O tempo é luta. A metamorfose e o fluxo são a única realidade temporal. A permanência é ilusória. Se o movimento cessa, o universo entra em colapso e o tempo termina. Para outros, só o que perdura é real. O fluxo, o movimento e a mudança são meras aparências (FUENTES, 2006, p. 240).

Neste trecho, a voz narrativa do autor constata que Platão concilia as duas correntes temporais, privilegiando a segunda. Ainda acrescenta que o dualismo platônico nos diz que existe um mundo de formas fora do tempo e liberto das mudanças, e este mundo é eterno. Por outro lado, explica que há um mundo de objetos sensoriais, fundado na aparência e na mudança que exemplifica o mundo das formas em outro mundo de tempos mutantes em coexistência no espaço e sucessão do tempo.

44 Giambattista Vico, historiógrafo real de Carlos III, nasceu em 1688 em Nápoles e era um crítico radical do

racionalismo. Escreveu Ciência Nova, e nessa obra procurou criar o Princípio Universal da História para todos os povos. O texto de Carlos Fuentes que se refere ao autor se encontra na obra Valiente Mundo Nuevo (1992).

No ensaio, a sua voz estética constata que as artes coexistem no espaço e acontecem no tempo, e acrescenta que a grande pergunta da literatura moderna é: porque a escrita se vê obrigada à sequência em lugar da coexistência? A resposta ele mesmo encontra e revela: é que a linguagem consiste em unidades sucessivas e discretas. Fuentes ainda acrescenta que a revolução do romance moderno foi se revoltar contra a fatalidade sucessiva do tempo na narrativa, e essa oposição transformou a arte literária em um grande laboratório do tempo em que as construções avançam para um tempo simultâneo.

A sua voz crítica aponta para o padrão ocidental do tempo como uma servidão internacional no século XXI, o que essa voz temporal de Fuentes aponta é para a orientação histórica que olha apenas para o futuro como se lá estivesse a salvação para todos os males da humanidade, projetando um futuro que conseguisse atender os anseios humanos de progresso. Ele afirma que devemos dar ao tempo um canal mais amplo para dar vida e espaço às culturas múltiplas de um mundo que corre o perigo da uniformização global concomitante com o da dispersão local.

A aproximação que fazemos do passado só é verdadeiramente importante quando nos preocupamos com o nosso próprio tempo presente. Com o tempo como força controladora da vida, uma vez que nós somos personagens de nossa própria história.

O ensaísta ainda acrescenta que precisamos acabar com os conceitos que temos de tempos progressistas, se o passado ocorre hoje quando recordamos e o futuro ocorre hoje quando desejamos o nome do lugar que temos que defender se chama presente porque por muito que racionalizemos o tempo o seu reino é o reino do mistério.

Fuentes lembra que estamos tão ansiosos e ávidos pelo tempo que não estabelecemos com ele uma convivência pacífica, não nos damos conta do presente, somos sempre sufocados por um futuro que nunca chega, e quando chega nos decepciona porque não era o que desejávamos. De certa forma, este ensaio busca meditar sobre as nossas raízes e a reconciliação do homem com o tempo porque só conhecemos de verdade o tempo que nós mesmos criamos. Por fim, a voz filosófica do autor inunda a literatura de interrogações:

Nascido, crescido, amado e sendo amado, desejando, envelhecendo e, no fim morrendo no tempo, nunca saberei o que eu era quando ainda não era- o passado sem mim- ou o que serei quando eu já não seja – o futuro sem mim. [...] mas, o que é o tempo? Medida, invenção, nossa imaginação? Tudo o que existe é pensado. Tudo que é pensado existe. Os tempos mudam de espaço, juntam-se ou se sobrepõem e depois se separam. Podemos viajar de um tempo a outro sem trocar de espaço, mas o que viaja de um tempo a outro e não volta a tempo ao presente perde a memória do passado (se chegou dele) ou a memória do futuro (se ali se originou). O presente o captura. O presente

é sua vida. E todos nós sem exceção, voltamos tarde a nosso presente (FUENTES, 2006, p. 41-42).

Fuentes faz a si o mesmo questionamento ontológico de Santo Agostinho e em sua reflexão acrescenta que talvez o nosso pacto com o tempo seja viver no presente sem a memória de nosso passado ou de nosso futuro, ele diz que se quisesse eliminar da memória algo que lhe causou tristeza faria um pacto com Deus ou com o Diabo: “Tire minha memória e eu o presenteio com minha alma” (FUENTES, 2006, p. 42).

Sim, novamente podemos voltar ao romance Aura e encontrar a alma de Consuelo e as memórias do general reverberando nas palavras do autor e do princípio fundador de sua obra, o tempo.

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